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ULTRAPASSADA

Vinte anos depois, Mulheres Apaixonadas escancara mudanças drásticas do Brasil

REPRODUÇÃO/TV GLOBO

Os atores Helena Ranaldi e Pedro Frutado prestes a se beijar em cena de Mulheres Apaixonadas

Fred (Pedro Furtado) e Raquel (Helena Ranaldi) em Mulheres Apaixonadas; eles foram casal na trama

FERNANDA LOPES

fernanda@noticiasdatv.com

Publicado em 3/7/2023 - 6h25

O retorno de Mulheres Apaixonadas à Globo, no Vale a Pena Ver de Novo, tem exibido um retrato de uma sociedade ultrapassada. A novela estreou originalmente há vinte anos, em 2003, e várias tramas já parecem muito diferentes e incompatíveis às condutas, às perspectivas e até mesmo às leis praticadas no Brasil atualmente. De lá para cá, houve mudanças drásticas nos relacionamentos e padrões de comportamento considerados mais aceitos e corretos.

As tramas paralelas de Mulheres Apaixonadas levantaram diversas questões importantes socialmente e fizeram alertas e denúncias. A novela retratou, por exemplo, violência doméstica, alcoolismo, assédio e relação homoafetiva.

No entanto, nem tudo foi retratado com a seriedade devida, e as percepções do público atualmente, com lentes mais politicamente corretas, seriam diferentes em relação às reações de telespectadores na época da exibição original da novela das nove. O caso de Raquel (Helena Ranaldi) e Fred (Pedro Furtado) é um bom exemplo disso.

Raquel era uma professora de Educação Física que começava a trabalhar na Escola Ribeiro Alves e logo desenvolvia uma afinidade com Fred, aluno tímido que gosta muito de natação.

A professora tinha ao menos o dobro da idade do garoto, mas ainda assim os dois começaram um namoro às escondidas. Tal relacionamento hoje provavelmente não seria bem encarado pelo público --na época, a mãe de Fred, Eleonora (Joana Medeiros) foi vista como vilã por não concordar com o romance de seu filho com a professora.

Não é crime um adulto se relacionar com um adolescente maior de 14 anos, mas ainda assim Raquel não só se deixou levar pela paixão do rapaz como o colocou numa situação de risco.

A personagem era perseguida pelo ex-marido, o violento Marcos (Dan Stulbach). Ela havia fugido dele para não sofrer mais violência doméstica, mas Marcos foi atrás da ex-mulher e continuou batendo nela, com uma raquete. Na época, Raquel não queria ir à polícia, e quando procurou ajuda policial não teve retorno satisfatório.

Atualmente, mulheres continuam sendo vítimas de diferentes tipos de violência e feminicídio, mas têm mais recursos para obterem auxílio judicialmente. A lei Maria da Penha, por exemplo, foi sancionada em 2006 e visa proteger a mulher da violência doméstica e familiar, com diversas medidas de punição aos agressores e proteção às vítimas. Em 2005, o governo federal disponibilizou, pelo número 180, a Central de Atendimento à Mulher, para que vítimas possam ligar e pedir ajuda.

reprodução/TV Globo

Empregada era assediada na novela

Empregada assediada

A trama da empregada doméstica Zilda (Roberta Rodrigues) certamente geraria indignação hoje em dia. Na história, Zilda era funcionária na casa de Carlão (Marcos Caruso) e dormia no emprego. Ela era constantemente assediada por Carlinhos (Daniel Zettel), filho do patrão.

O adolescente era louco para perder a virgindade e, por isso, tratava a empregada como se fosse, ao mesmo tempo, um pedaço de carne e uma funcionária que deveria lhe prestar serviços sexuais. Ele a perseguia, tocava nela sem consentimento e a importunava no ambiente de trabalho.

Na época, o Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Jundiaí, no interior de São Paulo, entrou com uma ação cautelar para tentar impedir que fosse ao ar uma cena de sexo entre Zilda e Carlinhos, sob a argumentação de que a novela representaria um desrespeito à categoria das empregadas domésticas. 

Manoel Carlos, no entanto, minimizou a situação. "Isso é normal. Quando há na novela uma enfermeira e um sujeito se interessa, pronto, lá vem o sindicato. As secretárias, a mesma coisa. É como se essas profissionais não fossem capazes de provocar interesse em um homem", disse o autor à Folha de S.Paulo.

A ação do sindicato foi negada, e no final da novela Carlinhos conseguiu o que tanto queria: ele transou com Zilda no quarto da empregada.

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) das Domésticas foi apresentada em 2003 e representou um marco para a garantia dos direitos trabalhistas desta categoria. Até então, a profissão não era bem regulamentada. O projeto foi aprovado de fato em 2013.

reprodução/tv globo

Heloísa e Sergio viviam relacionamento abusivo

Relacionamento abusivo

O casamento de Heloísa (Giulia Gam) e Sérgio (Marcello Antony) tinha problemas de ambas as partes, mas muitas vezes a novela (e a mídia, e o público de forma geral) retratou apenas Heloísa como o problema. Ela tinha muito ciúme do marido e cometeu atos absurdos, como agredi-lo fisicamente e ameaçar se jogar de uma janela.

É inegável que a mulher passou dos limites de um relacionamento saudável, mas Sérgio, por sua vez, tinha seu jeito peculiar e galanteador. Ele vivia um casamento monogâmico com Heloísa, mas flertava com outras mulheres, guardava números de telefone. Quando Heloísa o questionava, ele sempre a tratava como se ela fosse louca e estivesse imaginando coisas.

Os acordos de relacionamento evoluíram muito de 2003 para cá, e hoje, por exemplo, ele poderia propor uma relação aberta caso acreditasse que fizesse mais sentido para o casal. No entanto, só Heloísa foi tida como ciumenta, doente e louca --era chamada de Helouquisa na sátira do Casseta e Planeta (1992-2010).

reprodução/tv globo

Virgindade foi questão para Edwiges

Jovem cristã

Em Mulheres Apaixonadas, Edwiges (Carolina Dieckmann) era uma jovem que praticava a fé católica e se dedicava a seguir os dogmas da religião. Ela frequentava missas e acreditava que deveria se casar virgem, por exemplo. Isso era o cerne de seu conflito com Claudio (Erik Marmo). O rapaz a amava, mas não conseguia negar seus desejos sexuais.

Tal trama não se tornou ultrapassada --ainda há muitas jovens que se dedicam a seguir sua fé fervorosamente, sem haver qualquer problema nisso, apenas uma questão de escolha-- mas foi de certa forma atualizada. Em Vai na Fé, Jenifer (Bella Campos) também é uma garota religiosa. Evangélica, ela ficou em conflito interno após ter perdido a virgindade com Tatá (Gabriel Contente) e até se arrependeu, mas depois o fato não teve tanto peso em sua vida.

A jovem seguiu em frente, arrumou outros namorados e até sentiu falta de um contato mais quente com Eduardo (Matheus Abreu). A trajetória dela na novela também foi para outros rumos, não se ancorando só na questão da virgindade, como aconteceu com Edwiges.

reprodução/tv globo

Clara e Rafaela se beijaram na novela

Ainda atual

O relacionamento de Clara (Alinne Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli) foi marcante em Mulheres Apaixonadas. As duas adolescentes viveram um romance, mesmo com a mãe de Clara se colocando completamente contra. O casal de meninas lutou pelo amor e, no final, elas até deram um selinho.

O preconceito, no entanto, continua atual --não só nas novelas, mas na sociedade brasileira. Em Vai na Fé, Clara (Regiane Alves) e Helena (Priscila Sztejman) se apaixonaram uma pela outra e não sofreram rejeição dos familiares. No entanto, cenas de beijo delas foram cortadas da edição da novela.

A ordem veio da alta cúpula da Globo, que acreditou que exibições frequentes entre casais homossexuais poderiam ofender e afastar telespectadores conservadores que compõem a audiência da emissora.


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