ABORDAGEM RESPEITOSA
FOTOS: REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Inácia (Edvana Carvalho) em cena de Renascer; ela dá representatividade às religiões africanas
Inácia (Edvana Carvalho) até tentou negar suas raízes e ignorar o legado deixado por sua mãe como "guardiã de santo" em Renascer. Mas, no momento em que decidiu assumir sua religião e praticar seus rituais, a personagem assumiu uma importância não só dentro da trama da novela das nove da Globo, como também fora dela.
Devido à personagem, as religiões de matriz africana --como a umbanda, o candomblé e a quimbanda-- são, de certa maneira, desmistificadas perante um público mais leigo.
O fato de essas religiões serem tratadas com respeito dentro da novela, longe de abordagens que as colocavam numa posição de serem sinistras e dignas de medo ou, em alguns casos, motivos de riso, ajuda o público a ficar mais aberto para conhecer essas propostas de fé. Esse, aliás, é um dos objetivos de Bruno Luperi nesse remake. Não à toa, ele inseriu um pastor dentro da trama, inexistente na versão de 1993 --Lívio era padre na Renascer original.
Para a ialorixá (termo popularmente traduzido para "mãe de santo") Kathia Rejane, o autor "certamente" tem cumprido com o prometido. "Ao mostrar o respeito e a valorização das religiões africanas, a novela está contribuindo para o combate ao preconceito e à intolerância religiosa. Essa representação diversificada não apenas reflete a realidade multicultural da sociedade, mas também fortalece os laços de respeito e cooperação entre diferentes comunidades religiosas", analisa ela, em entrevista ao Notícias da TV.
Kathia destaca que a novela é cuidadosa ao representar as tradições espirituais da religião, respeitando também sua importância dentro da cultura afro-brasileira.
"É crucial reconhecer a contribuição dos negros para a estrutura da nossa sociedade, e a religião de matriz africana desempenha um papel central nesse contexto. Hoje, mais do que nunca, temos a oportunidade de mostrar e discutir esses temas no horário nobre, promovendo uma compreensão mais ampla e respeitosa das religiões afro-brasileiras e da cultura que as envolve", arremata.
Inácia, aliás, não se furta de ensinar aspectos importantes de sua religião para os demais personagens da trama --e, consequentemente, para o público. Em uma conversa com o pastor Lívio (Breno da Matta), por exemplo, ela fez questão de ressaltar que Iemanjá não é Nossa Senhora dos Navegantes, como comumente se diz, e, sim, uma divindade espiritual independente.
Assim como a personagem, Kathia ressalta que as tradições religiosas africanas precisaram ser adaptadas durante o período de escravidão do Brasil. Primeiro, várias tradições acabaram sendo unificadas, originando o candomblé. Depois, os escravizados disfarçaram suas divindades com os santos católicos, para evitar reprimendas de seus senhores. O exemplo mais conhecido é Ogum e São Jorge --comparação que, ainda hoje, é muito reproduzida, apesar de esse sincretismo não ser mais necessário.
Inácia decide se dedicar aos orixás na novela
Por outro lado, a governanta de José Inocêncio (Marcos Palmeira) nem sempre teve essa clareza quanto à própria vida espiritual. No primeiro capítulo da novela, quando ela precisou tratar do protagonista à beira da morte, ela pediu perdão a Deus antes de iniciar um ritual de cura. Para Kathia, isso só representa a complexa relação da personagem com a jornada espiritual dela.
"Esses momentos evidenciam a intersecção entre suas crenças religiosas tradicionais e sua fé em Deus. Ao pedir perdão a Deus antes do ritual, Inácia revela um conflito interno entre suas práticas religiosas e suas preocupações com moralidade e ética religiosa", analisa.
Foi naquele primeiro momento da novela que os conhecimentos ancestrais de Inácia vieram à tona. Na cena, a personagem usou diversas práticas do candomblé para saber como lidar com José Inocêncio, que estava à beira da morte depois de ter sido torturado, despelado vivo e, ainda, costurado após passar horas com a carne exposta a todo tipo de inseto.
De início, Inácia tirou os búzios --que, segundo Kathia, são uma forma de consulta a Exú. Enquanto orixá (afinal, o nome Exú também pode ser lido como um grupo de entidades), ele é o mensageiro entre o mundo terreno e os orixás. Representa ordem, equilíbrio e as encruzilhadas que separam a vida material da espiritual.
"É por meio das 'caídas' dos búzios que sabemos o que fazer, como fazer e por qual razão. Antes do ritual de cura, Inácia usou os búzios para estabelecer uma conexão espiritual, identificar problemas espirituais e receber orientação dos orixás", arremata a religiosa.
Búzios nortearam ritual de cura de Inocêncio
Depois disso, a personagem de Edvana Carvalho pegou um punhado de ovos, que descansavam sobre um trio de guias (uma espécie de colar de contas), e os passou sobre José Inocêncio. Ela também macerou ervas numa vasilha com água e jogou o líquido nas costas dele. Por fim, passou mais um punhado de ervas soltas nas costas do personagem, e, então, o cobriu de pipocas.
Cada parte desse processo tem um significado, explica Kathia. "Orixás são forças da natureza; portanto, é comum utilizar elementos como folhas, grãos, pedras e metais em práticas rituais. Ovos absorvem energias negativas, ervas são maceradas para propriedades curativas, e os orixás, como forças naturais, são homenageados com elementos naturais diversos", começa ela.
Inácia os emprega para ativar essas forças visando à cura, utilizando água para purificação e pipocas para energias associadas a Omolú, o orixá da saúde. Esses elementos podem ser combinados conforme os objetivos de cura, criando uma interação entre seus significados e propósitos.
Depois de todo o procedimento, Inácia colocou uma guia preta sobre o corpo do personagem. O objeto é visto como uma forma de proteção espiritual e de fortalecimento energético, assim como talismãs e amuletos de outras culturas, como também explica a religiosa.
Inácia curou Inocêncio no início de Renascer
"A guia preta também está associada ao orixá Exú, que governa os caminhos e remove obstáculos. Ela é usada para fechar o corpo, protegendo contra energias negativas e influências espirituais indesejadas, proporcionando segurança e estabilidade ao longo do tempo", crava ela. Não à toa, mesmo na segunda fase da novela, o protagonista pode ser visto com o objeto.
Depois do primeiro capítulo, Inácia não tocou mais no assunto de sua religião. Isso até outro risco cercar José Inocêncio: Damião (Xamã). O capataz chegou na trama com o intuito de matar o protagonista, embora se fingisse de bonzinho para os demais funcionários. Ele ainda se aproximou de Ritinha (Mell Muzzillo), filha de Inácia, para o desespero dela.
Foi então que ela pegou sua cachaça e deu início a um novo ritual, desta vez para descobrir a verdade sobre o desconhecido. Ela pediu licença a Exú e, então, solicitou a assistência dele em sua empreitada. Depois disso, "filtrou" cachaça em ervas maceradas, adicionou mel e despejou parte da mistura no chão.
"A cachaça é tradicionalmente associada a Exú como uma bebida apreciada, e frequentemente oferecida como símbolo de respeito e comunhão. Ao atirar a mistura no chão e oferecer um gole, ela está simbolicamente compartilhando a bebida com Exú, convidando sua presença e sua ajuda na busca pela verdade, enquanto honra e reconhece sua importância dentro da prática espiritual", explica a mulher.
Inácia prepara bebida mística para Damião
Com isso, a divindade poderia ajudar a "arrancar" a verdade de quem bebesse a mistura, como de fato aconteceu. Inácia, assim, assumiu de fato a postura de guia espiritual dos personagens de Renascer. Resta ver aonde isso irá levar todos eles --e, consequentemente, o público.
Renascer foi escrita e criada pelo autor Benedito Ruy Barbosa. A primeira versão foi ao ar na Globo em 1993. Bruno Luperi é neto do novelista e responsável pela adaptação da saga rural que estreou no horário nobre em janeiro. O remake ficará no ar até setembro.
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