ANIVERSARIANTES DO DIA
REPRODUÇÃO/TELEVISA
Michel Brown em Amar a Morte (2018) e Gaby Spanic em A Usurpadora (1998), disponíveis no Globoplay
Rotuladas por muitos como "produtos de segunda categoria" ou "todas iguais", as novelas mexicanas sambam na cara do preconceito e completam 40 anos de exibição no Brasil nesta terça-feira (5). Além da tradicional exibição na TV aberta pelo SBT, essas produções tornaram-se um trunfo dos serviços de streaming na guerra por audiência.
"As novelas têm tido um excelente consumo na plataforma e certamente um dos motivos é a familiaridade do público com esse conteúdo", aponta Ana Carolina Lima, head de Conteúdo do Globoplay, ao Notícias da TV.
Nos últimos meses, o streaming da Globo apostou em clássicos do SBT, como A Usurpadora (1998) e Maria do Bairro (1995), e em produções inéditas no Brasil, como o remake de Rubi (2020) e as tramas Amar a Morte (2018) e Império de Mentiras (2020), ambas protagonizadas por Angelique Boyer, a nova queridinha dos fãs brasileiros.
"Nossa busca permanente é pela inovação: no formato, na linguagem, em nossas entregas. O conteúdo sempre foi e sempre será soberano, especialmente os que geram identificação com a nossa cultura, talentos e narrativas. Estamos sempre atentos aos desejos do público, estreitando nosso contato com ele por meio de diversos canais de comunicação e estudando a sua jornada na plataforma para entender suas preferências e tendências", detalha Ana.
Quem também se destaca entre os fãs das tramas mexicanas é o serviço de streaming Guigo TV. Além da transmissão simultânea com o México e o sinal do TLN Network, canal que oferece novelas mexicanas dubladas 24 horas por dia, a plataforma disponibiliza o VOD (video on demand) com tramas exclusivas.
"Uma grande parcela dos nossos usuários está conosco por causa desses conteúdos, e outro ponto que é muito importante, passam o tempo delas em nossa plataforma. No caso de eventos esportivos, as pessoas às vezes veem um, dois eventos por semana. No caso das novelas, o tempo na plataforma aumenta de forma significativa", explica Renato Svirsky, fundador da Guigo TV.
O executivo admite que a empresa não pretendia investir nessas produções, mas que se surpreendeu com o êxito delas entre os assinantes: "Decidimos investir em conteúdos latinos devido ao pedido do público. Logo que lançamos a Guigo, no final de 2018, começamos a receber uma enxurrada de pedidos em mídias sociais para trazer esses conteúdos. O volume nos impressionou e fomos atrás pra entender a demanda e as possibilidades".
"O streaming, que tem em seu princípio democratização e globalização, é o novo espaço para todas essas novelas que, a despeito das diferenças pessoais, nos representam e nos integram com o mundo", defende Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia e uma das principais referências da área.
Em 5 de abril de 1982, o SBT estreou Os Ricos Também Choram, trama exibida originalmente no México entre 1979 e 1980. "A estética era completamente oposta à produção brasileira. Tudo era absolutamente melodramático. O texto, a trilha sonora, a interpretação. Ou seja, a raiz da escola mexicana de teledramaturgia, a maior do mundo. Mas a objetividade narrativa, a clareza de intenções das personagens e das tramas começaram a movimentar a audiência", detalha Alencar.
Silvio Santos foi o maior motivo para a chegada das novelas mexicanas ao Brasil. Por ocasião da inauguração do SBT, em agosto de 1981, a Globo seguia dominando a produção de novelas, e a Bandeirantes ampliava o investimento no gênero. Trazer a desconhecida dramaturgia mexicana ao Brasil, foi, portanto, uma cartada de mestre!
Na década de 1990, produções como A Usurpadora, Carrossel (1989) e a Trilogia das Marias --Maria Mercedes (1992), Marimar (1994) e Maria do Bairro-- foram exibidas pelo SBT, conquistaram o público e tornaram-se produções clássicas entre os brasileiros.
"Naturalmente, pela sequência e sistemática de exibição e produção--aspectos fundamentais para o estabelecimento da indústria cultural--, a emissora de Silvio Santos encontrou um público cativo e novo para a telenovela. O sucesso dessas novelas foi uma consequência natural das produções da década de 1980, das sementes mexicanas lançadas pelo SBT em solo brasileiro", reforça o especialista.
Um dos principais nomes da história da teledramaturgia mexicana é Valentín Pimstein (1925-2017), considerado o pai das novelas rosas, como são conhecidas as histórias românticas recheadas de melodramas. Alencar foi aluno de Pimstein e, para a reportagem, entrega um dos principais aprendizados obtidos.
"A produção de uma novela requer mais suor que inspiração. Essa é o resultado do trabalho, vem com o esforço da equipe, com a tarefa diária no desenvolvimento da trama, dos personagens. E observar muito o comportamento humano ao seu redor. Daí surge a base para a composição de uma boa história", opina.
E, para os fãs, "apenas" assistir a uma novela não é suficiente. Comentários e análises sobre esse mundo ficcional divertem o público e são o que motivam Thiago Fernandes a criar seus vídeos no Almanaque Latino, o principal canal do YouTube sobre tramas mexicanas.
"A ideia de fazer o canal teve muito a ver com a minha produtora, a gente queria fazer uma experiência de ter um canal no YouTube que não fosse algo pago por um cliente. Então, entre os gostos pessoais de cada um, ninguém era especialista em nada, e eu falei: 'Olha, acho que sou especialista em novela mexicana'. Era meio uma enciclopediazinha de falar quem era o autor, os atores, o que era remake do que. Eles nem sabiam o que era isso, só que me apoiaram na ideia de fazer o canal", afirma Fernandes.
"Penso que o meu canal veio muito com a missão de ser a novela comentada por quem gosta do produto", completa. Com mais de 100 mil inscritos e 11 milhões de visualizações em seus vídeos, o Almanaque Latino tornou-se um ponto de referência para os amantes dessas produções. Na visão do youtuber, as tramas mexicanas conquistam o público por proporcionarem um escapismo da realidade.
"Em Esmeralda (1997), quando você pensa assim: 'Ah, ela é cega, anda sozinha na montanha, sempre de verde'. Parece uma coisa absurdamente irreal, só que quando você começa a assistir, de repente, você se vê preso naquilo. Mesmo a história sendo previsível, você continua assistindo e, naquele tempo que passa o capítulo, você meio que começa a acreditar que aquilo existe. As novelas têm essa magia, sabe? De mesmo às coisas malucas, fantasiosas, previsíveis, você acabar preso. Essa é a magia!", aponta.
Sobre o investimento dos serviços de streaming nessas produções, o criador de conteúdo reflete: "É a oportunidade do público conhecer outras novelas que talvez não passassem na TV aberta, só que também acho que o streaming tem que se abrir para um estilo de novela mais tradicional, que não tem vergonha de passar".
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