SOPRO DE ALÁ
REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Ali (Stenio Garcia) em cena de O Clone; a fé muçulmana foi o grande contraponto a cientista maluco
Com a chegada de O Clone (2001) ao Globoplay, o público tem a chance de rever a obra de Gloria Perez sem as tesouradas das reprises no Vale a Pena Ver de Novo. Mais do que o romance proibido entre Jade (Giovanna Antonelli) e Lucas (Murilo Benício), a trama mantém todos os discursos filosóficos de Ali (Stênio Garcia) --essenciais para entender o final enigmático em que Léo (Murilo Benício) e Albieri (Juca de Oliveira) desaparecem no deserto.
O marido de Zoraide (Jandira Martini) não é responsável apenas por separar o casal principal, ao obrigar a sobrinha a se casar com o comerciante Said (Dalton Vigh) como mandam as tradições muçulmanas. A função do personagem também não é dar voz às expressões que caíram na boca do povo, como "arder no mármore do inferno" ou "mulher espetaculosa".
Em sua íntegra, o papel de Stênio Garcia funciona como a voz da consciência de Gloria Perez dentro da trama. As sequências também foram preservadas na reapresentação da produção no Viva, que rendeu a segunda maior audiência da história do canal pago.
"A experiência da clonagem humana suscita muitas questões éticas e filosóficas. Por um lado, é a tentativa do homem de criar uma vida, pondo-se num lugar até então só concebido a Deus. Para falar sobre isso, fui buscar o contraponto na cultura muçulmana", explica a autora.
A partir dessa perspectiva, o grande vilão passa a ser o médico interpretado por Juca de Oliveira, que desafia a "lei da natureza" ao implantar um embrião geneticamente idêntico ao afilhado Diogo (Murilo Benício) no útero de Deusa (Adriana Lessa). O jovem havia morrido em um acidente de helicóptero no Marrocos.
O desespero do cientista dá origem a uma criatura que se sente pouco à vontade com o mundo à sua volta. Léo tem dificuldades para estabelecer laços com outros seres humanos até que finalmente o seu caminho cruza com o da protagonista de Giovanna Antonelli. A atração entre os dois parece o único sentido para a sua existência.
A falta de sensibilidade de Léo é explicada por Ali em diversos monólogos, em que versa sobre o "sopro da vida" que é concedido somente por Alá. A ausência do fator espiritual faz com que o jovem seja apenas um "vaso de barro", completamente oco por dentro.
"Foi um trabalho de muita pesquisa, porque se trata de uma cultura muito diferente e que sempre chegava a nós por meio de estereótipos. Estive no Egito e no Marrocos, convivendo com pessoas comuns, participando dos seus cotidianos, estive com sheiks, estudei o Alcorão", entrega a novelista.
Os discursos do tio de Latiffa (Letícia Sabatella), no entanto, se perderam no eco de frases feitas e bordões que se tornaram uma marca registrada da trama --de dona Jura (Solange Couto) com o seu "não é brinquedo, não" a Odete (Mara Manzan) repetindo "cada mergulho é um flash".
A voz de Ali então ecoa nos últimos minutos da narrativa, quando Léo se sente fascinado por uma cidade no meio do deserto. Assim como as edificações, ele é uma espécie de "ruína" da identidade de Lucas e Diogo, mas também da ética de Albieri --castigado a desaparecer no meio de uma nuvem de areia para sempre por brincar de ser Deus.
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