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ANÁLISE

A Dona do Pedaço derrapa ao tratar morte e homossexualidade como 'fast food'

Fotos: Reprodução/TV Globo

Rafael Queiroz, Sergio Guizé, Lucy Ramos, Marcos Palmeira, João Gabriel D'Aleulia e Heloísa Jorge em cena da novela

Sequência em que Gilda (Heloísa Jorge) morreu diante dos familiares após câncer se espalhar em seu corpo

MÁRCIA PEREIRA

Publicado em 11/9/2019 - 5h12

A banalização da morte da Gilda (Heloísa Jorge) e a forma como Cássia (Mel Maia) esperneou diante da confirmação de que seu pai é homossexual são os exemplos mais recentes de que A Dona do Pedaço não tem compromisso com campanhas sociais. A falta de seriedade na abordagem dos temas incomoda os telespectadores e vai na contramão dos trabalhos feitos pela dramaturgia da Globo.

Na novela de Walcyr Carrasco, o fato de um câncer evoluir e matar a paciente foi tratado como o "prato do dia". A corretora descobriu que a doença tinha voltado e morreu. Em nenhum momento, a questão ganhou profundidade ou didatismo.

Assim como o enterro da personagem, um debate mais amplo sobre câncer ficou de fora da história. Os familiares de Gilda sequer tiveram direito ao luto. A correria não foi porque a trama do núcleo precisa deslanchar, já que um novo conflito foi criado para impedir que Amadeu (Marcos Palmeira) fique com Maria da Paz (Juliana Paes). 

Gilda foi só uma pecinha no tabuleiro. Agora, é a vez de Carlito (João Gabriel D'Aleluia) desempenhar a função de adiar uma possível união entre seu pai e a boleira. Ter uma personagem para afastar os mocinhos não é um problema, mas tratar uma doença como o câncer como "fast food" é um desserviço. 

O drama da personagem poderia emocionar e esclarecer as dúvidas de muita gente que se depara com metástase, que é quando o câncer se espalha pelo corpo. O melhor exemplo de prestação de serviço com essa temática ocorreu em Laços de Família (2000), novela que gerou comoção nacional e que ficou marcada pela cena em que Carolina Dieckmann raspou a cabeça.

Autor de A Dona do Pedaço fez história com beijo entre dois homens em Amor à Vida


Pai gay

Já a condução dos desdobramentos envolvendo a homossexualidade do Agno (Malvino Salvador) só ajuda a reforçar o preconceito. Da obsessão do executivo por Rock (Caio Castro) ao fato de a filha dele pedir para o pai voltar para o armário, tudo foi transformado em um grande circo.

O sofrimento de Cássia não pode servir para entreter. A adolescente exigir que o pai gay mantenha um namoro de fachada com uma mulher só para ele ter uma vida como a dos pais de seus amigos foi um diálogo constrangedor. Veja a cena que foi ao ar no último sábado (7) aqui.

Nesse caso, ainda dá tempo de Walcyr Carrasco mudar o rumo que decidiu tomar. Ele também derrapou ao abordar a homossexualidade em O Outro Lado do Paraíso (2017), com o médico interpretado por Eriberto Leão.

Entretanto, o novelista foi responsável pelo primeiro beijo entre dois homens nas novelas, com forte torcida do público para o casal Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) na reta final de Amor à Vida (2013).

O autor tem nas mãos uma nova história de sucesso e pode fazer bonito tanto na questão da homossexualidade como em outros temas sérios que resolva inserir nos quase três meses que restam para A Dona do Pedaço sair do ar.


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