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COLUNA DE MÍDIA

Duelo entre Jovem Pan e CNN deve definir futuro do jornalismo político

Márcio Gomes, da CNN Brasil

Márcio Gomes durante a cobertura das eleições pela CNN Brasil; canal de notícia sofreu cortes

GUILHERME RAVACHE, colunista

ravache@proton.me

Publicado em 15/10/2022 - 6h35

Até pouco antes da votação no primeiro turno, muitos brasileiros ainda tinham a expectativa de que surgisse uma terceira via nas eleições. Como se viu após a apuração, Simone Tebet foi até melhor do que se imaginava, mas ficou longe de ser uma alternativa competitiva.

Curiosamente, algo semelhante aconteceu nos canais de notícias. A disparada da audiência da GloboNews e da Jovem Pan no domingo de eleições deixou claro que a CNN Brasil também ficou pelo caminho, distante de se tornar uma terceira via competitiva ao apostar no jornalismo de centro.

"A CNN perdeu o espaço no noticiário. Antes a Globo estava de um lado, a Record (e JP posteriormente) no outro, e a CNN conseguiu se encaixar no meio, como líder em independência", diz um ex-funcionário da CNN. "Agora, ela perdeu esse lugar de 'terceira via' e foi abandonada pelos dois lados. A direita migrou para a Jovem Pan e a esquerda voltou para a GloboNews", analisa.

Ainda segundo esse jornalista, o dinheiro pesou. "A expectativa que uma cobertura feita pela CNN gerava não se concretizou por falta de recurso". Ele cita como exemplo o corte de jornalistas que levou a CNN a ter menos repórteres nas principais cidades do país do que a Globonews, por exemplo.

Apesar de a Jovem Pan ter batido seu recorde de audiência e alcançado um número jamais atingido pela CNN na TV, a CNN negou que tenha "perdido" a corrida pela audiência ao adotar uma terceira via.

CNN destaca crescimento online

Procurada pelo Notícias da TV, a CNN Brasil disse que "confirma seu compromisso inegociável com o jornalismo profissional e tem a imparcialidade como valor imprescindível desde sua estreia, e não apenas durante o período eleitoral. Assim o faz em respeito ao público e aos anunciantes". Mas ressaltou que "os dados de audiência não sustentam a tese colocada". 

Segundo a CNN, "a audiência da CNN na Pay-TV, no domingo, 2 de outubro, foi excelente, com pico de 2,6 pontos no painel nacional (média de 1 ponto) e 3,17 pontos em São Paulo (média de 1,1). Audiência comparável a alguns canais de TV aberta. Além disso, a CNN Brasil é uma empresa de comunicação multiplataforma. Durante a cobertura do 1º turno, registrou resultados recordes em diferentes plataformas digitais e redes sociais, com destaque para YouTube (15 milhões de views ao vivo e on demand) e Kwai (2,6 milhões de espectadores)."

A CNN diz ainda que, sobre essa cobertura, "bateu seus recordes de visualizações de conteúdos na soma de suas plataformas: foram impactadas 15 milhões de pessoas, com 65 milhões de visualizações do conteúdo de eleições, considerando TV, plataformas digitais, redes sociais e site. Na TV, foram impactadas 3,3 milhões de pessoas e, em média, cada uma assistiu aos conteúdos durante mais de uma hora (70 minutos)". 

"Apenas na transmissão do YouTube ao vivo, foram nove milhões de visualizações, uma performance histórica para a CNN Brasil", diz. A empresa acrescenta que "foram nada menos do que 750 mil acessos simultâneos. Ainda nas redes sociais, ao vivo, foram 2,6 milhões de espectadores no Kwai, 1,7  milhão no Twitter, 1,6 milhão no TikTok e 1,2 milhão no Facebook. Na soma de plataformas digitais e redes sociais, ao vivo e on demand, chegamos a 43 milhões de views". 

Procurada, a Jovem Pan News perguntou qual seria o teor desta coluna, pediu que as perguntas fossem enviadas, mas não respondeu aos questionamentos.

De todo modo, nesta semana a Jovem Pan News anunciou que chegou a 6 milhões de inscritos no seu canal oficial no YouTube. "No mês em que comemora um ano de estreia, a emissora teve o acréscimo de 461,8 mil novos inscritos somente no período de 5 setembro a 5 de outubro", afirmou a emissora por meio de nota divulgada à imprensa.

Segundo a equipe de conteúdo para YouTube do Grupo Jovem Pan, "entre as concorrentes, a Jovem Pan News é a líder tanto no número de inscritos quanto de visualizações, seguida pelo SBT News com 4,36 milhões e do Band Jornalismo com 4,21 milhões de inscritos".

O papel das redes sociais e algoritmos

Não surpreende o ciclo eleitoral estar inflando o crescimento dos canais de notícias em plataformas digitais. As redes sociais e plataformas como o YouTube são usualmente apontados como culpados pelo aumento da polarização política. Um novo estudo do Stern Center for Business and Human Rights da New York University lembra que as redes sociais não são a causa original, mas potencializam o problema.

"Concluímos que Facebook, Twitter e YouTube não são a causa original ou principal da crescente polarização política dos Estados Unidos, um fenômeno que antecede a indústria de mídia social. Mas o uso dessas plataformas intensifica a divisão e, portanto, contribui para suas consequências corrosivas", diz o relatório que estudou a média americana.

Sem reformas internas ou governamentais, dizem os pesquisadores, o ódio partidário continuará a ter "consequências terríveis", incluindo mais confiança perdida nas instituições, a proliferação contínua de desinformação e mais violência no mundo real.

Os pesquisadores recomendam várias maneiras de reformar a mídia social, incluindo investir em plataformas alternativas de mídia social, capacitar órgãos reguladores para impor padrões e ajustar algoritmos para parar de recompensar conteúdo inflamatório.

Ironicamente, as audiências tanto à esquerda quanto à direita reclamam da parcialidade dos grupos de mídia. Mas na hora de escolher onde consumir notícias, preferem os veículos mais polarizados.

Mais anunciantes ou mais audiência?

A crescente audiência da Jovem Pan é um claro indicativo de que o público conservador não se sente atendido por boa parte da mídia. O considerável número de votos recebido pelo presidente Bolsonaro e a eleição de diversos de seus aliados e ex-ministros mostra que o bolsonarismo segue vivo e forte, diferentemente do que boa parte da mídia queira acreditar.

Obviamente, isso pode não se traduzir em negócios. Apesar do crescimento de audiência da Jovem Pan, ela ainda sofre para atrair grandes anunciantes na TV a cabo e tem uma diversidade de anunciantes inferior às suas concorrentes. Meses atrás, a CNN Brasil lançou a CNN Soft. Segundo a empresa, o objetivo era "ampliar as oportunidades de negócios para os anunciantes".

Renata Afonso, CEO da CNN Brasil, declarou em setembro que "a CNN Brasil mantém seu pilar central na produção de notícias hard news, mas agora apresenta variedade para o nosso público. Aos finais de semana, vamos abordar temas mais leves, mas sempre com o DNA do canal, que é a informação. E, além de oferecermos mais conteúdo de qualidade aos nossos espectadores, também traremos mais oportunidades de negócios para nossos parceiros comerciais", afirmou 

O fenômeno não se limita à Jovem Pan e à CNN. Muitos sites de notícias, mesmo vendo a audiência disparar no período das eleições, tiveram receita de publicidade mais baixa. É crescente o número de anunciantes que bloqueiam campanhas em conteúdos que falem de política. O YouTube também tem intensificado seus esforços de moderação e punido veículos que violam suas políticas, como fez recentemente com a Jovem Pan.

Ou seja, quando a mídia radicaliza seu conteúdo, tende a performar bem nas redes sociais e plataformas do Google, ganhando mais visualizações. Por outro lado, quando os veículos abandonam o tom moderado e imparcial, perdem anunciantes (e dinheiro).

A discussão exibida na CNN essa semana entre os deputados eleitos mais votados do Brasil, Guilherme Boulos (PSOL-SP) e Nikolas Ferreira (PL-MG), com troca de insultos e defesa dos candidatos que apoiam nas eleições presidenciais, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), respectivamente, é um lembrete disso. O evento recebeu amplo destaque na internet e veículos de mídia.

Vencedora em longo prazo?

Uma possibilidade para a CNN é que mesmo tendo perdido a corrida pela audiência na TV a cabo nas eleições, em médio e longo prazo possa ganhar mais se mantendo ao centro. Essa é a aposta da CNN nos Estados Unidos.

Durante o governo Donald Trump a CNN se tornou uma das principais vozes da oposição. Os números de audiência cresceram, mas não impediram que a CNN, assim como a WarnerMedia, a dona do canal, fossem vendidas para a concorrente Discovery, de viés mais pragmático e conservador.

Além de cortar drasticamente os custos e encerrar projetos como o streaming da CNN, os executivos da Discovery demitiram jornalistas e executivos da empresa vistos como mais de "esquerda" e afirmaram que iriam posicionar o canal ao centro. Agora sob o comando de Chris Licht, a rede de notícias a cabo nos Estados Unidos está avançando para se reafirmar como uma fonte de notícias neutra.

Segundo o Chicago Tribune, "isso está causando alguma apreensão na extrema esquerda, que passou a ver a CNN como uma aliada em sua luta contra o canal Fox News pelos corações, mentes e lealdades políticas dos americanos. Para alguns, este é um exemplo do chamado bilateralismo, termo pejorativo que costumava ser um princípio do jornalismo independente, mas agora é usado como um exemplo de ajuda ao inimigo antidemocrático, como se esses limites fossem claros".

O Tribune defende a mudança da CNN. "Achamos que a CNN deveria retornar a mais reportagens e menos amplificação, mais checagem de fatos e menos perspectivas polêmicas, mais jornalísticas nas ruas e menos âncoras defendendo seus pontos a partir daquilo que está sendo tendência no Twitter".

Risco Lula para a Jovem Pan

No caso específico da Jovem Pan, existe ainda o risco da vitória de Lula, o que certamente não afastaria sua audiência, mas pode limitar a entrada de anúncios do governo, empresas estatais e até mesmo empresas privadas que não queiram estar associadas a Bolsonaro.

Talvez seja uma ilusão imaginar que veículos de notícias possam se adaptar e sobreviver neutros em um país onde cada lado político acredita que o outro lado está vivendo em uma realidade apocalíptica que levará ao fim do país. 

Mas a CNN acredita ser possível. "A CNN Brasil não pode ser vista como terceira via. A CNN é imparcial e todos os telespectadores, de qualquer parte do espectro político, que quiserem informação verdadeira, relevante e equilibrada, vão encontrá-la em nossas plataformas. Vale ressaltar que a CNN Brasil tem como perspectiva o longo prazo, o que norteia suas ações empresariais, que se mantêm coerentes e íntegras e não oscilam ou mudam de acordo com a agenda do dia."

Jornalisticamente a postura da CNN é defensável, e no longo prazo ela pode sair vitoriosa. Mas por enquanto, a vantagem é dos sites mais radicais e polarizados. É uma notícia ruim para o jornalismo e a democracia.


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