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COLUNA DE MÍDIA

Com medo de perder verba do YouTube, Jovem Pan parte para o ataque

Reprodução/Jovem Pan

Adalberto Piotto, da Jovem Pan

O jornalista Adalberto Piotto lê editorial da Jovem Pan em que contesta informações do Notícias da TV

GUILHERME RAVACHE

ravache@proton.me

Publicado em 21/9/2022 - 13h38

Desde a última segunda-feira (19), a Jovem Pan tem usado seus programas mais populares para atacar com editoriais e falas de seus comentaristas reportagens e colunas que abordaram a relação da emissora com o YouTube e o Google.

Um dos alvos dos ataques foi a coluna com o título "YouTube atua contra a Jovem Pan e pode selar destino da mídia bolsonarista", que publiquei aqui no Notícias da TV na mesma segunda-feira. No texto, expliquei como do meu ponto de vista as reportagens negativas e uma potencial mudança de governo aumentariam a pressão sobre o Google (dono do YouTube) e por que isso é uma péssima notícia para a Jovem Pan.

Quem assistiu à Jovem Pan nas últimas 24 horas ouviu diversas vezes que o YouTube desmentiu as reportagens da Folha de S.Paulo, Piauí e do Notícias da TV sobre os crescentes problemas do canal de notícias com a plataforma de vídeos do Google. Mas a informação não procede.

Se o YouTube desmentiu a Folha ou qualquer outro veículo, vale a Jovem Pan explicar quem exatamente do YouTube desmentiu. Questionado pelo Notícias da TV se havia desmentido as informações, o YouTube respondeu por meio de sua Comunicação que não comentará o assunto.

Ao ser questionada sobre a origem da informação do YouTube usada na cobertura, uma produtora da Jovem Pan disse que "o Google realmente não comunica assuntos de parceiros para terceiros. É uma prática".  

Por que incomodou tanto?

O YouTube representa a maior parcela do faturamento da Jovem Pan depois da rádio. Mas há um detalhe importante: na rádio o dinheiro pago por dezenas de anunciantes é dividido com mais de uma centena de afiliadas pelo país; no YouTube, a Jovem Pan fica com a receita para ela. Ou seja, o Google não apenas é uma grande fonte de dinheiro, como deixa as maiores margens do grupo.

Isso ajuda a explicar o lucro de R$ 15,7 milhões da Jovem Pan em 2021, um aumento de 75% em relação ao ano anterior. Em boa parte o resultado veio graças ao rápido crescimento dos programas da Pan no YouTube. A Jovem Pan nega que seja dependente do Google, mas não deu detalhes sobre a divisão da receita.

Em recente entrevista ao Notícias da TV, Roberto Araújo, CEO da Jovem Pan, disse que "no YouTube, o número de views de 2020 para 2021 aumentou 32%. Afirmou também que houve "um aumento de 49% em horas assistidas, um total de 3,9 bilhões de views no ano todo e um aumento de 132% nas receitas".

Basicamente, o Google se tornou essencial para a sobrevivência da Jovem Pan como a conhecemos. Sem o Google, a Jovem Pan seria bem menor, ficando limitada ao rádio, que vem perdendo audiência, mas principalmente anunciantes, para as plataformas digitais.

Mesmo o site da Jovem Pan, que segundo a ferramenta SimilarWeb recebeu respeitáveis 38,96 milhões de visitas em julho, é monetizado por meio do Google. Além disso, a Jovem Pan tem tratamento especial do Google, com consultoria de especialistas da gigante de buscas e um contrato que assegura monetização mais alta do que sites similares (o mesmo tratamento é dado a Folha de S.Paulo, Globo e um pequeno grupo de grandes veículos de mídia).

Jovem Pan é dispensável para o Google

A Jovem Pan precisa muito mais do Google do que o Google precisa da Jovem Pan. E esse é um grande problema.

Obviamente, esse não é um cenário limitado à Jovem Pan. É a realidade de todos os veículos de imprensa em maior ou menor medida. Os algoritmos do Google determinam o que será visto pela audiência, e a maior parcela da publicidade mundial está nas mãos do Google. Mas no caso da Jovem Pan a situação é mais dramática.

Como a própria Jovem Pan repete por meio de seus comentaristas, hoje ela recebe menos dinheiro do governo do que nos governos do PT. Além disso, muitos dos anunciantes tradicionais fugiram para evitar o estigma de serem vistos como bolsonaristas.

Por outro lado, boa parte das marcas que veiculam anúncios no YouTube da Jovem Pan nem mesmo sabem que estão presente no canal, já que compram mídia no Google, e os anunciantes nem sempre usam controles rígidos para determinar onde suas campanhas serão veiculadas. 

Pioneirismo e alta dependência

Um erro recorrente é dizer que o algoritmo do Google privilegia a Jovem Pan. O algoritmo privilegia o conteúdo que gera maior engajamento. Ou seja, vence quem segurar o usuário durante mais tempo diante da tela vendo anúncios. E isso a Jovem Pan sabe fazer.

Há cerca de dez anos, quando a direção da empresa comprou câmeras em Nova York e as trouxe na mala para os estúdios no Brasil, passando a transmitir os programas de rádio ao vivo no YouTube, a Jovem Pan entendeu antes de todos que as discussões e debates típicos do rádio eram o formato perfeito para as redes sociais e YouTube.

Mais adiante, percebeu habilmente que a polarização trazia uma oportunidade ainda maior de cativar o público digital com a radicalização das pautas. Jornalistas comedidos deram espaço a figuras cada vez mais radicais. Como apontou o chargista Maurício Ricardo no Twitter, "por ser radicalizado, o conteúdo da Pan tem milhões de 'minutos vistos'":

Maurício Ricardo, que também produz para o YouTube, traz um outro ponto fundamental para entender a dinâmica do mercado: a chegada dos vídeos curtos e a crescente dificuldade de se ganhar o mesmo que no passado.

"No canal principal, com cinco vídeos de três minutos semanais, 3 milhões de views renderiam cerca de US$ 3.000. Nos Shorts, tive o dobro que isso em um mês. Me recompensaram com um bônus de setenta e seis dólares."

Essa dinâmica também forçou a Jovem Pan a produzir mais e tentar engajar ainda mais a audiência para seguir crescendo o faturamento. O apoio ao bolsonarismo veio como consequência natural. É um público que diminui, mas segue fiel e não encontra no mercado muitas alternativas de veículos de mídia que defendam as pautas queridas do presidente e seus aliados.

O algoritmo no comando 

Uma crítica comum à Jovem Pan é sua suposta "falta de comando editorial". Para alguns críticos, a emissora teria se tornado um circo no qual cada um fala o que bem entende e nem sempre apoiado em fatos reais, desde que seja a favor ou contra objetivos em comum do grupo.

Particularmente, tenho outra visão. A linha editorial da Jovem Pan é definida pelo volume de cliques. O algoritmo do Google se tornou pauteiro e editor. Um mecanismo de feedback bastante fácil de entender, já que se traduz em dinheiro e visibilidade. Infelizmente, essa é uma dinâmica crescente nas Redações, mas o caso da Jovem Pan é mais extremo justamente por causa de seu pioneirismo e ampla liderança.

O problema é que até para o YouTube existe um limite da radicalização. Não surpreende que em sua defesa nos editoriais a Jovem Pan tenha repetido constantemente a tese de que estava sendo alvo de censura. É uma tentativa de defesa contra o que pode vir adiante.

Caso o Google reduza o alcance do conteúdo dos programas da Jovem Pan, o grupo pode alegar estar sendo censurado.

À medida que a Jovem Pan escancarou seu apoio a Bolsonaro, ela perdeu anunciantes e até a verba do governo que ela apoia. Restou pouco a não ser radicalizar para atrair mais cliques no Google. Mas com a radicalização também costuma vir a queda no padrão jornalístico.

Erro crasso em resposta da Jovem Pan 

A Jovem Pan dispensou um tempo surpreendente atacando uma coluna opinativa. Acusações de que éramos "burgueses mimados” (logo eu que tive meu primeiro emprego no McDonalds!). Jacobinos antidemocratas e socialistas foram argumentos recorrentes.

Até de colunista irrelevante me chamaram (o que é contraditório já que recebemos tamanha atenção nos editoriais). Outro argumento questionável é dizer que só ataco a Jovem Pan, já que entrevistei recentemente o CEO do grupo, Roberto Araújo, e publiquei no UOL o texto "Por que TV Jovem Pan News faz sucesso e erra quem subestima conservadores", logo após o lançamento do canal de TV do grupo.

Mas o que realmente chamou a atenção foi o editorial de Adalberto Piotto. Com uma imagem da coluna publicada no Notícias da TV ao fundo, ao longo de sete minutos e meio, Piotto chama o Notícias da TV incorretamente de NaTelinha (site que também cobre o mercado de TV) em quatro ocasiões. Ou seja, fizeram um editorial atacando o site errado.

E essa nem é a pior parte. Abaixo, o texto publicado pelos colegas do NaTelinha no LinkedIn descrevendo os bastidores do ocorrido:

“Nesta terça-feira (20/09/2022), a Jovem Pan (Grupo Jovem Pan) lançou um editorial, apresentado pelo jornalista Adalberto Piotto, onde atribui ao NaTelinha uma coluna que não foi publicada pelo site, sobre a relação da empresa com o YouTube.

Não bastasse o erro crasso, no vídeo o NaTelinha é citado em quatro oportunidades. Alertamos imediatamente a Jovem Pan, que prometeu uma retratação. Mesmo ciente, a emissora cortou somente uma menção, mantendo outras três citações ao NaTelinha como autor da coluna, o que não procede. Até o momento não houve retratação na TV e redes sociais.

Seguimos atentos e tomaremos as medidas judiciais cabíveis caso não haja uma errata e a devida correção do fato", conclui o texto.

Dor de cotovelo dos concorrentes

A Jovem Pan acusa a mídia tradicional de "ser invejosa", já que ela possui o canal no YouTube com o maior número de seguidores entre veículos de imprensa. Por essa lógica, os ataques acontecem porque veículos como a Folha de S.Paulo, UOL e Piauí não aceitam o sucesso da Jovem Pan no YouTube e o crescimento incomoda.

Pode até ser verdade. Mas, ironicamente, a suposta falta de sucesso dos concorrentes no YouTube mostra uma menor dependência em relação ao Google. O que a essa altura pode ser uma grande vantagem (que deve deixar a Pan com inveja de não ter grandes marcas anunciantes e assinantes que paguem). 

Independentemente do espectro político que você esteja, é preciso reconhecer os méritos empresariais da Jovem Pan. Sua operação é extremamente barata, ela não tem dívidas e fechou o último ano com R$ 15,7 milhões de lucro. Também construiu sua nova TV com dinheiro do próprio caixa e sem empréstimos, chegando à posição de destaque na TV a cabo em poucos meses.

Mas seria uma grande frustração para Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha, dono da Jovem Pan, ver sua empresa encolher. Ele foi visionário ao levar a Jovem Pan para o digital. Mas pode ter cometido um erro estratégico ao apostar todas as fichas no YouTube (e em Bolsonaro) e permitir a radicalização do conteúdo.

Afinal, o Google pode se dar ao luxo de nem mesmo responder os questionamentos sobre a Jovem Pan. Já a Jovem Pan precisa levar ao ar longos editoriais atacando seus críticos para se defender.


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