COLUNA DE MÍDIA
Divulgação Google
Sundai Pichai, CEO do Google, diz a empresa enfrenta duros desafios de rivais como o TikTok
Há bem pouco tempo Google e Facebook pareciam gigantes inabaláveis. Apresentavam crescimento recorde de receitas a cada trimestre e um avanço dentro do mercado de publicidade digital que assombrava todos os concorrentes.
Google e Facebook, ou Meta, como a empresa de Mark Zuckerberg passou a se chamar recentemente, seguem com faturamento invejável. O Google faturou US$ 209 bilhões em 2021, a Meta, US$ 115 bilhões. Mas para muitos analistas os melhores dias das gigantes de tecnologia estão no passado, não no futuro.
Em 2022, ficou evidente uma piora dos resultados financeiros das duas gigantes no pós-pandemia. A disparada de concorrentes como o TikTok e a chegada da Netflix no mercado de publicidade devem deixar cada vez mais ultrapassada a ideia de que essas empresas são monopólios inabaláveis.
E se de fato o Google e a Meta não forem monopólios, essa é uma péssima notícia para os grupos de mídia, que sempre apontaram as duas big techs como as principais responsáveis pela queda do faturamento de jornais, revistas e TVs.
Segundo um relatório interno da Meta, revelado esta semana pelo WSJ, "os usuários do Instagram gastam cumulativamente 17,6 milhões de horas por dia assistindo ao Reels, menos de um décimo das 197,8 milhões de horas que os usuários do TikTok passam todos os dias nessa plataforma".
O documento, intitulado Creators x Reels State of the Union 2022, foi publicado internamente em agosto. Ele diz que o engajamento do Reels estava caindo -- uma queda de 13,6% nas quatro semanas anteriores-- e que "a maioria dos usuários do Reels não tem nenhum envolvimento" com a plataforma da Meta.
O problema é que o TikTok tem sido tão eficiente para atrair a atenção das pessoas que cada vez menos criadores de conteúdo se esforçam para publicar vídeos originais na plataforma da Meta. É um círculo vicioso, no qual menos vídeos originais geram menos engajamento e menos engajamento gera menos vídeos originais.
Cerca de 11 milhões de criadores estão no Instagram nos EUA, mas apenas cerca de 2,3 milhões deles, ou 20,7%, publicam na plataforma a cada mês, segundo o documento. De acordo o WSJ, a porta-voz da Meta, Devi Narasimhan, caracterizou os dados sobre horas de visualização como desatualizados e não globais em escopo, mas se recusou a divulgar outros números. Ela disse que o engajamento de Reels atualmente está aumentando, mês a mês.
O documento interno mostrou ainda que quase um terço dos vídeos do Reels são criados em outra plataforma, geralmente TikTok, e incluem uma marca d'água ou borda que os identifica como tal. Os vídeos de outras plataformas publicados no Instagram e Facebook têm o alcance reduzido pelos algoritmos da Meta.
Seja como for, a máquina que no passado engoliu concorrentes como o Orkut e o Snapchat dá sinais de perder força. Em julho, a Meta registrou seu primeiro declínio de receita na história, em parte porque as mudanças feitas pela Apple aumentando o controle sobre os dados dos usuários diminuiu a capacidade de segmentar anúncios, mas também porque cada vez mais usuários e anunciantes migram para o TikTok.
No Google a história é semelhante. De acordo com um alto funcionário da empresa, os dados internos da gigante da tecnologia revelam que quase 40% dos usuários da geração Z preferem o TikTok e o Instagram ao Google para realizar pesquisas.
O Google não é a única propriedade da Alphabet (dona do Google e demais empresas do grupo, como o YouTube) que o TikTok está desafiando. Além de emergir como um grande concorrente do principal produto de pesquisa do Google, o TikTok também está roubando usuários do YouTube, com projeções sugerindo que o aplicativo de vídeo de formato curto ultrapassará a receita de anúncios da plataforma de vídeos do Google já em 2024, de acordo com a empresa de pesquisa Insider Intelligence.
O YouTube registrou no último trimestre o menor crescimento de faturamento da história, somente 5%.
Em uma entrevista na Code Conference, Sundai Pichai, CEO do Google, disse que suas marcas icônicas já enfrentam duros desafios de rivais bem estabelecidos e aspirantes a novatos. O Google enfrenta várias investigações e ações judiciais, cada uma delas alegando que a empresa emprega práticas anticompetitivas para construir e manter sua participação de mercado em vários setores de tecnologia.
"O problema de estar na área de tecnologia é que a concorrência vem do nada", disse Pichai. "Nenhum de nós estava falando sobre o TikTok há três anos, então acho que você precisa ter a mente aberta." Ele citou rivais clássicos do negócio principal do Google, como Amazon, Microsoft, Apple e Facebook, além de iniciantes como o TikTok, que está pressionando o negócio de vídeos do Google no YouTube. Ele ainda citou concorrentes da China, como Tencent e Alibaba.
Prabhakar Raghavan, vice-presidente sênior do Google, divulgou pela primeira vez que o TikTok e o Instagram estão avançando entre os jovens usuários do Google na conferência Fortune Brainstorm Tech.
"Algo como quase 40% dos jovens, quando procuram um lugar para almoçar, não vão ao Google Maps ou à Pesquisa, vão ao TikTok ou ao Instagram", disse Raghavan. O Google confirmou ao TechCrunch que os comentários de Raghavan resultaram de uma pesquisa interna com usuários dos EUA com idades entre 18 e 24 anos.
O Tiktok registrou um ganho médio anual de 67% em horas diárias gastas por usuário nos EUA de 2018 a 2021, superando em muito o de seus rivais, de acordo com o relatório de agosto de um documento da Bernstein. O Facebook e o Instagram registraram ganhos médios anuais de 9% e 11%, respectivamente, nesse período.
Além da piora de resultados financeiros e o ataque de concorrentes como o TikTok, Apple e Amazon crescem rapidamente no mercado de publicidade. Já a Microsoft será o parceiro oficial da Netflix para publicidade na plataforma de streaming.
Google, Meta, Twitter e empresas de tecnologia ainda lidam com o crescente desejo dos políticos de controlar o que circula nessas plataformas.
Há tempos Google, Meta e Twitter foram expulsos da China por não cederem à pressão do Partido Comunista que exigia controlar as plataformas, reduzindo a privacidade dos usuários. O país tem a maior população do mundo.
Por sinal, desde o ano passado o governo chinês iniciou uma cruzada regulatória para aumentar o controle sobre as grandes empresas de tecnologia do país e ter acesso completo às informações dos usuários e códigos usados nos algoritmos das empresas. Inclusive foram adotadas medidas para controlar o tempo que as pessoas podem jogar online (uma grande fonte de receita para as empresas chinesas de tecnologia) e até mesmo "forçar a saída" de CEOs e fundadores de big techs.
A consequência mais prática foi uma onda de demissões e a piora generalizada das perspectivas do setor no país, que vive uma desaceleração da economia agravada pelo lockdown presente até os dias de hoje na tentativa de controlar a Covid-19 no país.
No sábado, a Índia optou por não participar de negociações comerciais com um grupo de países asiáticos liderados pelos EUA, dizendo que os benefícios não são claros dos compromissos comerciais relacionados a questões ambientais, trabalhistas e ao comércio digital. O país afirmou ainda que está criando sua própria estrutura de leis digitais, principalmente em relação à privacidade e aos dados.
A Índia foi o único entre os 14 países no grupo a não assinar o acordo. Desse modo, o país com 1,4 bilhão de habitantes, segundo mais populoso do mundo, pode criar suas próprias regras para aumentar o controle sobre as empresas ocidentais de tecnologia, principalmente Google, Facebook e Twitter.
O movimento chega em um momento delicado para os Estados Unidos, que não querem ver uma aproximação ainda maior da Índia com o governo russo de Vladimir Putin em meio à Guerra da Ucrânia.
Até mesmo nos Estados Unidos a maré não anda a favor das big techs. O governo do presidente Biden não esconde que está atuando para reduzir o poder do Google e Facebook. Essa semana alguns políticos inclusive sugeriram a criação de uma agência reguladora específica para atuar supervisionando as big techs.
Na Europa a situação não é melhor. As multas crescem, e a fiscalização das gigantes de tecnologia aumenta no sentido de tornar as empresas locais mais competitivas. Curiosamente, os europeus caminham em direção oposta à China e à Índia com relação à privacidade, já que querem aumentar o controle dos usuários sobre as informações que as empresas podem usar.
A Europa não possui grandes empresas que concorram com o Google, Meta e big techs de mídia, então fica fácil para os políticos locais imporem regras duras para depois tentar negociar acordos com os Estados Unidos em outras áreas de comércio nas quais os americanos pressionam os europeus, como a agricultura e artigos de luxo.
A pressão sobre o TikTok também começou a subir. Há um crescente movimento de políticos americanos que pedem a expulsão da rede chinesa dos Estados Unidos, principal mercado da plataforma no mundo depois da China. O ex-presidente Trump tentou expulsar o TikTok de seu país no passado, mas sem sucesso. Na China a plataforma passou por momentos difíceis com o governo querendo maior participação no dia a dia da empresa.
No Brasil a questão política parece sob controle para as big techs desde que foi barrado o regime de urgência da Lei das Fake News. A lei que começou a ser desenvolvida para combater fake news virou uma jabuticaba tratando de muita coisa, menos fake news. Dava privilégios a políticos nas redes sociais e impunha pagamentos do Google e Facebook aos veículos de notícia.
O problema é que a lei não explicava como os pagamentos para veículos de imprensa seriam feitos e nem quem organizaria a distribuição do dinheiro. Como pontuei na época, além do aumento da influência do governo, existiria até o risco de a Globo ser a maior beneficiária da medida, podendo receber mais de R$ 230 milhões por ano do programa, a exemplo do que aconteceu na Austrália.
Ou seja, o Brasil por enquanto parece ser um dos poucos portos seguros para Google, Facebook e demais gigantes de tecnologia. O tamanho da população do país também é um fator chave, já que China, Índia, Europa e Estados Unidos se tornam menos atraentes.
Por outro lado, se ficar provado que o Google e a Meta de fato perdem terreno para os concorrentes, será difícil defender que são monopólios.
Também será uma tarefa cada vez mais difícil exigir que paguem por notícias, já que mesmo o espaço para as notícias nessas plataformas também deve encolher à medida que elas encolhem.
O TikTok hoje tem uma equipe de parceria com veículos de imprensa que, segundo editores ouvidos pela coluna, tem atuado de maneira até mais eficiente que Google e Meta no dia a dia das redações. Porém, o TikTok praticamente não gera tráfego para sites de notícia e ainda está muito distante de remunerar os veículos de imprensa como fazem Google e Meta.
Google e Meta ainda são vistos por muitos como antagonistas dos veículos de imprensa. Não deveria ser assim. As big techs e a mídia tradicional parecem ter desafios cada vez mais semelhantes: estão pressionados economicamente pelo aumento da concorrência de novos players e, não raro, lutam contra políticos demagogos que querem "ganhar biscoito" na mídia ou aumentar o controle daquilo que as pessoas veem nas plataformas.
Ironicamente, o mundo está mudando tão rápido que o risco é ainda vermos os jornais impressos noticiarem a morte das big techs.
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