ANÁLISE
Reprodução/X
O influencer Vítor diCastro, que ocupou espaço de repórteres como Bette Lucchese e Pedro Bassan
A Globo passou vergonha na avenida neste ano. Sua transmissão do Carnaval do Rio de Janeiro e de São Paulo foi massacrada nas redes sociais e na imprensa especializada. A decisão da emissora de trocar repórteres por atores e influenciadores resultou numa exibição pobre, sem profundidade, em muitos momentos merecidamente comparada com a cobertura da RedeTV!, um clássico do trash momesco, não só pelo nível das perguntas ("Mostra samba no pé?") como também pela qualidade das imagens.
Primeiramente, é preciso dar nomes aos bois. O show de horrores não foi 100% culpa de J.B. de Oliveira, o Boninho, filho de José Bonifácio de Oliveira, o Boni, criador do saudoso "Padrão Globo de Qualidade". Como diretor das transmissões do Carnaval, Boninho cumpriu ordens dadas por Amauri Soares, o poderoso diretor dos Estúdios Globo.
Foi do jornalista Amauri Soares a decisão de tirar todos os profissionais do departamento de Jornalismo das transmissões. Por dois motivos: para aumentar a atratividade do mercado publicitário e para reduzir custos.
O pior é que o primeiro objetivo não foi alcançado, o que comprometeu a eficácia do segundo. A Globo conseguiu vender apenas duas das quatro cotas de patrocínio, arrecadando R$ 59 milhões, pouco para quem projetou R$ 253 milhões de receita com a folia fora de época de 2022 e teve cinco anunciantes em 2020, antes da pandemia.
Mesmo com um patrocinador a mais do que em 2023 e com a redução nos gastos com transmissão, a emissora não arrecadou o suficiente para evitar um novo prejuízo no balanço dos custos com o que foi vendido neste ano, segundo fontes bem posicionadas do mercado.
Ao tirar jornalistas das cabines de transmissão, da concentração e da dispersão do sambódromo, a Globo esperava vender ações de merchandising e atrair marcas interessadas em aparecer durante as intervenções dos "repórteres". E, ao mesmo tempo, conseguiria reduzir custos, evitando mobilizar uma enorme estrutura --em 2023, foram quase 300 os profissionais do Jornalismo ou a serviço do Jornalismo trabalhando em SP e Rio.
A economia, no entanto, pode ter sido um tiro no pé. Faltou informação nas transmissões porque não estavam lá os repórteres que têm fontes nas escolas de samba. Sobraram "brancos", longos vazios enquanto as escolas evoluíam pela avenida. No ano que vem, não deverá ser mais fácil para o departamento comercial vender espaços publicitários. Pelo contrário.
Boninho tirou onda quando declarou que "estava amando" o trabalho realizado nos desfiles, que não estava ligando para as críticas. Não seria elegante da parte dele apontar o dedo para o chefe, até porque Amauri Soares apenas seguiu a orientação de seus superiores, da família Marinho, dona do grupo de comunicação.
A Globo agora é uma empresa obcecada pelo lucro. Ficou no passado pré-"Uma Só Globo" aquela empresa paternal, que pagava salários a atores que não trabalhavam, que oferecia os melhores benefícios (nos anos 1990, dava até vale-terno para gerente) da indústria.
No ano passado, graças a uma política de gastos contínua, seu lucro ficou entre R$ 1 bilhão e R$ 1,1 bilhão, valor a confirmar em balanço a ser divulgado em março. Para 2024, a expectativa é de resultado ainda melhor. O Globoplay, sua plataforma de streaming, deve reduzir investimentos em conteúdo e antecipar a previsão de break even (quando um negócio deixa de dar prejuízo) em dois anos. Na semana passada, seu principal executivo, Erick Brêtas, pediu para sair. Foi substituído pelo diretor financeiro, Manuel Belmar.
A Globo já teve dias bem melhores. Em 2015, lucrou R$ 3 bilhões. Nos anos seguintes, caiu para cerca de R$ 1,2 bilhão, até amargar prejuízo de R$ 171 milhões em 2021. Em 2022, só não teve novo prejuízo por causa da venda da Som Livre. 2023 deverá ser seu melhor ano desde o projeto Uma Só Globo, iniciado em 2019. Os resultados pioraram na última década por causa de recessão econômica, da maior concorrência com as mídias digitais e da pandemia.
Está errada a Globo em buscar o lucro obstinadamente? De maneira alguma. Seus maiores concorrentes não são mais a Record e o SBT. São a Netflix, o Google, a Meta, que disputam com ela as verbas publicitárias e a atenção do usuário/telespectador. E as big techs trabalham com margens de lucro extraordinárias, muito superiores às da Globo. A relação entre lucro e receita da Globo deve ter ficado em menos de 10% em 2023. A Meta, a Microsoft e a Apple operam com margens superiores a 30%.
O capitalismo piorou, e a Globo também.
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