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DEPOIMENTO

Como o jornalismo piorou nos 10 anos do Notícias da TV (e não foi culpa nossa)

Notícias da TV

Tela de computador mostra prévia deste texto durante processo de edição no Notícias da TV

Tela de computador mostra prévia deste texto durante processo de edição no Notícias da TV

DANIEL CASTRO

dcastro@noticiasdatv.com

Publicado em 18/9/2023 - 7h00

Há uma década, no dia em que a televisão brasileira completava 63 anos (18 de setembro), entrava no ar o Notícias da TV. Começava uma trajetória de sucessos e fracassos, erros e acertos, furos dados e furos tomados, noites maldormidas e algumas comemorações.

A televisão e a internet mudaram muito nesses dez anos. O jornalismo também se transformou, infelizmente para pior. Você pode achar que o Notícias da TV também piorou, mas nós resistimos o quanto pudemos e acreditamos que ainda somos fiéis ao propósito original de fazer jornalismo de entretenimento com profissionalismo e qualidade. Não tem sido fácil.

Virei empreendedor por necessidade, não por vocação empresarial. Sempre fui e continuo sendo jornalista. Quando lancei o Notícias da TV, minha ideia era fazer uma coluna de TV no formato de um site. Queria publicar notas com informações exclusivas, em primeira mão, em textos no mínimo gramaticalmente corretos, se possível bem escritos.

Logo percebi que o conceito de exclusivo na web é muito relativo. Em 2013, meia hora depois que você publicava algo, já tinha gente te copiando.

Algum tempo depois, tomei conhecimento da existência das "content farms" (fazendas de conteúdo), que são sites que usam redatores "freelancers" (leia-se: mal pagos) para adaptar o conteúdo alheio ao gosto dos algoritmos de busca e distribuição de conteúdo, com muito clickbait e fake news.

Hoje, as "fazendas de conteúdo" usam inteligência artificial. Ficaram mais rápidas e eficientes. Dez minutos depois de publicado, seu furo já foi copiado.

Esgoto da internet ou selva sem lei?

Boris Casoy costumava dizer que a internet, ainda em seus primórdios, era o esgoto do jornalismo. É isso e um pouco mais. A internet é uma selva sem lei, onde quem dá as cartas são oligopólios globais de tecnologia que praticam um capitalismo do século 18.

Nesse vale-tudo, o jornalismo saiu perdendo. Os bots das big techs não privilegiam a qualidade e o bom senso. Radicalizações, ódio, mentira e teoria da conspiração engajam mais.

Quando o Notícias da TV foi lançado, os jornais impressos já estavam decadentes, mas as homepages dos portais eram vitrines poderosas. Hoje já não são tanto, perderam relevância. Plataformas como o Google Discover emularam as homepages e se tornaram a principal porta de acesso do usuário à informação e à desinformação.

O jornalismo profissional se tornou perigosamente dependente do Google e das redes sociais. Grande parte da nossa audiência vem das buscas, do Discover, do Google News e do Facebook. A cada atualização de algoritmo, nossa audiência pode explodir ou desabar. Alguns veículos, como o BuzzFeed News, pararam de fazer jornalismo e demitiram profissionais premiados por causa dessa dependência.

Passamos a trabalhar para os robôs que distribuem conteúdo. Quem decide se uma reportagem terá mais ou menos leitores não é mais um jornalista criterioso que edita uma primeira página. Nossos títulos agora tentam adivinhar o que o usuário vai digitar no campo de busca do Google. Ou escondem a informação principal, tentando forçar o clique. Até o The New York Times se rendeu.

Os textos são redundantes, repetem palavras e informações, estão cheios de intertítulos, tópicos e hiperlinks. Perderam a elegância, são mal escritos de propósito para reforçar a "comunicação" com o robô, que não está nem aí para estilo. (Felizmente, nem todos são assim 🙏🏻 .)

Muito poder nas mãos de poucos

Quando o Notícias da TV foi lançado, os anunciantes ainda precisavam de agências de publicidade, que tinham profissionais especializados para selecionar os veículos mais apropriados para a veiculação de suas campanhas. Qualidade do conteúdo era um critério importante.

Esse modelo, no entanto, já estava sendo substituído pelo da mídia programática. Substituiu-se o profissional de mídia por software e bots que buscam o consumidor desejado até no inferno, baseado em um sistema que capta seus dados quando você navega na web. Não importa se você está em um veículo de credibilidade ou numa "fazenda de conteúdo" ou num fórum de sexo ou de teorias da conspiração. Importa é participar de um leilão para pagar o mínimo e ter, supostamente, o melhor retorno do dinheiro investido.

FOTOMONTAGEM

Fotomontagem com importantes personagens da TV nos últimos dez anos

Somos chamados de publishers, um negócio delicado, instável, dependente, sem nenhum controle sobre clientes e fornecedores. Não conseguimos estabilizar nossa base de clientes/leitores, que não pagam por nosso produto. Não temos força para determinar o valor do nosso produto, pago pelo fornecedor (de publicidade). Tentamos sobreviver em um ambiente controlado por poucos e disputado por muitos.

A competição entre os sites de entretenimento é animalesca. Toda semana aparece um "veículo" novo. Como a barreira de entrada é baixíssima e não é preciso ser jornalista (nem conhecer práticas de bom jornalismo, tampouco ter ética), qualquer um pode se aventurar a ser publisher e escrever sobre televisão, copiando os Flavios Riccos da vida e pagando salários de R$ 2.000 (sem direitos trabalhistas) para "redatores SEO" que escrevem dez textos por dia sem disparar um único telefonema ou e-mail, pois nada apuram.

Nesse mercado, os novos jornalistas não são estimulados a fazer reportagens, a apurar informações com rigor. Não há tempo nem dinheiro para isso. Também não há necessidade, porque o algoritmo não privilegia quem faz o melhor. Basta seguir as celebridades e os jornalistas certos nas redes sociais.

Não bastasse tudo isso, toda essa concorrência predatória, há ainda aqueles que jogam sujo: plantam links tóxicos (de sites pornográficos, por exemplo) ou denunciam ao Google falso uso de material protegido por direito autoral, na tentativa de prejudicar sites rivais. Não é à toa que a maior audiência dos sites de entretenimento brasileiros seja uma fábrica de escândalos, que transforma uma simples fissura de dente em acidente gravíssimo.

Para completar o cenário de tempestade perfeita, o comportamento do consumidor de notícia está mudando de novo. Cada vez mais há "leitores" que buscam informações no TikTok e que se satisfazem com o que os perfis de fofoca publicam no Instagram.

O problema é que instagrammers e tiktokers não apuram nada, canibalizam o que nós produzimos e, por isso, estão matando o negócio que sustenta os jornalistas profissionais. E o avanço da inteligência artificial tende a minar a relevância dos mecanismos de busca, importante fonte de tráfego para os sites de notícias.

Como você já percebeu, os próximos dez anos do Notícias da TV e do jornalismo profissional não serão nada fáceis. Talvez tenhamos que ceder em um ponto ou outro para seguirmos competitivos diante de tanta apelação, mas vamos continuar insistindo no jornalismo profissional.


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