ANÁLISE
RENATA PIZZUTTO/TV GLOBO E CAMILA CARA/EF STUDIO
Boninho e Amauri Soares: bastidores da Globo têm luta pelo poder como um Game of Thrones
Anunciada na última sexta (13), a demissão de J.B. Oliveira, o big boss Boninho, foi o capítulo mais midiático de um "Game of Thrones" que vem ocorrendo desde 2018, quando se iniciou o projeto Uma Só Globo. O grande vencedor dessa luta pelo poder, até agora, é o jornalista Amauri Soares, "mão do rei" Paulo Marinho, há três anos diretor-presidente da Globo, empresa hoje formada pela TV, pelos canais pagos, pelo Globoplay e pelos veículos digitais, com faturamento anual de R$ 15 bilhões.
Apelidado pelos detratores de Putin, numa referência nada elogiosa ao autocrata russo Vladimir Putin, Amauri Soares passou o trator por cima de todos os concorrentes nos últimos anos. O "massacre" começou em 2020, quando foi alçado a diretor da TV Globo, ampliando o poder que já tinha desde 2013 sobre a programação.
Como diretor da TV Globo, Soares passou a ter o poder de determinar quanto cada produção custaria, e os diretores de novelas tinham que se virar com o orçamento. A área de dramaturgia perdeu o poder de decidir no que investiria mais ou menos. Silvio de Abreu, então responsável pelas novelas e programas de humor, não aceitou a situação e pediu para sair.
Dois anos e meio depois, em março de 2023, Soares foi anunciado diretor dos Estúdios Globo, no lugar de Ricardo Waddington. Passou a decidir o que vai ao ar (e quanto isso custa) e de que maneira será produzido não só para a TV Globo, mas também para as outras unidades (canais pagos e Globoplay).
A aposentadoria de Waddington é uma história ainda a ser esclarecida. Foi pouco convincente a desculpa que ele queria "encerrar seu bonito ciclo na Globo quando completasse 40 anos de empresa", como escreveu Paulo Marinho em comunicado interno.
Então com 62 anos, Waddington estava no auge de uma carreira que começou como assistente de direção, foi intensa como diretor de novelas e de programas, depois diretor de núcleo, diretor de gênero, diretor de produção e, por fim, de tudo o que se realizava nos Estúdios Globo. Por que uma pessoa que traçou essa trajetória deixaria o cargo máximo apenas dois anos após assumi-lo?
Waddington ficou muito desgastado com o episódio de racismo nos bastidores de Nos Tempos do Imperador (2022), e isso contribuiu para sua queda. Mas há uma versão menos glamourosa: ele teria jogado a toalha porque estaria frustrado com a impossibilidade de ditar os rumos dos Estúdios Globo diante das ingerências da TV Globo e da pressão para reduzir custos.
Waddington, no entanto, não peitava Soares, como Erick Bretas e Boninho. Bretas deixou o comando do Globoplay em fevereiro deste ano, oficialmente porque atingiu metas com as quais havia se comprometido. Não é mentira, mas, de acordo com a nossa apuração, ele se cansou dos embates com o diretor dos Estúdios Globo.
O Notícias da TV apurou que Soares começou a fazer pressão para que o Globoplay e os canais pagos passassem a produzir mais internamente, com os Estúdios Globo, reduzindo os orçamentos para as produções independentes, com terceiros. E reclamou quando Bretas anunciou, sem consultá-lo, que iria produzir a segunda temporada da série documental Vale o Escrito.
Houve também uma "puxada de tapete" envolvendo Vale Tudo, substituta de Mania de Você. A encomenda partiu de Bretas, que queria uma releitura, não um remake, com 60 capítulos, para o Globoplay.
O roteirista Lucas Paraizo começou a trabalhar no projeto, mas saiu para escrever a segunda temporada de Os Outros. Manuela Dias assumiu e concluiu que não dava para condensar Vale Tudo em tão pouco espaço. O projeto migrou para a Globo.
Sem Bretas, Boninho era visto como o último executivo da área artística a enfrentar e ameaçar Soares. O bem-sucedido diretor de Big Brother Brasil vinha colecionado insucessos, desde Tomara que Caia, em 2015, até o Pipoca da Ivete, em 2022, e não resistiu ao relativo fracasso de Estrela da Casa, atualmente no ar com 12 pontos de média na Grande São Paulo.
Pressionado por Soares, Boninho não terá seu contrato renovado no final de 2024. Deixará a Globo, assim como Waddington, aos 62 anos de idade, 40 de casa. Soares ainda tentou manter Boninho longe da concorrência com um novo contrato como apresentador, mas ele não aceitou esse rebaixamento.
Demitir o responsável pelo sucesso de BBB, um programa que fatura R$ 1,2 bilhão por ano, foi uma jogada arriscada de Amauri Soares. O que acontecerá se o BBB 25 foi um fiasco? Quem assumirá a responsabilidade? Os críticos de Soares dizem que ele sempre aponta para alguém, como fez para Boninho nos casos do Estrela da Casa e da flopada troca de jornalistas por influenciadores no Carnaval deste ano. Mas nada foi feito sem sua chancela.
Amauri Soares não teria demitido Boninho sem o aval do presidente da empresa, Paulo Marinho. Soares, aliás, cresceu na Globo porque está alinhado com Marinho na missão de reduzir custos. Há quem acredite que a "limpeza" que o diretor vem realizando na emissora faz parte de uma estratégia traçada por Marinho --tem ocorrido demissões no segundo escalão, como a de Raoni Carneiro da direção do gênero musical.
Paulo Daudt Marinho também tem seu arco dramático neste Game of Thrones com figurino de Succession. Por ser filho de Roberto Irineu Marinho, primogênito de Roberto Marinho (1904-2003), Roberto Marinho Neto, o Robertinho, é quem estava sendo preparado para assumir o comando da Globo.
Ele participou do processo de reorganização da área de Esportes da Globo, no início dos anos 2010, e teve uma gestão considerada mal-sucedida, o que o descredenciou na disputa a posições mais altas na emissora. Robertinho acabou assumindo em 2019 a Globo Venture, onde comanda os investimentos da Globo em novos negócios digitais.
Rossana Fontenelle, designada para comandar o projeto Uma Só Globo, passou a ser a favorita a assumir a presidência da emissora ao final do processo, em 2021. Porém ela teve atritos com Robertinho e perdeu a disputa. Após a pandemia, Paulo Marinho, então diretor dos Canais Globo, surgiu como postulante ao cargo de CEO, e o assumiu, com o apoio do primo.
DIVULGAçÃO/GLobo
Amauri Soares em um Brazilian Day, evento da Globo em Nova York
Amauri Soares se formou em Jornalismo pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) em 1987. No mesmo ano, aos 21, começou sua carreira como estagiário na Globo de Bauru, na época uma emissora da família Marinho. De acordo com o site Memória Globo, foi repórter, editor, apresentador e chefe de redação em diversos programas da emissora. Dois anos depois, foi convidado para trabalhar em São Paulo, já como editor-executivo do Bom Dia São Paulo.
Soares saiu e voltou para a Globo duas vezes nos anos 1990. No segundo retorno, em 1993, foi editor-executivo do Jornal da Globo, quando passou a ser transmitido de São Paulo. Não demorou e foi convidado a assumir o mesmo cargo no Jornal Nacional. Em 1996, virou diretor de Jornalismo regional, em São Paulo, e liderou o processo que modernizou a cobertura local, com as duas edições do SPTV voltadas para um jornalismo mais comunitário.
Nos anos 2000, Soares se afastou do núcleo de poder do Jornalismo e foi trabalhar em Nova York, como diretor da Globo Internacional. Era desafeto de Ali Kamel, naquele momento o segundo mais forte no Jornalismo. Voltou em 2007, como diretor de Projetos e Eventos Especiais e como coordenador da Globo Rio. Nesse papel, ajudou a emissora a se aproximar das periferias e movimentos sociais, abraçando projetos como a Taça das Favelas.
Em 2013, Soares voltou ao primeiro escalão da Globo, como diretor de programação, cargo que ocupou até 2020.
Além da obsessão por reduzir custos, Soares tem apreço pela programação popular e é muito cauteloso com temas sensíveis, como cenas que possam afastar o público evangélico.
Sob sua gestão, por outro lado, a Globo tem se esforçado para ser um exemplo de emissora inclusiva, aumentando a diversidade racial e sexual nas produções. Nunca houve tantos negros, indígenas e LGBTQIAs não apenas na tela, mas também nos bastidores da Globo.
A qualidade das produções da Globo, eventualmente, tem sido criticada. A audiência está em queda. Aos domingos, a emissora já perde a liderança para o conjunto do streaming em vários momentos. O ambiente competitivo é muito complexo.
Quando parecia que Amauri Soares enfim tinha conquistado o trono, aparece um contendor que pode ser mais forte que ele. O homem que tem a chave do cofre e a confiança da família Marinho: Manuel Belmar é apontado como seu rival na disputa pelo controle da maior empresa de comunicação do país.
Belmar assumiu o Globoplay em fevereiro, função que passou a acumular com a de diretor financeiro. É um executivo de tesouraria, muito respeitado pela gestão financeira, mas sem conhecimento de conteúdo e com pouca interlocução com a comunidade artística.
Se Belmar vencer, não será a primeira vez que alguém com formação em finanças e administração assumirá o comando da Globo. Aconteceu no final dos anos 1990, quando Marluce Dias da Silva desbancou o todo-poderoso José Bonifácio Sobrinho, o Boni, pai de Boninho.
Aguardemos a próxima temporada.
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