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GUSTAVO SCAT

Exclusivo! Ator de fetiche com cocô quebra silêncio: 'Faço terapia todos os dias'

Arquivo pessoal

O ator Fernando Mais e seu alter ego, Gustavo Scat: exposição de fetiche atraiu onda de hate

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LUCIANO GUARALDO

luciano@noticiasdatv.com

Publicado em 13/7/2023 - 7h00

O ator Fernando Mais se tornou um dos nomes mais comentados nas redes sociais da última semana. Tudo porque ele foi exposto como a pessoa por trás do perfil Gustavo Scat, referência do fetiche escatológico no Brasil. A revelação de sua identidade provocou uma avalanche de ódio nas redes sociais, o que teve um efeito direto em sua saúde mental. "Está sendo muito difícil. Eu não estou bem, estou tomando remédio, fazendo terapia todos os dias", admite o artista em entrevista exclusiva ao Notícias da TV.

Na conversa de mais de 40 minutos, Fernando fala, sem filtros nem julgamentos, sobre tudo o que tem vivido nos últimos dias. Também volta no tempo para contar como associou tesão e cocô ainda na infância, e abre o jogo a respeito de seu futuro profissional. "As marcas provavelmente não vão querer se associar a mim, pelo menos por agora. Nesse momento, isso tudo me prejudicou muito", confessa.

Ele também fala sobre como o blog Quero Scat, iniciado em 2017, se tornou uma válvula de escape para suas inseguranças e para encontrar outras pessoas que têm o mesmo fetiche --e ponto de partida para o livro Quero Scat: O Sexo com Cocô, Mijo e Peidos, que virou best-seller nesta semana. "Mas se engana quem pensa que eu estou rico", diz, aos risos.

Apesar do hate, o homem por trás do perfil Gustavo Scat também valoriza as mensagens positivas que recebeu e adianta que pretende transformar o fetiche por cocô em uma nova carreira. "Quero fazer um podcast sobre o assunto, talvez dar palestras, fazer um programa de entrevista. Eu vou espremer mais essa limonada e fazer caipirinhas", brinca.

Confira a conversa completa com Fernando Mais, o Gustavo Scat:

NOTÍCIAS DA TV - Queria começar do início. Quando surgiu o perfil do Gustavo Scat? E, quando ele surgiu, há quanto tempo você já tinha esse fetiche? Como é que começou isso?

FERNANDO MAIS - Vou te contar como eu "criei" o pseudônimo Gustavo Scat. Para quem não sabe, primeiramente, scat é o fetiche por cocô. Eu tive gatilhos na infância que acredito que foram as minhas origens. Inclusive, esse foi um dos meus primeiros textos do blog e um dos que eu mais gosto. Eu lembro que estava na infância, fuçando o armário do meu irmão mais velho, e encontrei uma revista pornô. Para eu poder ver aquilo escondido, entrei no banheiro e comecei a ler a revista enquanto estava fazendo cocô. Provavelmente foi a primeira vez que senti tesão na minha vida. Eu não sabia o que era sexo, não sabia o que era tesão, mas acho que o meu subconsciente associou as duas coisas, sabe?

O tempo foi passando, e eu fui percebendo que desde a infância eu sempre tive curiosidade com o meu próprio cocô. Teve um episódio que foi a virada de chave na minha cabeça, que foi o vídeo 2 Girls 1 Cup. Esse vídeo, para quem não conhece, ficou muito viral em 2007 por ser um vídeo escatológico, bem nojento por sinal. Na época, era o começo da internet, ele foi talvez um dos vídeos que criou o react, que as pessoas assistiam e sentiam muito nojo. E eu senti nojo, inclusive, quando eu assisti ao vídeo, eu tive a mesma reação que as outras pessoas. Mas aquilo lá no fundo me despertou uma curiosidade. Então, ao mesmo tempo do nojo, eu fiquei curioso de aquilo existir.

E aí, com o tempo, fui vendo outros vídeos e começando a ter tesão nisso, eu fui me aceitando aos poucos. Eu tive um longo processo de autoaceitação até perceber que eu realmente curtia isso. Só que eu achava que eu era o único no mundo. Eu me achava muito sozinho, eu achava, sei lá, será que eu estava doente? Será que eu estava fazendo alguma coisa de errado?

Aí, especificamente em 2017, quase dez anos depois, eu estava na internet, num site de bate-papo por vídeo com pessoas aleatórias, com mais de 18 anos, e aí eu conversei com uma garota que assumiu para mim que tinha o fetiche. E ela era muito bonita. Era a primeira vez que eu estava falando com alguém assim. E aí ela saiu do chat e eu fiquei com algo do tipo: 'Meu Deus, eu encontrei alguém que também curte. O que eu posso fazer para encontrar outras pessoas?'. Aí eu tive a ideia de fazer um blog sobre o assunto.

Eu criei o blog Quero Scat em 2017. No início, não dei muita bola, o objetivo era encontrar outras pessoas, até que veio um cara através do blog. No blog, eu já contava um pouco das minhas origens, ia postando aos poucos textos, dicas de como tirar o cheiro. Até que um cara entrou em contato comigo, e eu sou bissexual, ele era muito gato também, gostava de tudo que eu gostava. Enfim, era perfeito. Isso me engatilhou num ponto de 'cara, existem outras pessoas iguais a mim, então eu vou me dedicar para fazer o melhor blog do assunto'. Porque existe muita pornografia por aí, do fetiche, mas não tem ninguém que fale sobre o assunto. O fetiche é muito tabu.

E um adendo: o fetiche não é ilegal. Eu tenho três regras na minha vida: com consenso, bom senso e dentro da lei, seja muito feliz. O scat só é um fetiche muito diferente, muito tabu, as pessoas não falam sobre isso.

Eu queria fazer o melhor blog do assunto, então, conforme os anos foram passando, eu editei o visual do blog, para ele ficar atrativo para quem gostava, ele era o meu jardinzinho que eu ia regando aos poucos, virou um grande hobby da minha vida. E eu ia escrevendo nele tanto experiências sexuais quanto sobre autoaceitação. O blog, a partir de então, começou a ter muita visibilidade, porque eu ajudava as outras pessoas a se aceitarem. Foi meio que uma autoterapia, eu comecei a me aceitar porque eu ajudava as outras pessoas a se aceitarem também.

O blog cresceu demais, com cinco anos de existência, ele somou 5 milhões de visualizações de página. Isso é muita coisa. Era um blog de textos, então é muita gente, eu conversei com muita gente, entrevistei pessoas, as pessoas me mandavam e-mails para eu contar o relato delas. Teve gente que casou por causa do meu blog. Histórias muito interessantes.

Só que no ano passado, em 2022, o blog simplesmente saiu do ar. Eu usava o Blogspot e descumpri uma regra, porque divulguei uma espécie de OnlyFans que eu tenho, divulguei um site que vende meus nudes que, para a gente não é o OnlyFans, é o Scatbook. Mas eu não podia ganhar dinheiro com o site, aí ele caiu para sempre. Fiquei muito mal, comecei a tomar remédio antidepressivo, era o maior projeto da minha vida, muitas pessoas acompanhavam o blog, e eu perdi tudo do dia para noite.

E aí eu fiquei pensando como é que eu posso eternizar isso, porque eu tinha um backup dos textos no meu computador. Resolvi transformar tudo isso em um livro. Eu nunca imaginei escrever um livro, nunca foi 'nossa, vou virar escritor de livro'. Não, eu simplesmente fiz um apanhado dos melhores textos do blog, reli e reescrevi todos eles, porque estavam no formato de internet, transformei todos numa narrativa, numa ordem cronológica legal para virar um livro, e depois eu contratei uma empresa para fazer a revisão de texto. Então eu fiz um projeto TCC da minha vida nesse ano, que foi colocar o livro no ar da forma mais rápida e mais profissional possível.

Procurei na internet curso de como fazer um livro, estudei a respeito, me dediquei 100%. O livro se chama Quero Scat - O Sexo com Cocô, Mijo e Peidos, foi lançado em maio desse ano. Na semana que lançou, ele viralizou, mas até então o Gustavo Scat, meu pseudônimo, usava uma máscara e um moletom amarelo, que virou a minha imagem.

O livro deu uma viralizada, afinal é o primeiro livro sobre o assunto do Brasil. E é enorme, tem 700 páginas, então ele conta desde as minhas origens até autoaceitação. A primeira vez que eu contei para um psicanalista sexólogo, eu gravei toda a nossa conversa e transcrevi. Esse texto é muito interessante, porque eu precisava de uma resposta, 'sou doente?'. E o psicanalista falou pra mim: 'Cara, isso é muito comum. É um fetiche como todos os outros. A maioria das pessoas têm fetiche. Pode ser desde um fetiche simples, como bunda e peito. Tem fetiche em pés, tem fetiche em bexigas, tem fetiche em BDSM, que é dominação e submissão. Tudo tem as suas origens, ele deu exemplos de Freud [1856-1939], libido, e tudo de uma forma muito leve, nada muito científico, sabe? Foi muito leve.

Ele deu um exemplo muito interessante: o orgasmo, para Freud, é no cérebro. Então, ele compara com quando a gente está com um sapato apertado, tira o sapato e dá aquele alívio. É mais ou menos isso, quando a gente come uma comida gostosa. Isso é orgasmo pro Freud. Então, o psicanalista me deu várias explicações muito legais, comparativas, que eu também escrevi sobre. E a partir de então eu me aceitei completamente, virou outra chave na minha vida de aceitação. E fui estudando cada vez mais sobre o assunto.

O livro tem esse texto, tem entrevista com outras pessoas também, que trabalham com isso, nacionais e internacionais, homens e mulheres, tem como conhecer outras pessoas, tem experiências sexuais que eu tive sozinho e com outras pessoas quando eu vim morar em São Paulo. O livro é muito completo sobre o assunto. E foi daí que surgiu toda a história do Gustavo Scat.

Em algum momento, você planejava se revelar como Gustavo? Ou a ideia era sempre manter uma coisa separada? Até porque você é ator, uma pessoa pública, né? Você provavelmente imaginava que a sociedade reagiria, talvez não da forma como reagiu, mas você imaginava que nem todos aceitariam...

O que acontece? Eu sou ator, nunca imaginei misturar as coisas. Eu tenho minha carreira profissional, meu trabalho, e sei que é um assunto muito delicado, afinal é um assunto muito íntimo. Não é todo mundo que aceita, infelizmente, as pessoas são ignorantes. Não no fato de não entender, não é nem isso, mas as pessoas associam a coisas erradas, entendeu? E é isso que mais me machuca.

Mas eu não tinha a intenção de misturar a minha vida toda. Era muito separada a minha vida pessoal da minha vida sexual, que era um hobby isso tudo, mas era um grande projeto da minha vida. Mas eu tinha o meu trabalho, até então eu não ganhava dinheiro com o blog, comecei a ganhar dinheiro agora com o livro e, mesmo assim, muito pouco. As primeiras vendas foram de oito livros (risos).

Então eu não tinha intenção [de me revelar], mas eu confiei em pessoas. Corri o risco de confiar em algumas pessoas para me relacionar, principalmente no aplicativo de relacionamento Grindr. Eu acho que foi daí que a pessoa que fez o meu exposed juntou todas as peças. Mas a pessoa foi muito além, mas eu não tinha intenção de misturar tudo, não.

Você desconfia de quem seria essa pessoa? Você contou esse segredo para muitas pessoas? É um número grande de pessoas em quem você confiou esse segredo?

Olha eu não faço a mínima ideia de quem seja, não faço a mínima ideia, de verdade. Eu sei que essa pessoa fez um dossiê da minha vida. O que aconteceu? Ela comparou o meu moletom amarelo que eu usava no pseudônimo Gustavo Scat a fotos do meu Instagram. Ela comparou a minha tatuagem, porque eu tenho uma tatuagem de um claquetezinho representando minha vida artística, e eu tenho um cocozinho, porque no teatro 'merda' é boa sorte, e eu tinha esse easter egg comigo mesmo. Muitos anos atrás eu postei essa foto num grupo muito famoso do Facebook, mostrando minha tatuagem, e meses atrás eu publiquei minha tatuagem no pseudônimo Gustavo Scat.

Então a pessoa foi maldosa a ponto de ir associando as coisas, ela fez montagens para provar que eu era a mesma pessoa. Mas é muito louco, porque a pessoa foi atrás para saber que eu era ator, saber que eu era o Gustavo Scat, o dia em que eu publiquei as tatuagens, ela foi muito além, isso é assustador pra mim.

Mas eu não faço ideia de quem seja, pode ser que seja alguém que eu confiei no Grindr, porque eu confiei realmente em bastante gente para me relacionar, sexualmente falando. E no próprio Grindr, a minha intenção era manter aquilo privado, sabe? Ninguém publica a vida do Tinder ou do Grindr para todo mundo, até porque eu sou uma figura pública. Eu mantinha isso como vida privada, era minha vida sexual ali, minha vida de relacionamento, não tinha nada a ver com o trabalho.

E a pessoa, quando me expôs, ela fez intencionalmente para me ferrar. E aí a coisa fica séria, porque a pessoa e as outras que deram corda falavam assim: 'Vamos mandar para os pais dele, vamos mandar para sites de fofoca'. Citavam os sites de fofoca, a pessoa foi além, ela foi no meu Scatbook, deu print nos meus nudes e colocou ali, então o negócio ficou muito sério. E como é um assunto que envolveu o meu profissional, isso chamou muito a atenção, viralizou, mas viralizou ali entre 5.000 pessoas, mais ou menos.

Como isso chegou até você?

Eu estava no Instagram, na rodoviária, no interior, voltando para São Paulo, e chegou uma mensagem no meu Instagram falando: 'Olha, estão fazendo um exposed de você num fórum'. E eu nem dei bola, na real. Achei, sei lá, não dei bola porque não tinha foto de perfil. Só que aí aos poucos começou a chegar hate nas minhas fotos do Instagram, e eu falei: 'Alguma coisa aconteceu'.

Procurei o nome do fórum no Google, e era o primeiro assunto comentado ali, e já estava viralizando. Aí que eu vi as montagens que a pessoa fez. O que aconteceu? Eu estava dentro do ônibus, já vindo para cá, e o próprio fórum divulgou no Twitter. Aí virou um grande caos, porque eles são uma página grande, hoje essa divulgação que eles fizeram soma mais de 6 milhões de visualizações. Eles divulgaram minha foto, fizeram a propaganda do tipo 'vai lá ver o que tá rolando no nosso fórum'. E aí vieram outras mídias maiores, surgiu o Felipe Neto no assunto, e aí eu já não tinha controle nenhum.

A primeira coisa que eu fiz foi ligar para minha psicóloga, porque eu já faço terapia há muitos anos. Não só por causa do fetiche, mas acho que todo mundo precisa fazer terapia. Eu falei: 'Olha, está acontecendo tal coisa, eu não estou em casa. Vou chegar em casa e preciso de uma consulta com você'. Cheguei, a primeira coisa que eu fiz para conversar com ela.

Óbvio que a gente já tinha conversado na terapia sobre o que fazer se isso acontecesse, né? Porque eu preciso ter noção da realidade, e se acontecer? Obvio que eu não tinha noção da proporção, mas e se um dia viesse a público? Eu sempre pensei: 'Bom, se vier, eu vou tratar com a maior leveza e bom humor, porque eu sou comediante'.

Então eu tive a ideia antes de acontecer, mas aí eu coloquei em prática, de comprar um pote de creme de avelã. E coloquei a frase 'nojo, mas nojo das pessoas que falam mal dos outros'. E aí eu coloquei o dedo no pote de avelã, meio que assumindo tudo mesmo, porque não tinha como negar, era a minha tatuagem. No que eu assumi, aí a merda toda, desculpa o trocadilho (risos), ficou maior ainda, e todos os noticiários do país falaram sobre isso. Então essa foi a história do exposed.

Imagino que tenham chegado muitas mensagens de ódio, mas também muitas mensagens de pessoas que talvez tenham esse fetiche e que não sabiam com quem conversar. O que acaba, não sei se 'balanceando' é a palavra certa, mas enfim... Como você também teve essas questões no passado e criou o blog para encontrar a sua turma, acho que essas pessoas encontraram em você um ponto de apoio. Podiam se achar doentes, erradas, não se entendiam. No momento que você surge ali, elas se encontram em você. Chegou muita mensagem de apoio, do tipo 'poxa, Fernando, também passo por isso, que bom que não sou o único'? Como foi esse lado positivo?

Teve muito hate, alguns assustadores, mas esse lado positivo de as pessoas falarem 'caramba, descobri você' acho que ainda vai acontecer. Agora, eu fico muito preocupado, claro, com a minha imagem, isso é outro assunto, mas eu fico preocupado com as pessoas que já me seguiam. Porque ninguém nunca tinha visto meu rosto, eu fiz a revelação da Hannah Montana (risos).

Então, fico preocupado porque essas pessoas devem estar muito de olho em como eu vou reagir, nossa, eu vou me matar? Eu vou xingar todo mundo? Eu vou negar? Vou mentir? O que eu vou fazer? Eu poderia sumir do mapa também. Eu tive uma atitude, que nem eu acredito direito, muito corajosa de bancar. É isso mesmo, eu amo o meu fetiche e acredito que, de verdade, para pessoas que têm o mesmo fetiche ou que têm outros fetiches, se aceitem.

A pior coisa é você se reprimir, sabe? Se isso verdadeiramente te faz feliz, se aceita. Vai existir hate para tudo que você fizer na sua vida. Foca nas coisas boas, se isso te faz feliz. Leia, leia meu livro também, estude, converse com outras pessoas, procure uma comunidade, troque ideia, até no grupo de amigos.

Quando os meus amigos ficaram sabendo, eles me deram muito apoio. Eu recebi muita mensagem de apoio dos meus amigos, que não sabiam, me apoiando. E principalmente para eles deve ser uma coisa muito nova, porque eles não sabiam, só os meus melhores amigos sabiam, e agora todo mundo da minha vida sabe. Mas eles estão mandando muitas mensagens positivas. Do tipo, 'fica bem, você está lidando com isso de uma forma bem-humorada e leve, você está sendo corajoso'. Então as mensagens positivas estão sendo mais essas de 'estamos aqui com você'.

Acho que as mensagens de 'caramba, que bom que eu conheci você' ainda vão acontecer, provavelmente muitas pessoas não conheciam o blog ou o livro, isso é o ponto positivo da coisa, agora milhares de pessoas conhecem a mim, devem ter milhares de pessoas que já tinham fetiche e estavam perdidas por aí, tomara que elas leiam o meu livro ou acompanhem a minha vida.

Porque essas pessoas vão ver que eu sou uma pessoa comum. Eu trabalho, estudo, tenho minha vida social, tenho a minha família. Sou uma pessoa que gosta de várias outras coisas, não só o fetiche. Provavelmente eu sou uma pessoa influente para essas pessoas, então eu tenho todo o cuidado, eu virei uma referência para muita gente. Isso é uma grande responsabilidade, e eu sei que isso é uma virada na minha vida.

O balanceamento da coisa que você falou. Eu sei que eu vou perder muita oportunidade de emprego, em relação à minha carreira como ator e como artista. Eu sei disso, não tem muito o que fazer.

O que já é um absurdo, né, Fernando? Porque o que você faz entre quatro paredes, como você mesmo ressalta, não é ilegal e não afeta em nada a sua capacidade de atuação ou de ser artista, de interpretar. O personagem não precisa ter o fetiche que você tem; e se tiver também, tudo bem. Eu não entendo como a sua vida sexual afeta a sua profissional. A de ninguém afeta, a não ser que você seja um profissional do sexo.

Exatamente. É um lance que... Todo mundo tem sua vida sexual, sabe? Eu entendo que é algo muito íntimo. Por isso que as marcas provavelmente não vão querer se associar a mim, pelo menos por agora. Eu acredito de verdade que as pessoas vão esquecer uma hora, eu acredito que minha vida não acabou. Mas nesse momento me prejudicou bastante, essa é a realidade. Para você ter uma ideia, eu fazia testes como ator, eu tô aí na luta. E isso provavelmente não vai acontecer mais.

E aí vem o grande balanceamento, 'o que eu vou fazer com isso?'. Nesse primeiro momento, eu acredito que provavelmente vou bancar esse lado do Gustavo Scat. Que na verdade, o Gustavo Scat, o Feermais, o Fernando, são a mesma coisa, são a mesma pessoa. E eu vou tentar fazer desse o meu novo trabalho, um novo caminho. Não que eu vá abandonar o que eu já fazia.

Acredito que as oportunidades mais para a frente virão, mas vou tentar fazer uma limonada do limão azedo que eu estou tendo agora na minha vida. Sei lá, eu tenho uma história muito interessante para contar. E eu tenho muita experiência, não só sexual, mas vivência da coisa de ter um blog que milhões de pessoas leram, de ter uma carreira profissional, de isso tudo estar acontecendo comigo agora. Eu vou ver no futuro como as pessoas vão lidar com isso, pessoas que estão me conhecendo agora estão falando assim, 'cara, quando eu vi, eu achei muito nojento, mas vi que você é um cara muito talentoso, engraçado, então eu te segui. E eu me espelho em você, eu também tenho meus fetiches, não iguais ao seu, mas achei legal o  posicionamento'.

Eu entendo o seguinte, quando você fala sexo com cocô, isso gera uma reação mesmo, né? É diferente, eu sei disso. E aí eu vou te dar um exemplo interessante: eu não entendo quem sente prazer em dor. Dói, pô, machuca, para mim, eu não gosto. Mas muita gente gosta, vem desde aquela música 'dói, um tapinha não dói'. O lance de dar uns tapas, óbvio que com consenso, né? Mas tem gente que gosta de soco na costela, tapa na cara, e isso é popular, tem filme sobre isso, Cinquenta Tons de Cinza, tem livro, tem comunidade. Tem o negócio de dor e prazer.

Para mim, para você tentar entender, é só substituir a dor por nojo. Para mim, é o lance do nojo e do prazer, assim como tem pessoas que associam tristeza ao prazer, que gostam de ser cornas, gostam de ser traídas, isso é um fetiche também. Tem pessoas que gostam de lugares proibidos, só porque é proibido. É interessante a mente humana, né?

Então, eu entendo as pessoas sentirem repulsa, entendo as pessoas sentirem o nojo, mas é só ter o respeito de ligar o foda-se, do tipo 'eu não gosto'. Desculpa a palavra, mas é foda-se. Mas não fica me hateando, tentando acabar com a minha vida.

É um debate muito importante de se pensar mesmo, até onde vai o moralismo, as pessoas falam 'ninguém solta a mão de ninguém', as pessoas têm grupos menores que sofrem preconceitos diários. E aí esses próprios grupos também têm preconceito comigo. Até onde vai essa hipocrisia? É um tema a se pensar. Acho que a internet está meio adoecida, as pessoas estão meio adoecidas com a internet.

E as pessoas se esquecem, acham que a internet é terra de ninguém, que eu posso mandar meu ódio aqui para essa pessoa, porque não associam que por trás do perfil tem uma pessoa real, que você não é o Fernando ou o Gustavo virtual 24 horas por dia, tem uma pessoa por trás desse computador, e as palavras têm um poder. Como as mensagens de apoio te dão força, o ódio pode te destruir também. Elas não têm essa noção de 'ah, estou despejando aqui meu ódio e vou ficar bem depois'. Você pode se sentir mais leve porque falou isso ou aquilo, mas e a pessoa que está lendo aquilo?

Tem aquilo que a gente já sabe, por trás das telas as pessoas se sentem mais poderosas. A maioria das pessoas que falam coisas muito absurdas para mim, nem têm foto de perfil, têm nome fake, então elas se sentem poderosas. Só que essas pessoas vão mandar hate para mim e vão dormir tranquilas. Mas isso me afeta demais, imagina que nessa situação meu nome foi parar nos trending topics do Twitter, o assunto mais falado. Então são milhares de hates mesmo, sabe? Isso afeta muito.

E é muito triste, porque no meu Instagram a maioria é uma galera que tenta me ajudar positivamente, porque aquilo está em off, só eu vou ler. Agora, nas redes sociais, as pessoas mandam hate, porque elas querem lacrar ao contrário, elas querem palminha, elas querem likes. É só por isso que tem o hate, por isso que as pessoas tiram energia delas para escrever alguma coisa e postar. Tiram a energia e o tempo delas para me desejarem o mal. Porque elas querem palmas, a internet virou isso, e isso é muito triste. Eu acho que isso é que está adoecendo as pessoas, sabe?

Uma coisa que aconteceu e que eu acho que te pegou muito, que talvez tenha sido um dos principais motivos da sua chateação, foi a associação com o seu trabalho no cinema [no filme Turma da Mônica - Lições].

Sim.

'Ah, meu Deus, é um ator de filme infantil'. Como se você fosse o personagem até hoje, como se você continuasse fazendo, como se o seu fetiche afetasse a sua capacidade profissional. Acho que isso pegou também, né? Não só pela repercussão que isso traz para a sua carreira, mas pela associação como um todo. O personagem não te define, e você não define o personagem, você não define a franquia. Como é que foi para você lidar com tudo isso?

Eu fico triste de as pessoas associarem a minha vida profissional à minha vida sexual, até porque vamos parar para pensar na vida de todo mundo. Ninguém fica associando a vida sexual à profissional. Por que tem que fazer comigo? Sendo que nunca foi a minha intenção misturar as coisas. Eu fico triste com essa situação de associarem, esse é mais de um dos trabalhos que eu já fiz, e eu vou fazer outros.

Faço um apelo: gente, vão lá no meu Instagram pessoal e procurem minhas outras coisas, vocês vão ver que tem várias coisas, infelizmente associam esse trabalho especificamente porque ele é muito conhecido, mas isso já está gravado há muitos anos. A gente gravou isso em 2020. Eu já não tenho nenhuma associação com ele, já estou fazendo outras coisas.

Eu trabalho numa balada noturna, eu estou sobrevivendo. Infelizmente, a minha vida sexual veio à tona, assim como poderia vir a de alguém que trabalha em um escritório, sei lá. É que no meu caso dá mais visibilidade, eu entendo isso. Mas é triste, acho que não não deviam querer acabar com a minha carreira profissional, entendeu?

Para falar de uma coisa boa. O livro é um sucesso, virou best-seller da Amazon, em ficção erótica, não sei se é a melhor classificação, porque não é bem uma ficção...

Tem contos. Tem alguns contos.

Mas é um sucesso, o que mostra que existe um público interessado nisso, existe uma curiosidade, existe uma comunidade que precisa ler sobre isso e precisa entender. E também que, apesar do hate, existe muita gente disposta a aprender. Eu vi um comentário que você compartilhou no Instagram de uma senhorinha que perguntou do livro. Achei legal aquilo de ver que uma pessoa que poderia ser conservadora, de outros tempos, outra mentalidade, tem a cabeça aberta para pensar que 'tudo bem, posso não sentir o fetiche, posso não sentir prazer com isso, mas estou disposta a aprender, a entender'.

Essa senhorinha também sente tesão em alguma coisa, ela pode nem ter algum fetiche, mas ela é um ser humano, entendeu? Eu acho que o assunto sexo desperta bastante interesse nas pessoas, porque sexo ainda é tabu. E o meu fetiche é o maior tabu de todos. Então, eu sei que é um assunto fascinante, e tem um mundo nesse fetiche.

Porque tem pessoas que gostam desde o mais soft, de estar muito ligado a intimidade, as pessoas têm muito tabu com cocô, a gente tem vergonha, a gente não fala. Tem pessoas que estão há anos casados e não peidam na frente um do outro. Tem muito a ver com intimidade. Então, quando você leva isso para o lado do fetiche, você quebra todas as intimidades com seu parceiro ou parceira. Ou sozinho também.

E obviamente tem pessoas que fazem o lado mais hard, se é que eu posso dizer assim, de esfregar no corpo, tem gente que come cocô... E eu já respondo a pergunta, eu não como cocô (risos). E não indico as pessoas a fazerem também.

Eu faço bastante coisa, se as pessoas quiserem saber dessa parte erótica, leiam o livro porque tem muito dessa intimidade toda no livro. Para quem curte o fetiche é um prato cheio, mas também tem muito da parte curiosa, como você citou a senhorinha. As pessoas podem se identificar pelos outros fetiches que ela tem, desse lado da autoaceitação, de ser diferente, de lidar com isso com outras pessoas, de como contar para alguém o seu fetiche, enfim, é um assunto muito amplo e muito curioso. Muita gente gosta, mas as pessoas não contam por aí.

E é o primeiro livro sobre isso no Brasil, então ele realmente se tornou algo maior, ele ficou em primeiro lugar na Amazon, mas se engana quem acha que eu estou rico. Para terem uma ideia, o livro me custou mais de R$ 4.500, esse valor eu paguei só para a empresa revisar o livro. Fora o que paguei para a inteligência artificial gerar ilustrações, impressão. Então me custou muito caro, e até hoje [11 de julho], eu recebi... Vou pegar as informações precisas. Eu recebi R$ 2.182 no total. Então eu nem paguei o que eu investi ainda.

Óbvio que é um prestígio muito grande ver sites como Globo, UOL, Terra, Choquei, o Notícias da TV, todo mundo falando que o meu livro é o número 1, porque isso dá mídia, as pessoas vão procurar saber sobre. É um prestígio, mas eu vou tentar fazer outros projetos, quero fazer um podcast sobre o assunto, talvez dar palestra, quero fazer um programa de entrevista. Eu vou espremer mais essa limonada e fazer caipirinhas, né?

Você falou que é comediante, né? De repente um show de stand-up. Acho que a maneira como você lidou com a revelação, com bom humor, mas deixando bem clara a sua mensagem do com consenso, bom senso e dentro da lei... Acho que é uma saída. Acho que você, melhor do que ninguém, conseguiu transformar os limões, e não foram poucos, numa limonada. Para descer um pouco mais fácil.

Aconselho todo mundo que está lendo isso: levem a vida com bom humor. Por mais difícil que possa ser, e está sendo muito difícil, eu não estou bem, eu estou tomando remédio, estou fazendo terapia todos os dias. Estou tendo que lidar com assessoria, advogado, é uma loucura. Mas, mesmo nessa situação difícil, eu amo meu fetiche, me aceito e quero mostrar para as pessoas que o humor alivia. Ele deixa a vida mais leve.

É até legal porque eu peguei o assunto fetiche scat, e todas as referências que já têm por aí, o caso da toalhinha atrás do micro-ondas, que eu não vou citar o nome da pessoa, o caso do vídeo 2 Girls 1 Cup, existe um meme muito grande do fetiche que é a tag Esse Scat É Meu, que ficou muito conhecido no TikTok. Também fiz um vídeo satirizando isso.

Eu tentei fazer piada comigo mesmo, deixar o assunto mais leve. E é isso, vamos embora, vamos nessa. Não me incomoda. Eu vi vários memes por aí, achei vários geniais. O meu único incômodo é quando me desejam mal de verdade, entendeu? Acho que a vida tem que ser levada com humor. Independentemente de fetiche, de sexo, de problemas da vida. Acho que a comédia salva vidas mesmo. A comédia salva a minha vida.

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Fernando Mais

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