DEU RUIM
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Angelo Campos, Tatola Godas, Dennys Motta e Ricardinho Mendonça no palco do Encrenca em 28 de junho
Exibir vídeos que viralizaram em aplicativos de mensagens e redes sociais são a alma do Encrenca, da RedeTV!. O trabalho fácil, no entanto, fez a emissora ser condenada a indenizar André Luis Lopes, 35 anos, profissional da construção civil, humilhado pelo programa por uma gravação em que aparece alcoolizado. Chamado de "doidão", ele entrou com uma ação por danos morais e conseguiu R$ 4,5 mil de reparação.
A ação corre na 1ª Vara Judicial do Fórum da Comarca de Guratinguetá, interior de São Paulo, desde 29 de agosto de 2019. Lopes pede 80 salários mínimos, ou seja, R$ 83.600. Em sentença de 19 de junho, o juiz Paulo César Ribeiro Meireles condenou a emissora a indenizar o rapaz em um valor bem abaixo do solicitado. Cabe recurso.
O imbróglio começou quando o Encrenca exibiu o vídeo de Lopes embriagado em um bar no programa de 28 de julho de 2019. O Notícias da TV teve acesso aos autos que narram a humilhação sofrida pelo rapaz. Em sua decisão, o juiz detalhou os fatos apontados pela vítima.
"Em meados de julho, em um de seus raros momentos de lazer, estava em um bar da cidade que reside [Guaratinguetá], consumindo bebidas alcoólicas, sofrendo de dependência e há um tempo vem lutando contra este vício. Alegou que acabou exagerando no consumo, embriagando-se e um dos clientes do bar acabou filmando-o claramente alterado, confundindo o copo de bebida com seu próprio celular", disse.
"O referido vídeo tomou proporções imensas, sendo propagada pela rede social WhatsApp e pelo YouTube, inclusive sendo transmitido em rede nacional, pelo programa Encrenca da ré. Alegou que virou motivo de piada no seu bairro e na sua cidade, bem como no ambiente de trabalho. Alegou, também, que começou a perceber que ao caminhar pela rua as pessoas começavam a rir e disfarçar", completou.
Além de exibir a gravação, os apresentadores do humorístico zombaram da situação. Ricardinho Mendonça, Angelo Campos, Dennys Motta e Tatola Godas caçoaram do rapaz em vários momentos. Nos autos, Lopes argumentou que "a intenção dos funcionários da ré [RedeTV!] é ridicularizar a sua imagem, pois no início, colocaram de fundo música de Inezita Barroso, A Marvada Pinga", disse.
Lopes se sentiu lesado ao ouvir os comunicadores debocharem da situação em que ele se encontrava. "Proferindo palavras como: 'Ele está tão doidão que ele pegou o celular para beber!', 'Ele tá doidão não, Tatá' (tom sarcástico), 'O médico disse que ele não podia beber', 'O cara tá bebendo o celular, tá louco!', 'Tá ventando', 'É mais barato', 'Olha que sensacional!'", mencionou.
Depois de exibir a zombaria, a emissora de Amilcare Dallevo Jr. e Marcelo de Carvalho ainda disponibilizou o conteúdo em seu site oficial e plataformas digitais. No mesmo mês em que entrou com o processo, Lopes conseguiu uma liminar a seu favor, obrigando a empresa a retirar o vídeo do ar.
"Para onde vou, as pessoas falam: 'Olha o cara que bebeu o celular'. Até hoje o pessoal tira sarro de mim. Isso queimou minha imagem. Até para arrumar um serviço fica difícil hoje em dia. Ninguém tem o direito de fazer isso para ninguém. Não deixei colocar na televisão", desabafou Lopes ao Notícias da TV.
"Até hoje fico triste. Em lugares que têm muito público nem vou mais, porque as pessoas tiram sarro. Fico sem coragem", completou. Além de ser motivo de piada na atração da RedeTV!, ele precisou encarar a decisão do juiz de lhe dar R$ 4,5 mil de indenização. Segundo o magistrado, ele também teve "contribuição ao perder o controle sobre si mesmo".
"Fiquei bem chateado [com a sentença] porque é a minha imagem que está na história. Quem ficou queimado nessa história e serviu de chacota para os outros foi eu. Todo mundo tira sarro de mim até hoje", lamentou.
O advogado Caio Francisco Ramos dos Santos, que representa Lopes na ação, irá pleitear uma alteração da quantia. "Iremos recorrer do valor da condenação por danos morais arbitradas no valor de R$ 4,5 mil apenas", adianta.
Procurada, a RedeTV! disse não comentar processos judiciais em andamento.
O quadro ZapZap, do Encrenca, é basicamente um compilado de vídeos que circulam no WhatpsApp e nas redes sociais. Processada, a RedeTV! justificou justamente isso em sua defesa, o que não agradou o juiz Paulo César Ribeiro Meireles.
"Não é porque a pessoa já está sendo objeto de maledicências que todos estão autorizados a anuir e aumentar o coro", observou. "Verifica-se que houve, de fato, a transmissão da imagem do autor sem a sua devida autorização", pontuou.
Além disso, o magistrado fez uma observação sobre o método de como a equipe do Encrenca obtém o conteúdo para o dominical.
"A forma como o programa capta as gravações para a realização do quadro ZapZap (a produção do programa faz uma busca pelos melhores vídeos compartilhados via WhatsApp segundo informa e também recebe dos telespectadores esses materiais através de determinado número para envio) não prescinde, quando identifica a pessoa e faz uso de sua imagem para a atração, da autorização da própria pessoa, principalmente se pode ter o condão de ridicularizá-la", atentou.
"Trata-se, portanto, de uma captação sem permissão do usuário, não constando nos autos qualquer prova da existência de contato, muito menos contrato prévio entre as partes que autorizasse a veiculação da imagem do autor", reiterou.
Ao Notícias da TV, Dennys Motta, um dos apresentadores do humorístico, disse não saber sobre a ação de Lopes contra a RedeTV!. No entanto, frisou que toda a produção da atração é meticulosa na seleção do conteúdo para o quadro.
"Em geral, temos várias regras para fazer a curadoria. Regras como não expor as pessoas ao ridículo, não exibimos nada que seja ofensivo na questão de racismo ou gordofobia, por exemplo. Nos policiamos muito. Montamos os vídeos durante a semana, e na sexta-feira assistimos todos eles com um cuidado. Como é para rede nacional, tentamos saber de onde veio, se é de algum canal ou quem mandou", justificou.
"Temos vários critérios de seleção. Em seis anos e meio de programa, não me lembro de outro processo porque temos, realmente, cuidado", completou.
A vítima, por sua vez, diz não ver todo esse zelo citado. "Eles falam que têm cuidado, mas porque [as vítimas] são pessoas que não sabem de seus direitos e não correm atrás. Vivemos em num país democrático, temos que correr dos nossos direitos. Eu tive que correr atrás porque foi a minha imagem que ficou queimada", finalizou.
Ricardo de Barros, diretor do programa e ex-superintendente artístico da RedeTV!, foi procurado para comentar o caso, mas não se manifestou até o fechamento deste texto.
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