NÃO FOI A PRIMEIRA
Reprodução/Vanguarda
Michelle Sampaio no Jornal Vanguarda, principal telejornal da emissora, em 2017: demitida por peso
DANIEL CASTRO e LUCIANO GUARALDO
Publicado em 26/3/2019 - 6h37
A demissão da apresentadora Michelle Sampaio, porque ela não voltou ao peso que ostentava antes da gravidez, escancarou a ditadura da magreza na TV. Assunto um tanto tabu nas redações das emissoras, a pressão para estar em forma veio à tona após o desabafo da jornalista, que apresentava telejornal na Rede Vanguarda, afiliada da Globo no Vale do Paraíba (SP). Surgiram vários outros casos de jornalistas punidas pela balança e se percebeu algo que está na cara de todo mundo: as emissoras só promovem magras.
"A pressão relacionada à estética não é novidade nenhuma na TV, pelo menos não nos bastidores. A novidade foi a Michelle, de maneira tão elegante, ter sido sincera e tido a coragem de falar", valoriza Amanda Costa, que trabalhou na Vanguarda entre novembro de 2003 e setembro de 2014.
Amanda sentiu essa pressão para se manter magra desde o primeiro dia em que pisou na emissora. "Entrei na vaga da Micheli [Diniz] e, na época, fui informada de que a minha antecessora não havia voltado ao seu peso após a licença-maternidade e, por isso, havia sido demitida. Isso soou para mim como um 'aviso', já que eu também tinha um bebê de seis meses", lembra ela ao Notícias da TV.
Ao contrário de Micheli e Michelle, que foram dispensadas, Amanda pediu demissão da Vanguarda. Como trabalhava no Bom Dia Vanguarda, precisava madrugar para o trabalho, ficar longe do filho e suportar cobranças para recuperar a boa forma.
"Nunca foi falado que eu precisava emagrecer, mas a pressão sempre existiu. Na gravidez, tive mudanças na vida e no corpo. Ouvia indiretas do tipo: 'Você está fazendo academia?' e 'Qual é o manequim que você está usando? 40?'. Claro que o sentimento era de angústia e medo de perder o emprego. Até porque sempre fomos informadas que a pressão vinha da 'alta diretoria'", conta.
Amanda Costa ressalta que o padrão de beleza imposto não se limitava ao peso das apresentadoras e repórteres. A direção controlava até o corte de cabelo e a cor do esmalte usado. A ex-jornalista passou tantos anos com um visual masculinizado que seus fios não têm mais força para crescer --ela agora ostenta um megahair.
Com os homens, a situação é diferente. Os jornalistas e apresentadores quase não são cobrados sobre seus visuais. "O machismo é que me revolta! As mulheres sofrem mais pressão nessa indústria. E não são só os casos assumidos de pressão que revelam essas práticas comuns. A ausência de diversidade é um sinal gritante de que ela ocorre", ressalta a ex-âncora.
A pressão para que as mulheres estejam apresentáveis no vídeo não é uma exclusividade da Vanguarda. Em 2016, durante entrevista ao programa Tudo Posso, da Rede Família, Mariana Godoy revelou que uma de suas supervisoras na Globo exigiu que ela fizesse uma dieta. "Cada vez que ela falava que eu estava gorda, eu engordava três quilos. Só de birra", contou.
O Notícias da TV apurou que Mariana na época chegou a enfrentar um de seus chefes, ameaçando denunciá-lo por assédio. No fim, ela acabou levando a pior: foi transferida para a GloboNews, de onde foi demitida em 2014.
Segundo profissionais da Globo em São Paulo, foi naquele ano que os chefes deixaram de falar abertamente que as mulheres precisavam emagrecer. Dois anos depois, a emissora adotou um programa de compliance baseado em um código de ética que veta a discriminação por "características" físicas.
A partir de então, a pressão passou a ser feita de forma indireta. Em algumas emissoras, os diretores usam figurinistas para mandar recado às jornalistas. "Já vi pessoal do figurino dizendo pra apresentadora que ela estava ficando sem roupa, que logo não teriam como vesti-la", conta uma jornalista, que pede sigilo de sua identidade.
Na Globo de São Paulo, além de Mariana Godoy, a lista das que sofreram com a balança incluem Daiana Garbin, que sofre de um distúrbio de imagem, Ana Brito e até Izabella Camargo, demitida após voltar de licença médica, em novembro.
A emissora nega que exista qualquer orientação para que repórteres e apresentadoras mantenham-se magras, mas a realidade mostra o contrário. Nos últimos anos, só mulheres magras foram promovidas: Monalisa Perrone (apresentadora do Hora 1), Michelle Barros (substituta em São Paulo), Maria Júlia Coutinho (mapa-tempo do JN) e Jacqueline Brazil (mapa-tempo do Hora 1) humilham no manequim --e na competência também, justiça seja feita.
Quase não há mulheres com sobrepeso no time de repórteres da Globo. Diferentemente dos homens --Fernando Silva Pinto (correspondente em Washington) lidera uma lista pesada.
Em outras afiliadas da Globo no interior de São Paulo, a situação é similar. Uma fonte do Notícias da TV informou que uma repórter de Ribeirão Preto foi afastada do vídeo por ter engordado tomando corticoides após sofrer um acidente na coluna. Detalhe: o acidente ocorreu enquanto ela estava indo para o trabalho.
A Globo nega que Michelle Sampaio tenha sido desligada por estar gorda. "A TV Globo e a TV Vanguarda informam que não é verdade que a razão para o fim do contrato mencionado seja a que foi publicada. Tal conduta é incompatível com a política de respeito absoluto a seus profissionais adotada pela TV Globo e pela TV Vanguarda", informou a Globo na tarde de domingo (24).
© 2024 Notícias da TV | Proibida a reprodução
Mais lidas
Política de comentários
Este espaço visa ampliar o debate sobre o assunto abordado na notícia, democrática e respeitosamente. Não são aceitos comentários anônimos nem que firam leis e princípios éticos e morais ou que promovam atividades ilícitas ou criminosas. Assim, comentários caluniosos, difamatórios, preconceituosos, ofensivos, agressivos, que usam palavras de baixo calão, incitam a violência, exprimam discurso de ódio ou contenham links são sumariamente deletados.