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Memória da TV

Com novela das oito censurada, Globo exibiu reprise reeditada em 1975

Reprodução/TV Globo

Betty Faria interpretava Porcina em Roque Santeiro antes da censura ao lado de Lima Duarte (Sinhozinho Malta)

Betty Faria interpretava Porcina em Roque Santeiro antes da censura ao lado de Lima Duarte (Sinhozinho Malta)

REDAÇÃO

Publicado em 22/3/2020 - 5h57

A situação mais próxima da atual vivida pela Rede Globo por conta da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) ocorreu em 1975, quando Roque Santeiro foi proibida pela censura do governo militar em pleno dia da estreia. A emissora chegou a pensar em uma completa troca de horários de suas tramas, mas acabou optando por reprisar um sucesso reeditado e produzir uma nova história.

Como era de praxe na época, a sinopse da novela de Dias Gomes (1922-1999) foi enviada para os censores e liberada para ser exibida às 20h, principal faixa do canal, hoje equivalente às 21h.

Com a produção em andamento, a estreia foi marcada para o dia 25 de agosto daquele ano. Com mais de 50 capítulos escritos e mais de 30 gravados, a surpresa veio cinco dias antes da estreia, no dia 20, quando os censores viram os episódios enviados e anunciaram que a novela só poderia ser exibida na faixa das 22h, com inúmeros cortes.

Surgido o impasse, a estreia foi adiada para o dia 27 de agosto. "Foi aí que os diretores da Globo perderam a tranquilidade. Afinal, eles já haviam gasto quase 1 milhão de cruzeiros na produção da novela, já haviam bombardeado os telespectadores com centenas de chamadas anunciando a estreia e, pior ainda, a novela das oito, Escalada, já estava terminando, e alguma coisa, necessariamente, teria que entrar em seu lugar", explicou reportagem jornal Movimento de 1° de setembro de 1975.

A mesma matéria relatou o que a emissora pensou em fazer: uma hipótese foi passar Gabriela, a trama das dez, para as oito, tentando a liberação definitiva de Roque Santeiro para ocupar seu horário.

Se a novela não fosse liberada, pensou-se em passar Bravo, trama das sete, para as oito; Senhora, das seis, para as sete; e colocar um enlatado norte-americano às seis, como era comum até meados daquela década (a faixa só foi consolidada no próprio ano de 1975).

Ao mesmo tempo, de acordo com a publicação, Roberto Marinho (1904-2003), proprietário da Globo, tentava falar com o então ministro da Justiça, Armando Falcão (1919-2010), de quem era amigo, para convencê-lo a liberar a trama. Mas foi avisado de que não teria jeito e a decisão era irrevogável.

reprodução

Ernesto Geisel e Armando Falcão; ministro da Justiça rejeitou o apelo do dono da Globo

Compacto de reprise

"A única solução foi recauchutar Selva de Pedra, uma novela de Janete Clair (1925-1983), mulher de Dias Gomes, já exibida há bastante tempo, reduzi-la a 34 capítulos e mandá-la para o ar. Enquanto isso, haveria tempo para produzir uma nova novela das oito", explicou a reportagem.

No mesmo dia em que a trama estrearia e acabou indo Selva de Pedra para o ar, Cid Moreira leu um duro editorial no Jornal Nacional, avisando ao público que a história não seria exibida.

O Jornal do Brasil de 29 de agosto de 1975 publicou o outro lado da história: a explicação da censura para barrar a trama. "A presença, dentre outros pontos negativos, de matéria contendo 'ofensa à moral, à ordem e aos bons costumes, bem como achincalhe à Igreja' foi o motivo principal da proibição", enfatizou.

Ao jornal, o deputado Cantídio Sampaio (1913-1982), líder da Arena (partido governista), garantiu que os responsáveis não poderiam alegar terem sido surpreendidos, "pois foram avisados das restrições da censura, por escrito, em maio, em julho, e, ultimamente, a 20 de agosto, além de terem recebido apelos de ordem pessoal relativamente ao conflito entre a propaganda que se fazia e as objeções oficiais".

Um grupo de 23 artistas foi até Brasília (DF) para fazer um protesto e entregar uma carta ao então presidente Ernesto Geisel (1907-1996), citando os obstáculos que a classe vinha enfrentando para exercer a profissão. "Eles não passaram das antessalas, onde foram recebidos por Alberto Costa, subchefe especial do Gabinete Civil", destacou o JB.

Um dos lideres do grupo, ator Paulo Gracindo (1911-1995) acabou lendo a carta em voz alta e enfatizou que "o país vive uma triste contradição: enquanto a sociedade se moderniza, a cultura, por efeito de um código de censura anacrônico e implacável, se avilta, se desfigura, e se desnacionaliza".

Quando a novela inédita finalmente foi ao ar com as alterações, dez anos depois, Betty Faria, que já havia gravado como Porcina, não estava mais no elenco. A atriz se recusou a participar da novela após a censura e foi substituída por Regina Duarte.

Dessa forma, excluídas as devidas proporções, a Globo vive situação similar 45 anos depois, quando tem de interromper suas novelas, especialmente Amor de Mãe, e exibir uma reprise em sua principal faixa. A emissora afirmou que a novela voltará após o fim da crise, o que vai gerar um fato inédito: a primeira vez que uma trama foi interrompida e, posteriormente, retomada.


THELL DE CASTROé jornalista, editor do site TV História e autor do livro Dicionário da Televisão Brasileira. Siga no Twitter: @thelldecastro

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