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ALGUÉM QUER COMPRAR?

Com dívida impagável, massa falida da Manchete tenta vender Pantanal e clássicos

REPRODUÇÃO/MANCHETE

Cristiana Oliveira como Juma, no Pantanal, produzida pela Manchete em 1990: uma arma em punho e cabelo solto e longo. A atriz tinha 25 anos no papel

Cristiana Oliveira em Pantanal (1990): fitas de novela da Manchete podem ser arrematadas em leilão

GABRIEL VAQUER, colunista

vaquer@noticiasdatv.com

Publicado em 4/8/2021 - 6h55

A 3ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo começa a leiloar em setembro um pacote generoso do acervo da extinta Manchete (1983-1999). São 70 pacotes de fitas, divididos em três lotes, com programas, jornalísticos e grandes clássicos da teledramaturgia da emissora, como a versão original de Pantanal (1990), Ana Raio e Zé Trovão (1991), Kananga do Japão (1989) e Dona Beija (1986).

O pacote total está avaliado em R$ 5,9 milhões. Todo o valor arrecadado irá para o pagamento de dívidas da massa falida da antiga emissora de Adolpho Bloch (1908-1995). Mas o dinheiro é ínfimo perto do que a Manchete deve. O valor total do passivo de falência é considerado impagável, principalmente por causa das dívidas trabalhistas e dos impostos não pagos.

Segundo consulta feita pelo Notícias da TV na PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), órgão responsável por cobranças fiscais, a dívida da Manchete hoje é de R$ 560 milhões. Ao todo, são oito CNPJs registrados em seu nome. O único ativo é o da Bloch Som & Imagem, empresa criada em 1995 para evitar que novelas produzidas dali para a frente fossem leiloadas.

O edital do leilão, obtido pela coluna, informa que os pacotes serão divididos em três e negociados durante cerca de um mês de forma remota. A primeira leva terá início em 17 de setembro, às 14h30, e se estenderá por três dias. Neste pacote, o comprador terá de pagar o valor total das fitas que serão disponibilizadas.

Caso haja interessados, a segunda rodada do leilão começará imediatamente após a primeira e seguirá até 4 de outubro. Neste pacote, porém, levará as fitas quem der mais dinheiro, desde que o valor do lance não seja inferior a 50% da avaliação.

Por fim, o terceiro pacote começará a ser vendido imediatamente após a segunda rodada e terminará em 14 de outubro. Quem apresentar o maior lance neste terceiro lote levará as fitas, independentemente do valor.

Pantanal e série perdida no leilão

O primeiro lote não conta com nenhuma fita ou bem material. Inclui apenas a venda do registro e da marca TV Manchete, que até hoje está no Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial). Quem quiser pode fazer um lance entre R$ 62 mil e R$ 128 mil.

O segundo lote contém fitas brutas e editadas de programas, jornais e novelas. Neste pacote, encontram-se raridades e clássicos da televisão brasileira. Os destaques são fitas sem edição e cenas da novela Pantanal, o maior sucesso da história da emissora. Quem quiser comprar as raridades precisa fazer um lance de, pelo menos, R$ 375 mil.

Segundo maior êxito de audiência da Manchete, a novela Ana Raio e Zé Trovão também está no pacote pela bagatela de R$ 282 mil. Aqui, algo curioso: além da versão original e de cenas avulsas, o comprador pode ter acesso à versão em espanhol da novela.

O mesmo ocorre com Kananga do Japão. Protagonizada por Christiane Torloni e Raul Gazolla, a novela é vendida em versão original e para o público hispânico pelo valor de R$ 238 mil. Outra que entrou nessa modalidade é Dona Beija, outro grande sucesso da Manchete. Quem quiser fitas originais e dubladas em espanhol pode arrematá-las por R$ 345 mil.

Produções como O Canto da Sereia (1990), Marquesa de Santos (1984), Corpo Santo (1987), Carmen (1988), Antônio Maria (1985), Ilha das Bruxas (1990) e Mãe de Santo (1990), entre outras, estão neste pacote com diversos valores.

Chama a atenção neste lote a venda de fitas de O Marajá. Produção que deveria ter ido ao ar em 1993, ela contaria a história do governo de Fernando Collor e de seus atos de corrupção. Foi proibida pela Justiça após pedido do atual senador. Especulava-se que as fitas estavam sumidas por determinação de Adolpho Bloch, que se assustou com o poder de Collor.

O terceiro lote conta, além de produções de dramaturgia, com programas e jornais da emissora como o Milk Shake (1988-1992), apresentado por Angélica nas tardes de sábado, e Programa de Domingo (1983-1999), uma espécie de Fantástico da Manchete. 

Direitos de transmissão?

Quem comprar as fitas no leilão não vai ganhar seus direitos de exibição. Em caso de novelas e séries, é preciso negociar com seus autores, produtores e com o próprio representante da massa falida da Manchete --atualmente, o advogado Miguel Antônio Lopez.

Foi por causa deste entendimento que Benedito Ruy Barbosa venceu um processo contra o SBT, que havia comprado um antigo lote que continha as fitas integrais de Pantanal --exibida em 2008 pela emissora de Silvio Santos. Porém, Barbosa tinha vendido os direitos de seu texto para a Globo. O autor venceu o processo em todas as instâncias. A Globo fará um remake de Pantanal a partir deste segundo semestre. 

Em 2010, o SBT reprisou Ana Raio e Zé Trovão e Dona Beija, mas pagou por seus direitos de exibição e texto com autores e representantes. Essa negociação já venceu.

No mês passado, a Netflix, que passará a produzir novelas curtas, chegou a cogitar a produção de uma versão de Dona Beija. Mas a plataforma desistiu da ideia ao perceber que teria problemas com direitos conexos. Procurado pelo Notícias da TV, o streaming negou a intenção de produzir a trama.

Também procurado, o advogado da massa falida da Manchete disse que está aberto para negociações desses direitos. "Entendo que os direitos [de produções até 1995] são da massa falida de TV Manchete e dela devem ser adquiridos", afirmou Miguel Antônio Lopez.

Até os dias de hoje, atores lutam para receber o que lhes é de direito. A atriz Carolina Kasting, protagonista de Brida (1998), última novela feita pela Manchete, ainda não recebeu pelo trabalho e luta na Justiça por isso. O mesmo vale para Bete Mendes, que também fez parte do elenco de Brida. Mesmo com determinações para o pagamento, a alegação da massa falida da Manchete é de que não há fundos para sanar a dívida. 


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