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FÁBULAS

Para um amargurado, Modern Love é fake news em um mundo com coração peludo

Imagens: Divulgação/Amazon

Tina Fey e John Slattery com feições enfurecidas em cena da primeira temporada de Modern Love

Tina Fey e John Slattery em Modern Love; dupla de atores vive um casal raiz, na base de ódio e DRs

JOÃO DA PAZ

Publicado em 29/10/2019 - 4h53

[Atenção: este texto contém spoilers]

Com a proposta de encenar casos reais publicados em uma coluna do jornal The New York Times, na ativa há 15 anos, Modern Love entrega contos que mais parecem fábulas. Ao menos é o que pensará um amargurado ao assistir aos oito episódios da série da Amazon, lançada há uma semana. As histórias de amor são totalmente improváveis em um mundo com o coração peludo.

Dentro do contexto no qual a sociedade nova-iorquina (ou de outras grandes cidades) é composta, com pessoas que se trombam na rua e sequer pedem desculpa ou esquecem por completo o significado da palavra gentileza, como é possível acreditar que um porteiro vai cuidar, com todo amor e carinho do mundo, de uma jovem grávida desconhecida?

Porteiro esse que em uma metrópole não ganha nem um "oi!", sequer um aceno com a cabeça, de moradores ou trabalhadores que entram nos prédios. Mas, no mundo ilusório de Modern Love, o tal porteiro é uma daquelas pessoas boas, difíceis de conceber, possíveis somente em contos de fadas, de tão altruístas que são. Isso sem falar da moça, que entrega sua filha criança para o porteiro quebrar um galho como babá. Quem faria isso na vida real?

O que dizer de um cara que deixa de fazer uma entrevista de emprego para rever a concorrente pela vaga, uma mulher pela qual se apaixonou à primeira vista? Sem mais nem menos, após um dia de passeio, os dois se beijam e, poucos meses, depois passam a morar juntos. Em uma entrevista de emprego de verdade, uma pessoa mal se dá ao trabalho de olhar para a outra, pois é impedido pelo aparelho celular, objeto usado para descarregar a tensão e a ansiedade.

Em um caso de amor que faria mais sentido nas páginas de um livro, duas pessoas iriam se encontrar em Paris, em 1999. Mas o destino pregou uma de suas armadilhas e nada rolou. Cada um seguiu seu caminho, criando famílias e tendo filhos. Em um belo dia, 20 anos depois, a moça da história está assinando livros que ela escreveu, e o crush de décadas atrás aparece na fila de fãs.

Ele traz consigo o ticket da passagem para Paris, o qual guardou durante duas décadas, e explica porque não pôde encontrá-la. Ela, que poderia achar essa atitude doentia e esquisita, fica tocada com o gesto. Os dois acabam curtindo o dia abraçadinhos, trocando confidências. Uma trama difícil de acreditar.

Anne Hathaway e Gary Carr na série da Amazon; papo no mercado em uma manhã qualquer


Primeiros encontros divinos

Chamar alguém para um encontro que não seja por um app de paquera é raríssimo. O que faz a tarefa de puxar assunto com um estranho, em qualquer lugar, seja algo arriscado demais. A chance de levar um pé na bunda ou ser completamente ignorado é grande. Melhor, então, ser rejeitado friamente pela tela do celular.

Porém, em Modern Love, uma pessoa pode encontrar a outra metade da laranja fazendo compras no supermercado em uma manhã qualquer. É assim que a personagem de Anne Hathaway se encanta por um galã (interpretado por Gary Carr) na bancada de pêssegos. Para não parar a forçação de barra por aí, ele deixa o trabalho de lado para conversar com a garota em uma lanchonete.

Esse rapaz talvez não tivesse um chefe, como todos os meros mortais, que não perdoa atrasos, ou um manda-chuva que não engole truques como "mas o metrô estava com problemas" ou "muito trânsito na rua".

Em outro episódio, um homem desiludido leva um fora e uma moça aleatória, com dó, topa fazer o dia dele mais feliz e toma a iniciativa ao puxar um papo. Ela até o ajuda quando um acidente doméstico acontece. Tudo está a mil maravilhas, e essa parece ser a história de amor definitiva, genuína. Mas ela só quer likes e comentários na rede social, pois posta todos os detalhes da relação para seguidores na internet.

Essa amargura toda tem razão de ser, pois o amor vendido por Modern Love não passa pelo teste da veracidade, o que chega ao ápice quando um professor chama uma jovem para ir até a sua casa, após trocarem poucas palavras. Ele é 30 anos mais velho. Ela aceita sem pensar duas vezes. Um encontro na casa dele, cheio de tensão sexual. Algo recomendável para qualquer garota, não?

O ser melancólico que procura algo visceral na série poderia se deleitar ao ver um casal (vivido por Tina Fey e John Slattery) que se odeia e vive discutindo. "Até que enfim alguma coisa de verdade, conheço vários casais assim, meu pai e minha mãe, por exemplo", diria o infeliz. Mas, em uma reviravolta tipicamente burguesa, os dois se acertam. Encontraram a harmonia jogando tênis.

Assim, o fim da primeira temporada de Modern Love não poderia ser mais adequado: em uma casa funerária. Um romance entre idosos fofos, de quebrar o coração da pessoa mais dura que já pisou na face da Terra, termina tragicamente, com o velhinho estirado em um caixão e a velhinha apaixonada entregue ao léu.

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