DESESPERO POR AFETO
FOTOS: DIVULGAÇÃO/AMAZON
Anne Hathaway é uma das estrelas do elenco de Modern Love, nova série disponibilizada pela Amazon
HENRIQUE HADDEFINIR
Publicado em 25/10/2019 - 4h49
A coluna Modern Love é publicada no jornal New York Times há mais de 15 anos. Nela, pessoas comuns narram suas histórias pessoais, que podem ser felizes ou nem tanto. Sucesso, ela até que demorou para virar dramaturgia. Mas chegou a hora: a plataforma Amazon disponibilizou na última sexta (18) oito episódios baseados nos textos, estrelados por nomes de peso como Tina Fey, Anne Hathaway e John Slattery.
Cada um dos capítulos conta uma história diferente, e eles compõem uma temporada forte sobre o amor que se expõe das maneiras mais inusitadas, sem que o foco seja necessariamente em sua expressão romântica.
A série se passa exclusivamente em Nova York, cidade onde a rotina sempre acaba levando às histórias um real senso de poesia moderna --muito por conta dos impactos culturais de Sex and the City (1998-2004), anos atrás. É exatamente por isso que ela se chama Modern Love.
Oito histórias são contadas usando a cidade como cenário, e cada uma delas se resolve no próprio episódio onde foi apresentada, configurando um modelo antológico, formado por narrativas isoladas, sem conexão entre elas. Algo como o que é visto em Black Mirror, por exemplo.
Esse modelo de trama acabou seduzindo o mercado e proporcionou à produção da atração a possibilidade de ter nomes importantes da indústria. Anne Hathaway, Catherine Keener, Dev Patel, Cristin Milioti, Tina Fey, John Slattery, Julia Garner, Andrew Scott e Jane Alexander são apenas alguns dos atores que estrelam a série.
Coube ao produtor, roteirista e diretor John Carney a tarefa de levar para as telas as histórias da coluna. Conhecido por trabalhos como os filmes Once (2007) e Sing Street (2016), John não poupou suas referências para dar à série a mesma estrutura melodiosa que é característica de seus trabalhos.
De uma forma delicada e sensível, Modern Love precisa de apenas 30 minutos de episódio para construir uma trama em torno do amor que acaba --mesmo que algumas das histórias sejam peculiares-- deslizando para a tela com sensibilidade e romantismo, como nas melhores comédias românticas do mercado.
Os atores Catherine Keener e Dev Patel protagonizam o segundo episódio de Modern Love
A grande questão acerca de Modern Love é exatamente o que a afasta desse gênero fácil das comédias românticas. A começar pelo primeiro episódio, escolhido para abrir a temporada justamente porque não foca nas relações de amor romântico.
Enquanto espectadores, passamos todo ele em busca de sinais de que um envolvimento entre os personagens é a única saída para a história, até sermos conduzidos para caminhos que são verdadeiramente surpreendentes e muito emocionantes. A série, então, deixa muito claro que as relações modernas nunca deixaram para trás o sonho de uma paixão, mas que na urgência do mundo contemporâneo, existe um desespero latente por qualquer tipo de afeto.
Enquanto na segunda história o ritmo de surpresas diminui, na terceira história Anne Hathaway ganha um palco para expor todas as suas qualidades de atriz cômica, dramática, de cantora e dançarina. O roteiro não desperdiça a presença da moça. Anne vive uma mulher que esconde um transtorno mental, e isso lhe custa experiências importantes da própria trajetória. É um episódio realmente intenso.
Os poucos problemas da produção começam a vir à tona justamente no episódio protagonizado por Tina Fey. A atriz se esforça para convencer numa posição dramática, mas o roteiro não esclarece suas intenções e a história cai no marasmo muito rapidamente. São os episódios quatro, cinco e seis que mais sofrem dessa instabilidade, sendo o de Tina o que apresenta um nível maior de desqualificação quando comparado com os outros.
O episódio seis (dirigido por Emmy Rossum, de Shameless) escapa um pouco dessa percepção, mas não pelas melhores razões. A história entre uma jovem cheia de ausência paterna e um colega de trabalho maduro resvala no mau gosto em alguns momentos, mas é salva pela dedicação do texto, que busca estabelecer exatamente isso: estamos todos desesperados por afeição, da mais óbvia a menos comum. É um episódio estruturalmente questionável, mas que nos mantém interessados justamente por seu fator chocante.
No penúltimo episódio da temporada, o senso de fluidez se recupera e a história se fecha de maneira muito eficiente. O último capítulo, além de contar uma história muito comovente, prepara algumas surpresas irresistíveis. Só a montagem da última sequência já vale toda a temporada.
É claro que estamos falando de histórias "reais", mas também de licenças criativas que enquadram as narrativas naquele lugar de "mágica", típicas do mundo hollywoodiano, em que tudo se encaixa no fim das contas e sempre há otimismo.
Modern Love é linda e faz com Nova York aquilo que a tornou lendária (e parte dos sonhos mais apaixonados): a série reafirma a beleza da cidade, suas características acolhedoras e surpreendentes, como se as ruas fossem tomadas de música indie suave, diálogos espertos, olhares, folhas secas e emoções simples e comoventes. Não há muita realidade no "real" da promessa, mas há coerência.
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