EM NOME DA JUSTIÇA
REPRODUÇÃO/YOUTUBE
Ilana Casoy na apresentação da 3ª temporada de Em Nome da Justiça, que estreia no canal A&E
Ilana Casoy conseguiu entrar na mente de vários criminosos, da vida real e da ficção. Ela escreveu uma série sobre o caso Nardoni, foi autora dos roteiros de A Menina que Matou os Pais e O Menino que Matou Meus Pais (2021), sobre Suzane von Richthofen, e também auxiliou na série Elize Matsunaga: Era Uma Vez um Crime (2021), da Netflix, além de ter ajudado a criar os maldosos Brandão (Eduardo Moscovis) e Matias (Reynaldo Gianecchini), de Bom Dia, Verônica (2020-2024). Ainda assim, não titubeia em defender a "saidinha" dos presos --ou seja, o direito de eles saírem da prisão em datas comemorativas.
A restrição das saídas temporárias dos presos em regime semiaberto vem sendo discutida por um Projeto de Lei aprovado pelo Congresso, mas vetado parcialmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Deputados e senadores agora tentam derrubar o veto do presidente, insistindo que 5% dos presos que saem para as ruas nunca mais voltam.
Para Ilana, contudo, essa taxa é mínima. "Em qualquer lugar, em qualquer qualquer coisa que você falar, 95% é quase tudo. Na loja de varejo, no time de futebol, todo mundo que ganha 95% está no céu, e aqui a gente entende que está no inferno. E esse 5% acabam regendo a sensação de medo que fica sendo alimentada. Vai olhar nos outros países. Tem país que tem índice de residência muito maior. Esse não era para ser o assunto. Tem muita coisa para consertar", afirma ela, em entrevista ao Notícias da TV.
O fato é que, para muito além dos assassinos --que Ilana faz questão de não chamar de "criminosos", mas sim de "seres humanos que em algum momento cometeram um crime"; "essa despersonalização quem faz é o serial killer; todo mundo é massa, massa de encarcerados...", argumenta ela--, a cadeia também é ocupada por inocentes.
Inocentes de tudo, que muitas vezes sequer sabem como foram parar ali. E são esses casos os abordados por Ilana na terceira temporada de Em Nome da Justiça, que estreia nesta sexta-feira (19), às 21h10, no canal A&E.
"Tem história que não dá nem para fazer ficção. Todo mundo ia pensar: 'Que exagero, quem vai acreditar nisso?' Mas é real. Não esperamos que aconteça, não é crível, mas acontece", adianta a roteirista de Bom Dia, Verônica.
O primeiro episódio, ao qual o Notícias da TV teve acesso, se debruça no esquartejamento de duas crianças em Novo Hamburgo (RS). Os corpos foram encontrados próximos à sede da doutrina religiosa Templo de Lúcifer, e o delegado substituto usou isso para acusar o fundador do templo, conhecido como Bruxo, pelo crime. O homem foi preso e até ameaçado de morte por seus companheiros de cela.
No decorrer do episódio, Ilana discute também como o preconceito religioso foi preponderante nesse e em tantos outros casos. "A mística é maravilhosa, né? É uma caixa sem fundo, você joga qualquer coisa lá e funciona. É milenar, o preconceito religioso é milenar. Para tudo que é diferente e você não entende, a mística é uma ótima resposta.
No caso do Bruxo, esse delegado vai prender achando que está no papel de Deus prendendo o diabo. E é incrível. Um delegado faz faculdade, faz uma carreira e deixa a religião guiar uma investigação... Se eu fosse escrever uma série do Bruxo, iam rir.
A criminóloga, no entanto, não quer usar sua série para fazer campanha aos injustiçados. Inclusive, ela só escolhe casos que já passaram por todas as instâncias de processo para integrarem a série. Caso contrário, seu trabalho perderia a credibilidade.
"Morro de pena, porque tem muita gente em situação horripilante, mas o caso ainda está em primeira instância. Não dá para fazer essa ponte para o audiovisual, porque fica um risco muito grande. Imagina estudar um processo assim para entrar num programa desse porte, numa produtora desse porte, num canal desse porte. Não dá para ser leviano, não dá para cair. Eu me emociono junto, mas para levar um episódio inteiro precisa ter responsabilidade", ressalta.
Aliás, ser responsável com as histórias é a prioridade de Ilana. Para isso, ela se debruça intensamente em pesquisa e estudo do processo. Precursora do gênero true crime ("crime real", em tradução literal) no Brasil, a escritora se preocupa com quem trata esse estilo de produção como um mero entretenimento.
"A pesquisa é chata, ler processo é chato, mas você precisa entender o que está falando. A Norma Jurídica diz que só está no mundo o que está no processo", afirma ela.
"Como esse gênero está fazendo um grande sucesso, todo mundo quer pegar seu pedacinho. Mas tem gente do bem e gente do mal, gente da fofoca e gente que trabalha o assunto. Tenho várias preocupações éticas em relação a isso, mas acho que elas não serão solucionadas tão rapidamente", completa.
Ilana tem conhecimento de causa não só por ter estudado, mas também por ter vivenciado muitas situações de perto. Ela acompanha investigações e a rotina nas cadeias há cerca de 20 anos. Por isso, conhece bem as "condições precárias" dos sistemas policial e judiciário brasileiros.
Ela desenvolve esse tema no decorrer dos episódios, no qual acusa o sistema pelas tragédias vividas pelo injustiçados. Além do trauma, eles precisam arcar com os custos de investigações e revisões processuais paralelas, que deveriam ser obrigação do Estado. A Justiça, afinal, determina com clareza que cabe a quem acusa provar a culpa de qualquer pessoa --e, de acordo com a lei, qualquer suspeito é inocente até que se prove o contrário.
Para piorar, há muito preconceito estrutural nesse sentido. Para se ter uma ideia, dados divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 indicam que 68,2%, dos presos no país são pessoas negras, a maioria de origem pobre. "Não falta punição. Falta a gente melhorar o sistema como um todo. O sistema é furado, dá margem para muita injustiça", arremata Ilana.
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