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RuPaul é Ruby Red em nova série da Netflix; uma drag queen que cria uma relação com a criança AJ (Izzy G.)
HENRIQUE HADDEFINIR
Publicado em 20/1/2020 - 5h39
Quando surgiu para o mundo no começo dos anos 1990 (depois de ter trabalhado muito por isso nos anos 1980), RuPaul Charles queria ser uma super estrela. Entre filmes, séries e álbuns, foi no reality RuPaul’s Drag Race que esse status veio mais forte do que até ele mesmo poderia imaginar. E foi esse fenômeno que proporcionou a criação de AJ and the Queen, sua nova empreitada na Netflix.
Para que a série nascesse com o máximo de força, RuPaul foi buscar o talento de Michael Patrick King, o roteirista principal de Sex and the City (1998-2004) nos seus anos de ouro e também nos dois filmes. King é uma referência no diálogo entre o universo seriado e a criação de cultura pop, através de recursos dramáticos que incluem sexo, amor, moda, gays e relações.
Para Patrik King ficou a difícil missão de traduzir as ideias de RuPaul em texto. RuPaul tem uma forma peculiar de ver o mundo e suas referências acabam sendo influenciadas por seu discurso. AJ and the Queen reúne elementos de longas como Too Wong Foo (1995), sobre drags chocando cidades interioranas, e Miss Simpatia (2001), sobre competições de beleza. Tudo bem leve e bem camp.
A palavra "camp", inclusive, está para os EUA mais ou menos como o "brega" está para o Brasil. Elas não querem dizer exatamente a mesma coisa, mas é como se algo fosse de gosto tão duvidoso que virasse certo. A nova série de RuPaul tem essa como sua base primordial e, olhando em retrospectiva, o estilo foi honrado.
A começar por sua premissa: RuPaul vive a drag queen Ruby Red, que mesmo com anos de experiência, é enganada pelo novo namorado e tem todas as suas economias roubadas. Sem dinheiro, é obrigada a fazer uma turnê por várias cidades dos EUA, enquanto tenta conseguir o dinheiro de volta. Porém, há um extra na situação: AJ (Izzy G.), de apenas 10 anos, esconde-se em seu trailer e acaba indo junto.
A partir daí, estabelece-se uma dinâmica que já vimos dezenas de vezes em filmes da Sessão da Tarde. AJ tem uma mãe viciada e quer carona até o Texas para encontrar o avô. Por causa desse background, a criança é arredia e agressiva, o que torna as coisas ainda mais complicadas para Ruby. Sabemos, de antemão, que uma ligação emocional acabará acontecendo.
Essa pequena base criativa é frágil, inverossímil em vários momentos e um pouco cafona também. Mas ela é só uma desculpa para o que torna AJ and the Queen realmente divertida: a turnê de Ruby, em que situações cômicas dominarão o cenário, e uma infinidade de drag queens conhecidas do público farão participações especiais.
Chega então a questão maior: RuPaul convence como um personagem além de sua persona drag? Na maioria do tempo, não. Contudo, dificilmente o objetivo seria esse. O ganho maior do público está em ver o apresentador longe de sua imagem cristalizada e petrificada atrás da bancada do reality. O desconforto inicial é inevitável, mas depois vamos nos reajustando.
As situações vividas pela dupla são as mais previsíveis e, em muitos momentos, entregues ao pastelão. Quanto mais avançamos, mais nos apaixonamos pelos personagens e coadjuvantes estratégicos, que vão desde Latrice Royale como uma mafiosa ex-presidiária a Jane Krakowski vivendo uma hilária e ao mesmo tempo triste dona de casa do Texas, passando por uma montagem maluca de Grease.
Em torno dessa estrutura previsível e confortável da série, está a tentativa de RuPaul mostrar a amizade e o afeto entre uma criança e uma drag queen, que se apoiam em suas tragédias e vivem em busca de amor e aprovação. É notório que a tentativa de criar algo leve e divertido foi calculada para alcançar todo tipo de público, sensibilizando e educando no processo.
Com figurinos exagerados, vilã de tapa-olho e um galã latino, falta só a torta na cara. A série comete tantos crimes contra o aplaudido sistema narrativo hiperdramático da Terceira Era de Ouro da Televisão, que acaba dando a volta na crítica e conquistando o espectador. Se é o suficiente para um segundo ano, só o tempo vai dizer.
Como qualquer um desses filmes vespertinos que só existem para relaxar o público, AJ and the Queen não vai ser um exemplo de grande produção, mas será lembrada como algo que dá aquela aquecida no coração e nos faz ver e rever mil vezes, sempre nos emocionando nas mesmas partes e falas.
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