ANÁLISE
JOÃO MIGUEL JÚNIOR/ TV GLOBO
Sol (Sheron Menezzes) em Vai na Fé; mocinha da novela das sete da Globo é negra e evangélica
As telenovelas, boas e velhas conhecidas do público brasileiro, completaram 71 anos em dezembro. O gênero, que teve sua produção inédita interrompida em 2020 e 2021 por conta da pandemia, viveu sua retomada total ao longo do último ano. Agora, os folhetins chegam a 2023 com apostas em tramas clássicas e aceno aos evangélicos.
Em entrevista ao Notícias da TV, Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia brasileira e latino-americana pela USP (Universidade de São Paulo), faz um apanhado do cenário das telenovelas da Globo em 2022 e analisa as principais estratégias do gênero no novo ano.
O especialista, que é autor do livro A Hollywood Brasileira - Panorama da Telenovela no Brasil (2002) e da coleção Grandes Novelas (2007), atuou durante mais de 30 anos como consultor de teledramaturgia da Globo. Para ele, a completa mudança que vem ocorrendo no mundo também tem afetado a produção de novelas, que tem mostrado a necessidade de uma revisão de seu gênero.
"A telenovela está precisando de um novo olhar, tanto em termos de formato como de conteúdo. Acredito que as empresas estão atentas a isso e sobretudo o streaming trouxe uma nova realidade e uma nova conexão de comportamento", avalia Alencar, que lembra do lançamento de Todas as Flores como primeira "novela das nove" do Globoplay.
De acordo com Alencar, 2022 mostrou que o sucesso de Pantanal não foi à toa. Segundo o especialista, a trama de Bruno Luperi marcou o início da mudança necessária tanto para o formato como para o conteúdo das novelas. "Uma novela extremamente diferenciada em seu contexto, temática e cenário. É natural que o público sedento fosse abarcar isso. Apesar da formula tradicional, a temática diferenciada fugia do padrão habitual", destaca.
Além da forma como foram construídos os personagens, Alencar aponta outros fatores para a aceitação do remake:
Foi uma novela que reconquistou o gosto pelo gênero, preencheu, em um mundo sem paciência, a necessidade de se ter paciência, de voltar ao mundo, porque falamos de algo muito sutil, de sentimento, de um comportamento psíquico, de um grupo social, mesmo com um texto de mais de 30 anos. O que vale realmente é arquitetar uma boa história, com tramas condensadas, poucos núcleos. Prova disso é o sucesso das séries no streaming.
Já Travessia, de acordo com o ex-consultor da Globo, na contramão desta experiência oferecida pela saga rural de Benedito Ruy Barbosa, provocou ruptura ao retornar ao estilo de novela já conhecido pelo telespectador, mesmo abordando temas pertinentes à sociedade atual.
Para resolver esta questão, uma das apostas da Globo em 2023 é resgatar um de seus melhores curingas: Walcyr Carrasco. Segundo o especialista, ao substituir o folhetim de Gloria Perez, Terra Vermelha --título provisório da nova novela do autor-- prova que a ideia é não arriscar e levar ao público uma trama clássica.
"Pode esperar uma grande novela, com bordões, um tom melodramático, pois Walcyr Carrasco sabe construir um folhetim magnificamente, com personagens populares, temas contundentes, sabe dialogar com o povo e já mostrou que consegue virar o jogo, pois tem diálogo com quem pega metrô e ônibus, por exemplo", afirma.
Alencar, no entanto, considera surpreendente a decisão da emissora de lançar a trama com mais de 200 capítulos em tempos de produtos curtos no streaming.
REPRODUÇÃO/TV CULTURA
Faixa das nove terá Walcyr Carrasco
Enquanto isso, no horário das 18h, Mar do Sertão, de acordo com o profissional, terminou o ano como a novela mais aceita da atualidade. "Somos feitos de hábitos. As coisas se repetem. É preciso também essa história confortável, que inova na estética ao trazer os repentistas", diz.
Com previsão para levar seu último capítulo ao ar em março, o folhetim de Mario Teixeira inicia 2023 aquecendo a faixa das seis para entregar o posto a outra trama clássica: Amor Perfeito, de Duca Rachid. "Com o que conhecemos da autora, a novela deve manter a linha de novela clássica e criar uma relação afetiva, já que traz o elenco de Pantanal, algo que conta", opina.
A relação afetiva entre personagens e o público também deverá ser turbinada no horário das sete com a chegada de Vai na Fé, folhetim de Rosane Svartman que ocupará o lugar de Cara e Coragem a partir de janeiro. Segundo o especialista, um dos motivos que contribuiu para que a atual trama das sete não decolasse foi a falta de empatia dos personagens com o público.
"Não é uma tarefa fácil. Isso deve ser matematicamente estudado antes de fazer a produção. A sinopse pode ser boa, mas quando é transposta para o audiovisual, aí é outra conversa", explica. Para driblar tal situação, a Globo abre a fila de estreias do novo ano com uma novela que não deve pecar neste aspecto.
"Não gosto de deitar cartas na mesa, mas até onde minha vista alcança a temática, o título e os personagens de Vai na Fé têm tudo para dar certo", avalia o doutor em teledramaturgia. Para ele, um dos principais destaques do folhetim é trazer para o gênero o universo dos evangélicos.
"Isso é fundamental, pois as igrejas pentecostais só têm crescido no mundo e acho que você deve misturar e dialogar, pois a arte jamais é feita para criar barreiras, mas sim para criar pontes", analisa.
Na nova trama das sete, a protagonista vivida por Sheron Menezzes será uma mulher evangélica, que trabalha vendendo quentinha na rua e que, por acaso, se tornará uma dançarina de funk após surgir uma oportunidade em meio ao perrengue financeiro.
Prevista apenas para o meio do ano, Fuzuê é o título provisório da substituta de Vai na Fé às 19h. A novela marcará a estreia de Gustavo Reiz, ex-autor de folhetins do SBT e da Record, na emissora carioca. De acordo com Alencar, a versatilidade que o novelista traz em seu currículo é um dos grandes fatores para que o canal arrisque em um novo nome na faixa.
"Já vimos sua carreira, e ele não criou um perfil, o que é uma aposta interessante, porque o autor de hoje em dia tem que contar uma história para um diretor e um produtor que têm uma voz bastante atuante, assim como nas produções do streaming. É importante arriscar", ressalta.
Gustavo Reiz estreou como autor no remake de Os Ricos Também Choram (2005), no SBT. Dois anos depois, colaborou com Ana Maria Morezsohn em Luz do Sol (2007), na Record. Na nova casa, trabalhou durante dez anos, tendo escrito tramas como Sansão e Dalila (2011), Fora de Controle (2012) --junto com Marcílio Moraes--, Dona Xepa (2013), Escrava Mãe (2016) e Belaventura (2017).
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Gustavo Reiz vai estrear como autor na Globo
Um dos pontos altos da nova safra de novelas da Globo, segundo Alencar, é a consolidação de atores negros em papéis relevantes. A prática, que já vem sendo adotada nos últimos anos, ganhou força neste ano e deverá ser ainda mais reforçada em 2023, o que se mostra positivo para o momento da teledramaturgia.
"Finalmente o Brasil assume sua origem africana. Passamos décadas apenas louvando nossa colonização europeia olhando do ponto de vista de consumo para os Estados Unidos e esquecendo toda a nossa influência de matriz africana. Para atingir um novo patamar de equilíbrio é imperativo que você tenha o negro em papéis naturais. Então a pluralidade na TV é imperativa, não só a racial, mas de classe, etnia, gênero. O mundo só estará mais equilibrado se a arte assumir esse conjunto de fatores."
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