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FUTURO DA NOSTALGIA

Globo se reinventa como 'fábrica de remakes' para sobreviver à crise da TV

REPRODUÇÃO/TV GLOBO

Montagem com Maria Clara Spinelli como Renée no remake de Elas por Elas à esquerda e Maria Helena Dias como Carmem na versão original à direita

Renée (Maria Clara Spinelli) é versão de Carmem (Maria Helena Dias) no remake de Elas por Elas

DANIEL FARAD

vilela@noticiasdatv.com

Publicado em 13/9/2023 - 7h00

Não há dúvidas de que os remakes se tornaram uma estratégia da Globo para se reestruturar. A televisão aberta não só viu o público envelhecer, mas também diminuir consideravelmente nos últimos anos. Os impactos, sobretudo os financeiros, obrigaram a emissora a se adaptar a uma nova realidade --em que produzir uma novela inédita traz mais riscos do que oportunidades.

O investimento para produzir uma nova versão de um clássico se torna mais seguro em uma perspectiva nada animadora para a TV aberta. Uma história já testada e aprovada pelo público vira uma espécie de "tábua de salvação" num momento em que originais têm sido rejeitados pelos espectadores.

Pantanal (2022), por exemplo, trouxe maior retorno em audiência do que as obras inéditas para a faixa das nove na gestão de Amauri Soares à frente dos Estúdios Globo. Um Lugar ao Sol (2021), Travessia (2022) e --até o momento-- Terra e Paixão (2023) não conseguiram superar o remake.

Um dos principais fatores por trás desse sucesso é o sentimento de nostalgia, que nunca esteve tão em voga quanto nos últimos tempos. A história de Juma (Alanis Guillen) é só mais uma amostra de como o resgate do passado se tornou uma das ferramentas mais sedutoras da cultura pop.

A novela de Bruno Luperi dialoga com a explosão de perfis nas redes sociais dedicados a resgatar brinquedos antigos, trechos de programas de televisão das décadas passadas ou até comidas que fizeram sucesso em jantares há meio século.

Não à toa, o jornalista e crítico britânico Simon Reynolds acredita que nós vivemos uma "epidemia de nostalgia". Ele é o autor de Retromania, em que analisa a obsessão da cultura contemporânea em rever e reescrever o passado --criando uma espécie de "disjunção temporal".

As razões por trás desse movimento são inúmeras, mas um ponto chama a atenção. O passado é descrito como um lugar seguro e idealizado em contraponto a um presente feito de crises, seja financeira, ambiental ou social. "Tempos mais simples", dizem, mesmo que não o sejam.

Globo retrô

A própria Globo já se beneficia dessa tendência com o Viva, dedicado a reprisar a própria programação. Ou seja, nostalgia pura. Com poucos custos, ele frequentemente fica entre os mais assistidos da televisão paga. 

O projeto Resgate, em que tramas antigas são disponibilizadas no Globoplay, também fazem parte dessa estratégia. Elas trazem público --e, consequentemente, assinantes-- para o serviço de streaming que já se mostrou uma "galinha dos ovos de ouro" para a empresa.

A própria plataforma se converteu em uma espécie de laboratório para a emissora, como a janela de exibição preferencial para originais. Todas as Flores (2022) é o exemplo de uma trama que foi considerada arriscada demais para a televisão aberta e acabou "rebaixada" ao Globoplay.

O jogo virou, no entanto, quando a novela de João Emanuel Carneiro surpreendeu a própria Globo e figurou entre os conteúdos mais assistidos. Com isso, ela foi "promovida" para o horário das dez na televisão aberta --obviamente já testada e com menos riscos envolvidos no processo.

Um fracasso no Globoplay ainda traz impactos menos negativos para os objetivos financeiros da rede dos Marinho. Um erro na televisão aberta custa mais caro, já que a janela de exibição não permite simplesmente abandonar ou apenas disponibilizar todos os episódios de uma vez.

Travessia mostra o quanto o modelo de negócio da televisão aberta talvez já não seja mais tão interessante para a Globo. A novela não funcionou do início ao fim, impactando toda a grade do horário nobre durante meses. Um risco que o streaming já não leva mais em conta.

Magia e técnica

Os aspectos técnicos também são levados em conta nessa "fábrica de remakes" da Globo. O projeto Resgate disponibiliza novelas antigas para um nicho de telespectadores dentro do Globoplay, mas a qualidade técnica muitas vezes não permite uma reprise no Vale a Pena Ver de Novo.

A produção de uma nova versão de um clássico é uma forma de a emissora perpetuar o próprio "legado" para a cultura pop. A adaptação de Vale Tudo, supostamente a cargo de Manuela Dias, ilustra bem esse movimento: se sair do papel, vai atualizar uma história tida como "mítica" não só narrativamente, mas também tecnicamente.

Passados-presentes

Outro ponto sensível para a Globo é corrigir eventuais erros ou omissões do passado, colocando-se como protagonista de um "novo tempo". Em produção, o remake de Renascer já mostra uma preocupação muito grande em não repetir a "Bahia branca" que foi duramente criticada em Segundo Sol (2018).

Mais do que uma questão de reparação ou responsabilidade social, adaptações que visam pontos sensíveis como representatividade também fazem parte do marketing. Uma novela mais diversa, fruto de uma empresa mais diversa --ainda que se censure cenas de homoafetividade.

O pesquisador alemão Andreas Huyssen aponta que essa cultura da memória também é uma estratégia de apagamento e de reescrita da história. O autor de Culturas do Passado-Presente aponta que, em vez de pensar em novos futuros, as pessoas e as organizações estão obcecadas em rever o passado.

Essa é uma tendência não só da Globo, uma vez que a editora HarperCollins já anunciou que iria remover conteúdo sensível --ou seja, racista-- das novas edições dos livros de Agatha Christie (1890-1976). A decisão causou uma tremenda discussão entre público e especialistas.

Alguns elogiaram o esforço de criar um "universo pop" menos agressivo e mais diverso, enquanto os críticos apontaram os perigos desse apagamento. Eles indicam que deletar os rastros da escravidão não é a melhor maneira de lidar com essa "herança maldita".

O remake de Elas por Elas vai andar o tempo inteiro em cima dessa "corda bamba", em que atualizar uma trama dos anos 1980 é muito mais complexo do que apenas acrescentar elementos de diversidade. Os autores Alessandro Marson e Thereza Falcão têm um desafio claro: como recontar essa história da parte que caiba uma protagonista transexual?

Renée (Maria Clara Spinelli) exige muito mais do que apenas a mudança de uma mulher cisgênero para uma transgênero. A forma de conduzi-la é que vai mostrar se o risco vale a pena dentro do remake.

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