MEMES E DEBATES
REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Queridinha da Internet, Maria Bruaca (Isabel Teixeira) ganhou apelido da geração Z: Mary Bru
Maria Bruaca (Isabel Teixeira) desbancou os protagonistas e conquistou o posto de estrela máxima em Pantanal. Ela até divide o trono com o Velho do Rio (Osmar Prado), mas foi a única a levantar debates, angariar torcida e ser abraçada pelo público da web. O bordão "100% Maria Bruaquer", que ressalta o amor dos espectadores pela personagem, é um exemplo do sucesso da novela das nove da Globo nas redes sociais --especialmente entre os mais jovens.
Só na TV aberta, houve um crescimento de 25% de telespectadores de 15 a 29 anos em relação à antecessora, Um Lugar ao Sol (2021), segundo um levantamento feito pela emissora. Isso sem contar quem acompanha a trama pelo Globoplay --a facilidade das plataformas de streaming também costuma atrair os mais jovens.
O aumento nos números é comprovado com o sucesso do folhetim também na Internet. Especialistas ouvidos pelo Notícias da TV ressaltam que parte deste público vê a novela justamente por ter tido contato com postagens sobre ela na web. Trilha inversa à tradicional, em que as pessoas usavam as redes para comentar um folhetim que já acompanhavam anteriormente.
Acostumada a soltar a língua sobre qualquer tema, a geração Z se diverte ao atribuir suas próprias interpretações aos personagens. De certa forma, é como se eles se transformassem em uma espécie de José Leôncio (Marcos Palmeira). Os comentários, na visão deles, têm o poder de domar a narrativa "nem que seja pelo laço". De quebra, as opiniões ainda criam vínculos.
"Para você interpretar um meme, por exemplo, você precisa ter o domínio de outros textos. Ele não é só aquela piada, aquela unidade de sentido. O meme vai exigir que você conheça a novela, conheça a personagem. São muitas camadas de interpretação e essas camadas são compartilhadas nas redes. Isso dá ênfase no aspecto comunal do consumo da telenovela", explica Issaaf Karwahi, pesquisadora em comunicação digital na USP (Universidade São Paulo) e autora do livro De blogueira a influenciadora (2021).
o jove fica tao lindinho com esse chapeu o nosso woody pic.twitter.com/q4PrvmcJwP
— alícia marruá (@aliciapologetic) June 15, 2022
Mas nem só o lado cômico --como a "regatinha" gasta de Guta (Julia Dalavia) e a semelhança impressionante entre Jove (Jesuita Barbosa) e o Woody, do desenho animado Toy Story (1995)-- é levado em consideração. Debates sobre questões relacionadas ao universo da novela, que vão desde a sustentabilidade no agronegócio até o relacionamento abusivo de Maria Bruaca, são propostos nas redes.
"O meme permite amplificar muitas pautas. Pela simplicidade que tem na linguagem, ele consegue se propagar por muitos espaços. E isso é importantíssimo paro consumo nas redes e na Internet. A Internet tem esse aspecto de 'espalhabilidade', de conexão, de participação. Quando a novela sai da televisão e se espalha pelas redes, especialmente no formato de meme, que vai exigir uma participação ativa dos espectadoras, a gente tem a essência da Internet se conectando com a TV", completa a profissional.
Até o tradicional merchandising social --inserção de questões sociais e mensagens educativas nas telenovelas-- foi ressignificado. Issaaf cita Maria Immacolata Vassallo de Lopes, que definiu as telenovelas como as "narrativas da nação". Nada mais justo que uma obra que sintetiza tanto um país seja apropriada pelos espectadores, por meio de memes ou debates.
Jove fazendo altas críticas ao capitalismo, José Lucas jogando na cara que ele nunca teve carteira assinada, Jove dizendo que não podemos vender nossas riquezas a preço de banana, Zé Lucas argumenta que pra quem tem fome a banana vale muito, Pantanal tá bom demais pic.twitter.com/Fej8ggHfEd
— detremura (@detremura) June 5, 2022
De certa forma, as discussões na web não diferem das acaloradas reuniões de família nos sofás de casa (ou talvez em uma mesa de bar). Tradicionalmente, um grupo se juntava, acompanhava uma narrativa e passavam um bom tempo debatendo um casal ou um pauta levantada pelo folhetim.
"A telenovela sempre foi um momento de partilha. Agora isso se expandiu para o Twitter, para o Instagram, para todas as redes sociais. É justamente o meme que acaba sendo o aglutinador dessas audiências difusas", ressalta a pesquisadora.
O vício em #Pantanal é muito real, né? #MaisVocêpic.twitter.com/zLmfgh8qU9
— TV Globo 🪂 (@tvglobo) June 8, 2022
A própria emissora decidiu se meter nessas conexões entre os espectadores. Os perfis da Globo republicam os memes criados pelos espectadores. O "100% Maria Bruaquer", por exemplo, já deu as caras nas redes oficiais várias vezes. De certa forma, é como se os fãs tomassem as rédeas da narrativa.
A mídia tradicional sempre se organizou a partir de uma estrutura hierárquica, com uma separação evidente entre a produção e a recepção. O que a Internet faz é borrar esses limites. Quando os canais oficiais da Globo dão espaço para um meme que estava circulando nas redes por conta de uma apropriação dos telespectadores, essa é uma forma de abrir um pouco esse polo de produção e permitir a coconstrução.
Mas a trama não encheu os olhos só dos mais jovens. Para Lucas Martins Néia, autor da tese Como a Ficção Televisiva Moldou um País: Uma História Cultural da Telenovela Brasileira (2021), publicada pela USP, o resgate das raízes da teledramaturgia atraiu até quem mantinha uma certa distância da emissora.
A aposta em recorrer a um folhetim exibido há mais de 30 anos foi arriscada, mas certeira: Pantanal veio para mostrar as diferenças entre novelas e quaisquer outros produtos disponíveis nas plataformas de streaming. Acima de tudo, conseguiu até conversar com as diferentes matizes do espectro político-ideológico em um país onde estas questões estão à flor da pele.
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"A gente vê que atualizações foram feitas, mas há quem olhe só para o que permanece da trama de 1990 até em um sentido mais conservador, principalmente na questão dos costumes. A gente tem até um público que tem torcido o nariz para a Globo, mas está acompanhando a novela. De fato, é uma história universal que tem esse poder de catalisar a audiência. Além de falar de um Brasil rural, um respiro depois de tantas tramas urbanas no horário das nove", comenta.
O pesquisador até vê valor no casal jovem do folhetim, formado por Jove e Juma (Alanis Guillen). Afinal, a clássica história de amor, baseada em um choque de dois mundos, tem tudo para fisgar o coração dos mais novos.
Ele, porém, admite que o misticismo que cerca o Velho do Rio e a trajetória de libertação de Maria Bruaca, personagens mais citados na web, são páreos difíceis de superar.
"Benedito Ruy Barbosa [autor da primeira versão do folhetim] corporificou o imaginário daquela região em duas figuras extremamente fortes: a Juma e o Velho do Rio. Você vê ali essa mulher que vira onça quando se sente acuada, e, principalmente, o homem que vira sucuri para proteger as matas", indica o pesquisador.
Já o sucesso de Maria Bruaca chega a ser uma surpresa. Na primeira versão do folhetim, exibida em 1990 pela extinta Manchete (1983-1999), a personagem era vista como chacota. A própria Angela Leal reforçou isso.
"Na época, o machismo predominava tão forte que Bruaca virou nome pejorativo, tipo galinha, piranha. Bruaca deixou de ser substantivo para ser adjetivo pejorativo de mulher largada, de mulher que é saco de pancada do marido, mulher otária que leva chifre", disse ela, em entrevista recente ao Gshow. Hoje, a trajetória de mudança e libertação da mulher empolgou os espectadores, que torcem para que ela chute Tenório (Murilo Benício) de vez.
mary bru deu o chá bem dado no alcides. RAINHA #Pantanal#Pantanarpic.twitter.com/IKgbbJoyH9
— luh 🛫 (@luhcomenta_) June 24, 2022
Repercussão que se assemelha a de Rebeca (Andrea Beltrão), uma das personagens que mais fez sucesso em Um Lugar ao Sol, a novela antecessora. "Por mais que fosse uma mulher de contexto urbano, uma mulher 'liberta', a Rebeca estava presa a um casamento que não mais a satisfazia. Depois, ela busca se libertar disso: tem experiências com outros homens, volta a um amor do passado… Eu acho que, de alguma maneira, a trajetória dela e da Bruaca são similares. É interessante você ver esse tipo de perfil, uma mulher com cerca de 50 anos sendo a personagem que conquista e cativa o público", destaca o pesquisador.
A influência que ronda Maria Bruaca é inegável. Ela desperta afetos, mobiliza valores e levanta discussões. O poderio é tanto que não é de se estranhar que ela ocupe um espaço na história da teledramaturgia justamente pelo seu impacto no digital. Isso, no entanto, não a transforma em uma influenciadora.
"Os influenciadores digitais têm competências e habilidades profissionais específicas. É um trabalho, uma atuação profissional. Influentes somos todos nós, em contextos sociais específicos. A Maria Bruaca com certeza é influente. Vale pensar em como as reverberações no digital têm sido indicativos do que vai se consolidar como um sucesso. O que se aproxima até da lógica do TikTok: as músicas que são sucesso são aquelas que viralizam na plataforma", completa Issaaf.
Ou seja: Maria precisa atravessar um caminho bem pedregoso para surrupiar os "seguimores" de Madeleine (Karine Teles). O potencial está aí, mas falta desenvolvê-lo. A influencer Vivi Guedes, de A Dona do Pedaço (2019), com certeza forneceria uma aula à interiorana. Para arrematá-la ainda mais, bastaria assistir ao comovente discurso de Rebeca na reta final de Um Lugar ao Sol.
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