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COLUNA DE MÍDIA

Por que Jovem Pan e mídia bolsonarista podem se beneficiar com governo Lula

Divulgação/Jovem Pan

Tutinha, dono da Jovem Pan

Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha, dono da Jovem Pan; como vai ser no governo Lula?

GUILHERME RAVACHE

ravache@proton.me

Publicado em 16/12/2022 - 6h30

Pode parecer estranho que no final do dia os maiores beneficiados da chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência sejam alguns dos grupos de comunicação que mais lutaram para que isso não acontecesse. Mas diferentemente do que muitos possam imaginar, a expectativa é positiva entre aqueles que até pouco tempo estavam alinhados a Jair Bolsonaro.

"Um dos principais erros de Bolsonaro foi antagonizar a mídia e tornar a grande imprensa sua inimiga", diz o dono de um grupo regional de comunicação. "O Lula é bem mais inteligente que Bolsonaro, não imagino que cometa o mesmo erro", acrescenta. 

Segundo três fontes ouvidas pelo Notícias da TV, o PT tem mandado mensagens conciliatórias para lideranças de grandes grupos de comunicação, inclusive aqueles vistos como tendo viés bolsonarista. 

Por essa razão, teria gerado desconforto a fala de Gleisi Hoffman, presidente do PT, respondendo negativamente ao vídeo conciliatório do bispo Edir Macedo, dono da Record, dizendo que perdoava Lula.

Em post nas redes sociais, Gleisi disse que dispensava o perdão de Macedo e que o bispo é quem precisava pedir perdão a Deus pelas mentiras que propagou. 

Como afirmou o colunista Tales Faria, do UOL, "no mérito, todos do PT e nos partidos aliados concordam com Gleisi Hoffmann. A discordância é quanto à oportunidade da afirmação. Neste momento de transição, os aliados de Lula defendem que haja o mínimo de arestas possível".

Aparando as arestas com a Record

Logo depois, Gleisi baixou o tom e deu o assunto por encerrado. Mas a história não parou. Um emissário do PT, dias depois, realizou um encontro na Bahia com um representante da Record para aparar as arestas. E ao que tudo indica, a paz foi selada.

"Lula não ganhou de lavada, foi uma vitória bastante apertada. Não será fácil governar com apoio. Sem apoio, tem grandes chances de Lula nem completar o mandato", diz o diretor de um jornal conservador. O jornalista lembra que no impeachment de Dilma e na prisão de Lula, a imprensa foi peça-chave nos acontecimentos.

O PT tem mais a ganhar ao restabelecer uma boa relação com os grupos de mídia do que partindo para o confronto. E dentro dessa lógica, estar próximo a grupos bolsonaristas pode ser ainda mais efetivo para o partido.

Um aceno claro do PT aos grupos de mídia é a nova legislação digital. Ela não apenas limita a influência das big techs como Google e Facebook, mas abre a porta para que as gigantes de tecnologia passem a pagar veículos de imprensa, como já acontece na Austrália.

Demissão de bolsonaristas

"A Jovem Pan já demitiu a turma que não tinha salvação, agora dá para zerar as bases e rever as conversas. Se o governo e estatais anunciarem na Jovem Pan, vai ser muito menos polêmico do que se Bolsonaro fizesse o mesmo, e os dois lados saem ganhando se existir uma relação positiva", diz uma pessoa próxima ao PT.

O governo federal tem regras claras que exigem processos transparentes para a compra de mídia. Isso dificultava que a mídia bolsonarista recebesse recursos.

Priorizar veículos menores, mais radicais e alinhados ao governo, como queria o clã Bolsonaro, era um constante desafio. A audiência é o principal critério técnico para compra de publicidade. Por essa razão a Globo recebeu a maior parte das verbas de publicidade mesmo na gestão Bolsonaro.

Havia ainda um problema evidente na estratégia de mídia dos bolsonaristas: ao focar em veículos radicalizados e alinhados, Bolsonaro falava com convertidos. Ou seja, sua comunicação não ia além da base que já o apoiava.

Incompetência do governo Bolsonaro

O governo Bolsonaro não deixou de gastar com publicidade, mas na visão de muitos, gastava mal. Mesmo entre os aliados de Bolsonaro havia constantes reclamações.

"Veja o Tutinha [Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho], da Jovem Pan, sempre dizia que não recebia dinheiro do governo. E o pior é que não devia ganhar mesmo. Bolsonaro se cercou de gente muito incompetente na comunicação, principalmente nos últimos anos", diz um executivo de mídia com trânsito em Brasília.

Como apontou o colunista Ricardo Feltrin no Twitter, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, além de ser uma das figuras mais odiadas no Planalto, era alvo de piadas dentro do governo.

Globolixo, um tiro no pé do mito

Bolsonaro era irracional quando se tratava da mídia. "Ele dizia que atacar a Globo era uma questão moral. Falava aquelas bobagens no cercadinho e não ganhava absolutamente nada", diz uma pessoa próxima.

Bolsonaro dava a entender que não precisava da grande mídia porque tinha suas próprias lives no Facebook, com milhares de participantes, e mantinha contato direto com os eleitores pelas redes sociais. Mas como a eleição mostrou, a internet é poderosa, mas tem seus limites.

"Repita uma mentira muitas vezes e ela se tornará verdade", é uma lei da propaganda frequentemente atribuída ao nazista Joseph Goebbels. Diversos estudos já comprovaram o efeito da "ilusão da verdade", um fenômeno em que a repetição faz com que um fato pareça mais verdadeiro, independentemente de ser ou não. Se você ouve algo sobre uma pessoa ou algo muitas vezes, no final acaba acreditando. E a mídia pode acelerar esse processo.

Os bolsonaristas usaram a estratégia da "ilusão da verdade" amplamente nas redes sociais ao propagar fake news. Funcionou no passado. Mas nestas eleições as empresas donas de redes sociais foram mais ágeis no combate às fake news. A atuação do ministro Alexandre de Moraes, no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), também contribuiu para reduzir a eficiência das campanhas de desinformação.

Até mesmo nomes como Felipe Neto e André Janones combatendo fake news pesaram na percepção das redes sociais. No final, a mídia tradicional cresceu.

TV voltou a ser palanque

Com a queda da influência das redes sociais nas eleições, a mídia tradicional, principalmente a TV, voltou a ser o cenário central da corrida eleitoral. Prova disso foram os recordes de audiência nos debates entre Lula e Bolsonaro. Em 2018, a facada no atual presidente e sua ausência nos debates também contribuiu para diminuir o peso da TV e mídia tradicional nas eleições.

De todo modo, o bolsonarismo inicialmente teve o apoio de diversos grandes grupos de mídia, mas à medida que o governo Bolsonaro, e posteriormente sua campanha, se tornaram cada vez mais erráticos e radicalizados, restaram poucos nomes de peso ao lado do "mito" na reta final.

O PT irá assumir um país dividido e com as contas públicas em frangalhos. O mundo deve entrar em 2023 em recessão. Se com a mídia a favor (ou neutra) já não será fácil, com os meios de comunicação jogando contra o novo governo o estrago pode ser ainda maior.

As manchetes e os comentários sobre a nomeação de Fernando Haddad, que ainda nem assumiu o cargo de ministro da Fazenda, dão pistas do que pode vir pela frente.

Lula precisa evitar repetir o erro de Bolsonaro. Falar somente com sua bolha não vai funcionar. Assim como o PT teve de ceder ao Centrão em diversos temas antes mesmo de Lula assumir a Presidência, terá de ser bastante pragmático com os grandes grupos de mídia. Principalmente a mídia de centro e de direita.

Jovem Pan sem dinheiro do YouTube

O caso da Jovem Pan é simbólico. Na mesma semana da derrota de Bolsonaro, a empresa fez uma "limpa", cortando seus apresentadores e comentaristas mais radicais alinhados ao bolsonarismo. 

Para muitos, foi uma tentativa de se posicionar mais ao centro, mas também para não perder a possibilidade de receber verbas do governo. E acima de tudo, não perder o dinheiro que recebe do YouTube.

O YouTube é uma das principais fontes de receita da Jovem Pan. O Google, dono do YouTube, diminuiu o alcance do conteúdo da emissora no pós-eleições e suspendeu a monetização de canais do grupo, como revelou a revista Piauí.

Segundo a Folha de S.Paulo, quando questionado a respeito das trocas, saídas e demissões de bolsonaristas da Jovem Pan, Tutinha, dono do grupo, disse em reuniões internas que "a desobediência civil não sairá do meu bolso".

Volta do modelo feroz?

Se uma eventual aproximação com o governo e o YouTube não funcionarem, nada impede a Jovem Pan, e outros grupos de mídia, voltem a atacar ferozmente Lula. O pior inimigo é aquele que não tem nada a perder. Mesmo que o governo não coloque um único centavo na Jovem Pan, existe uma fiel audiência de direita. 

Serão dias difíceis para a empresa de Tutinha, mas não impossíveis. O grupo fez da redução de custos uma arte e não tem dívidas.

Mesmo que não exista um alinhamento ideológico entre o PT e os grupos de mídia tradicionais (e até as big techs), nos momentos de crise os interesses em comum podem realizar milagres.

A Jovem Pan e a mídia bolsonarista podem ser beneficiadas pelo governo Lula (e vice-versa) porque podem se beneficiar mutuamente. Afinal, sobrevivência vem antes da ideologia. Na política e na mídia não há espaço para os românticos.


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