COLUNA DE MÍDIA
REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Renato Machado e Francisco José foram demitidos da Globo após mais de 40 anos de trabalho
Nos últimos meses, a Globo tem alcançado resultados invejáveis. No terceiro trimestre, obteve lucro de R$ 142 milhões e reverteu o prejuízo de R$ 114 milhões registrado pela empresa nos dois trimestres anteriores.
A receita líquida da emissora alcançou R$ 3,7 bilhões entre julho e setembro, um aumento de 19% comparado ao mesmo período do ano passado e melhor resultado em quatro anos. No Globoplay, as notícias também são animadoras, com 70% de crescimento de receita da plataforma e aumento de 27% de assinantes no último trimestre.
Mas, se os resultados são tão positivos, o que explica a Globo seguir vendendo propriedades e realizando cortes, particularmente demitindo veteranos na área de Jornalismo?
Para especialistas ouvidos pela coluna, diante das incertezas que cercam o negócio de TV aberta e a cabo, cada vez mais impactado pela migração da audiência e assinantes para o digital, há duas principais explicações.
Primeiramente, as movimentações da emissora vão deixá-la ainda mais apta a sobreviver mesmo em um cenário adverso. Além disso, a melhora de resultados e redução dos custos tornam a Globo mais atraente caso decida buscar um investidor ou até mesmo um comprador.
"A grande questão para vender uma emissora não é o preço, mas sim o quanto ela pode retornar de dinheiro para o comprador no futuro. Várias emissoras gostariam de receber novos investimentos, mas há muita incerteza sobre o futuro da TV", diz um ex-presidente de canal de TV.
"Globo à parte, que tem a mais profissionalizada das estruturas de gestão, as empresas tradicionais de comunicação no Brasil têm dificuldade de mostrar um plano de negócios de longo prazo. E quem compra quer ver números", acrescenta o executivo de TV.
A Record é uma das poucas exceções. Bem capitalizada, a emissora, que recebeu 3,2 bilhões em 2020 de seu próprio banco, não tem interesse em ter sócios na operação, sejam nacionais ou estrangeiros.
A líder de audiência possui um caixa robusto, com cerca de R$ 12,5 bilhões disponíveis em suas contas. Porém, adotou uma estratégia diferente dos concorrentes. A emissora optou por realizar cortes e apostou todas as fichas no digital, redirecionando os investimentos da TV para o streaming. Além disso, realizou grandes vendas de ativos em 2021, reforçando ainda mais o caixa e reduzindo drasticamente os custos da operação.
A revisão dos modelos de contrato da empresa com os talentos, especialmente os de longa duração, é parte importante dessa mudança. A Globo cortou R$ 281 milhões em salários apenas no primeiro semestre.
A venda de propriedades, como a gravadora Som Livre, o data center da emissora, 17 torres de transmissão, além de 16 imóveis onde ficam parte das antenas, são outros indicadores importantes.
O analista de um banco com interesse em intermediar uma potencial venda da Globo diz que o mais fácil seria negociar a empresa em partes. Ele avalia que a família Marinho ainda estaria "longe de um consenso" sobre a venda. Mas lembra que "existe interesse no mercado pela marca e seus ativos". Para ele, a legislação brasileira, que limita a propriedade estrangeira em empresas de mídia a 30%, seria a maior barreira.
Em recente entrevista ao Notícias da TV, Manuel Belmar, diretor-geral de finanças da emissora, afirmou que "a Globo é um bicho em transformação".
Perguntado sobre as recentes conversas da empresa com bancos interessados em intermediar uma possível negociação, Belmar afirmou: "Converso com grandes bancos toda semana. Temos feito inúmeras associações e sempre exploramos parcerias. A TV é muito vertical, e temos a necessidade de explorar as adjacências. Também temos de considerar opções possíveis no longo prazo. É um mundo de parcerias".
Além disso, entre os acionistas da Globo existe um entendimento de fazer o que seja "melhor para o negócio".
A legislação de fato é uma grande barreira, mas só não mudou recentemente porque o presidente Jair Bolsonaro, a pedido da Record, barrou a alteração, como revelado pelo jornalista Julio Wiziack, na Folha de S.Paulo. Das grandes TVs, apenas a emissora de Edir Macedo se opõe à abertura de capital.
Os recentes resultados da líder de audiência são animadores, mas o crescimento dos custos com o Globoplay chamam a atenção. Nos nove primeiros meses de 2021, custos e despesas no grupo foram 28% maiores em relação ao mesmo período do ano passado.
Se tudo correr bem, apenas a partir de 2024 ou 2025 o Globoplay passará a dar lucro. Até lá, a TV aberta e a cabo "fecham" a conta da plataforma. O problema é que se o lucro do streaming não crescer na velocidade planejada, pode haver um descompasso entre receitas e custos.
O lucro da TV aberta e a cabo custeia boa parte do crescimento do streaming. Mas a tendência é que a TV aberta e a cabo sigam perdendo espaço para o digital cada vez mais rápido.
Se o plano de digitalização da Globo falhar ou não andar na velocidade necessária, ter um novo sócio será um caminho para que o Globoplay siga crescendo e a Globo não desacelere os planos de se tornar uma empresa direct to consumer (D2C).
Outro fantasma no horizonte é um prolongamento ou agravamento da crise econômica no Brasil, além de uma reeleição do governo Bolsonaro, notório adversário da emissora.
Não é segredo que o Jornalismo é uma atividade cara e pouco rentável (o mais comum é dar prejuízo). Na Globo, é no Jornalismo que estão alguns dos maiores salários e funcionários com mais tempo de casa. Por consequência, também existem os maiores passivos trabalhistas do fundo de garantia e rescisões.
Ao cortar os veteranos, além de reduzir salários e benefícios, a emissora diminui o passivo trabalhista, sempre uma preocupação a médio e longo prazo. A Globo é processada por mais de 17 mil ex-funcionários, somando os da Justiça do Trabalho com os da esfera cível. O valor dos pedidos e de condenações que a empresa já sofreu variam bastante, de R$ 30 mil a R$ 2,9 milhões.
Mas, principalmente, os cortes de veteranos permitem trazer novos jornalistas, mais influentes nas redes sociais e capazes de mover conversas nas plataformas digitais.
A CNN foi bem-sucedida ao desembarcar no Brasil e usar uma eficiente estratégia de contratar apresentadores com forte presença nas redes sociais. À medida que eles anunciavam em suas redes pessoais a novidade, mais e mais pessoas conheciam e interagiam com o canal de notícias.
As demissões de veteranos da Globo são um desafio para a imagem da emissora, mas fazem sentido do ponto de vista do negócio. Se a crise piorar, terão mais margem de manobra do ponto de vista financeiro. E caso apareça um investidor, quanto maior o lucro e crescimento digital (que é o futuro), mais fácil aumentar o preço para a venda.
A saída de veteranos como Renato Machado e Francisco José enfraquece o Jornalismo. Mas, mesmo neste sentido, isso pode ser uma vantagem do ponto de vista do negócio. Os maiores problemas da Globo com diferentes governos nasceram de sua grande influência e capacidade jornalística. Um Jornalismo menos "aguerrido" poderia até facilitar uma reaproximação dos poderes.
Consultada, a emissora afirmou por meio de sua assessoria de imprensa: "Como vem mostrando de forma clara e transparente, a Globo está em pleno processo de transformação para preparar a empresa para o futuro. Esse futuro, permeado pelos desafios da era digital, passa pela exploração de novas fontes de receita, pela eficiente gestão de custos, por uma empresa mais leve e com uma estrutura de despesas fixas e variáveis mais equilibrada, e com geração de valor em tudo o que faz".
Ainda segundo a comunicação da emissora, este processo "passa também pela busca contínua do desenvolvimento de nossas capacidades core e ainda pela aquisição de competências que são requeridas para suportar a estratégia D2C. É nesse contexto que revimos todos os nossos modelos de gestão, inclusive de talentos, sem que nada disso tenha a ver com a estrutura de capital da empresa".
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