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COLUNA DE MÍDIA

Facebook libera notícias na Austrália e vence a guerra com o governo

REPRODUÇÃO/YOUTUBE

Ruper Mudoch de terno e gravata, usando óculos, olhando para o lado

Rupert Murdoch em vídeo do YouTube; magnata da mídia pressiona políticos da Austrália

GUILHERME RAVACHE

ravache@proton.me

Publicado em 25/2/2021 - 6h50

O recente imbróglio da nova lei de mídia na Austrália dá pistas do que acontecerá globalmente à medida que governos se movimentam para aumentar a regulamentação (e impostos) sobre as redes sociais e a internet em geral. Canadá, França, Alemanha e Finlândia já discutem legislação semelhante. Mas a posição decidida do Facebook e a definição do governo australiano de ceder complicam o cenário.

Há três anos, pressionados pelo magnata Rupert Murdoch, os políticos da Austrália começaram a desenvolver uma lei para regular a relação da mídia impressa com as empresas de tecnologia. A proposta acabou se tornando um subsídio descarado para Murdoch, além de uma ameaça à internet como a conhecemos, já que obrigaria qualquer um que publicase um link a pagar para postá-lo. Mais sobre os detalhes da lei, aqui.

A resolução também tem exigências como informar aos editores qualquer mudança de algoritmo das plataformas com 30 dias de antecedência (o que nenhuma outra indústria tem acesso) e deixar a cargo do governo decidir os valores quando não houver um acordo entre editores e empresas de tecnologia. Para saber mais sobre os problemas da lei, clique aqui.

Mas, paralelamente, o parlamento australiano apresentou uma alternativa às plataformas. Se assinassem acordos voluntários suficientes com os editores, estariam isentos da lei. Não teriam que divulgar algoritmos, não precisariam ter o preço determinado pelo governo e os links não seriam taxados. Isso não foi escrito pelos políticos, mas ficou implícito nas conversas.

O Google se opôs à lei, mas se adiantou e fechou acordos para o News Showcase, no Google News, com grupos de mídia locais. O acordo não se aplica aos links de busca, mas permitiu ao Google "escapar" da resolução. Ou seja, a empresa pagou para ficar de fora da confusão.

O Facebook não esperou para saber se o governo da Austrália estava blefando e "desligou" as notícias no país tirando-as de sua plataforma, exatamente como a lei exigiria. Pegos de surpresa, o governo e a mídia local oscilaram entre o choque e a indignação. Seja como for, o tráfego da mídia local despencou, e a vida do Facebook, que tem menos de 4% de seu tráfego vindo de notícias, seguiu normalmente apesar das reclamações.

reprodução/youtube

Zuckerberg conversou com o governo australiano

A cartada do Facebook deu certo. O governo chamou Mark Zuckerberg para conversar e propôs mudanças na lei. Também abriu a porta para um acordo paralelo da rede social com a mídia local. Os termos e valores do acordo não foram divulgados.

Segundo Mike Isaac e Damien Cave no New York Times: "Na segunda-feira, o Facebook voltou à mesa de negociações depois que o governo australiano fez algumas pequenas concessões. Segundo várias emendas ao código, o Facebook teria mais tempo para fechar acordos com os editores, de forma que não fosse imediatamente forçado a fazer pagamentos definidos pelas empresas de mídia".

"As alterações também sugeriram que, se as plataformas digitais contribuíssem voluntariamente com dinheiro suficiente para a indústria de notícias australiana, as empresas poderiam evitar o código completamente, pelo menos por enquanto", completaram Isaac e Cave.

"Em troca, o Facebook concordou em restaurar links de notícias e artigos para usuários australianos 'nos próximos dias', de acordo com um comunicado de Josh Frydenberg, tesoureiro da Austrália, e Paul Fletcher, ministro das comunicações, infraestrutura, cidades e artes."

No Brasil, alguns veículos de mídia noticiaram que a empresa cedeu ao governo da Austrália. Não faz sentido. Como escreve Casey Newton no Platformer: "Antes dessas mudanças, o Facebook não tinha garantias de que o parlamento não o sujeitaria ao código de negociação, mesmo que fechasse um acordo com todas as editoras do país".

"No entanto, com estas alterações em vigor, o parlamento tem de avisar o Facebook com 30 dias de antecedência antes de o designar. E, de acordo com o código alterado, o parlamento se compromete a permitir que as plataformas evitem a designação se comprometerem [nas palavras do Times] dinheiro suficiente para a indústria australiana", finaliza.

Para matar qualquer dúvida sobre quem decidiu o que, vale ler a declaração de Campbell Brown, vice-presidente do Facebook para parcerias de notícias globais, ao Platformer.

Perguntado sobre qual o valor do acordo, ele respondeu: "Não temos detalhes sobre essa frente do governo. É por isso que é importante ter essa flexibilidade que o governo criou. Essa flexibilidade nos ajuda a seguir em frente e fazer negócios com os editores, ao mesmo tempo que nos avisa com 30 dias de antecedência antes de uma designação".

"Isso significa que podemos sair se estivermos preocupados com a designação estar levando a resultados irracionais, mas tenho esperança de que não haja necessidade para essa etapa", afirma Brown. Ou seja, se não funcionar, a plataforma retira novamente as notícias.

reprodução/microsoft

CEO da Microsoft; empresa apoia lei australiana

Já a Microsoft, ao ver a possibilidade do Google sair da Austrália, decidiu entrar na briga e apoiou a lei australiana. A saída da gigante de pesquisas do país seria a chance do Bing, buscador da Microsoft, liderar um mercado em algum país do mundo. Como conclui Benedict Evans: "Na verdade, até hoje a lei não parece se aplicar a ninguém, exceto talvez a Microsoft, que a endossou em um ato de oportunismo crasso para tentar causar problemas para um concorrente".

Mas veja o resultado da confusão. "Não sabemos quanto o Google e o Facebook estão pagando, embora saibamos que agora isso vai se espalhar (pelo mundo) --o populismo geralmente se espalha. Mas se você quiser tributar grandes empresas de tecnologia para subsidiar jornais, deve ser honesto e fazer isso, não redigir uma lei que não pode ser seguida para extorquir acordos que não podemos conhecer", afirma Evans.

Rupert Murdoch, que controla 70% de todo o mercado de notícias da Austrália, é o grande beneficiado pela resolução. Saiu mais rico, mas possivelmente com novos problemas.

Uma coalizão de ex-primeiros ministros da Austrália se reuniu para denunciar como o magnata usa sua influência para mudar os rumos da política, alimentar teorias conspiratórias e desacreditar até o aquecimento global. James, filho de Murdoch que trabalhou nas empresas de mídia do pai, já disse que o império da família é nocivo.

Semana passada, falando ao parlamento australiano em um inquérito sobre a diversidade da mídia, o ex-primeiro-ministro do país, Kevin Rudd, declarou: "Todo mundo está com medo de Murdoch. Há uma cultura de medo em todo o país", disse Rudd, que se tornou um crítico declarado do papel dominante da mídia do empresário na mídia impressa australiana.

"A verdade é que, como primeiro-ministro, eu tinha medo da mídia de Murdoch. Quando eu parei de ter medo? Provavelmente quando saí do prédio em 2013", afirmou.

Acima, tuíte do ex-primeiro-ministro da Austrália, Kevin Rudd, mostrando a cobertura da mídia local controlada por Rupert Murdoch; diferentes jornais, títulos idênticos atacando Rudd.

Por que isso importa?

Transparência é a chave para o jornalismo e também para as democracias. A nova lei australiana não é e nunca foi sobre pagar por conteúdo. É sobre subsídios e a influência de Rupert Murdoch na mídia local. Afinal, nenhum monopólio é saudável, seja digital ou impresso.


Este texto é argumentativo e não expressa necessariamente a opinião do Notícias da TV. A Coluna de Mídia é publicada toda quinta-feira.


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