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BÁSICO COM ANÚNCIOS

Anúncio no streaming: Especialista analisa futuro após estratégia arriscada da Netflix

FOTOS: DIVULGAÇÃO/NETFLIX

Lily Collins tem os cabelos castanhos na altura da cintura e usa franja; ela sorri e olha para um ponto além da câmera em cena da terceira temporada de Emily in Pris

Lily Collins como a protagonista de Emily in Paris; 3ª temporada entrou dia 21 na Netflix

SABRINA CASTRO

sabrina@noticiasdatv.com

Publicado em 29/12/2022 - 6h35

Bombardeada por concorrentes com planos econômicos, a Netflix optou por um caminho que pode ser um tiro no pé: lançar um pacote mais em conta, embora cheio de restrições. Entre ter acesso a apenas parte dos conteúdos, não conseguir assistir aos vídeos de forma offline ou encarar as produções com uma resolução bem mais baixa, a exibição de anúncios foi o fator que mais chamou a atenção do público.

Peças publicitárias de 15 a 30 segundos, somando em média quatro minutos de anúncios a cada hora de conteúdo, vão fazer parte do cotidiano dessa gama de consumidores. Parece pouco, mas a novidade suscitou debates sobre uma nova era do streaming. A Netflix, afinal, é o maior e mais influente nome nesse mercado, e é nítido que suas decisões de negócio acenderão um alerta na concorrência. Por isso, é de se questionar se os anúncios se tornarão comuns em empresas de audiovisual sob demanda.

Para Isadora Camargo, estrategista de conteúdo e comunicação digital e analista de tecnologias, tudo depende. Primeiro, análises aprofundadas darão o veredito sobre a eficiência do chamado "plano básico". São muitas nuances para se considerar, que ultrapassam o tamanho do lucro da empresa e só devem ser avaliadas em médio prazo, como revelou uma carta da empresa aos investidores divulgada pelo Estadão.

"Esperamos que a base de assinantes cresça gradualmente com o tempo. Nosso objetivo é dar a potenciais novos assinantes mais opções, e não tirar usuários atuais de seus planos", constava no comunicado, divulgado em outubro.

"Após um primeiro semestre desafiador, acreditamos que estamos no caminho para reacelerar o crescimento. A chave é agradar os assinantes. É por isso que sempre nos concentramos em vencer a competição por visualizações todos os dias. Quando nossas séries e filmes empolgam nossos membros, eles contam para seus amigos, e então mais pessoas assistem, se juntam e ficam conosco", dizia o informe.

É nesse último aspecto, o chamado "marketing boca a boca", que a empresa pode enfrentar sérias dificuldades com seu novo modelo de negócio. O espectador pode se irritar com os anúncios e rechaçar a empresa por todos os lados, o que dificultaria a aquisição de novos clientes e incentivaria outros a desistirem da empresa. Quem contrataria um serviço mal avaliado pelos outros, afinal?

Só que o incômodo também tem seus aspectos positivos. O consumidor pode ficar tão irritado que acabe optando por assinar um plano mais caro, sem as interrupções. São muitas possibilidades, e nada está cravado ainda. O único ponto unânime é que haverá um estranhamento com os anúncios.

Noah Centíneo em Recruta, outra estreia da Netflix este mês

Noah Centineo em Recruta, estreia da Netflix

Apesar de estar acostumado com os intervalos comerciais da TV aberta, da qual público brasileiro é um fiel consumidor, ninguém quer ter sua experiência interrompida por um anúncio. Ainda mais na Internet, espaço em que a atenção é constantemente disputada. Se a pessoa cansar de uma coisa, ela parte para a próxima. Não há tempo e paciência para insistir numa informação inoportuna.

"Os intervalos comerciais já são um hábito da TV aberta. No caso do streaming, não --embora haja o YouTube, que lançou os anúncios no meio do vídeo há um tempo, né? Mas a tendência é que as pessoas pulem o anúncio, ou não prestem atenção. Os anúncios na Internet ainda dizem respeito a Economia da Atenção [conceito no qual a atenção de uma pessoa é tratada como um produto escasso, e diversas teorias econômicas são usadas para resolver a questão de como gerenciar as informações]", explica Isadora.

Estratégia recente?

De fato, não foi a relação próxima entre o público brasileiro e a TV aberta que fez a plataforma apostar nessa estratégia. Aliás, o Brasil sequer foi o primeiro local em que a empresa implementou a novidade. O plano básico estreou no Canadá e no México, e depois chegou por aqui, na Austrália e na Alemanha. Hoje, 12 países integram o quadro: além dos já citados, Coreia do Sul, França, Itália, Estados Unidos, Japão, Espanha e Reino Unido possuem o plano.

Aliás, tampouco a exibição de anúncios no streamings é novidade. O Globoplay já usa essa estratégia faz tempo, especialmente quando o espectador opta por assistir a trechos dos programas selecionados pela companhia. A grande novidade agora é que, diferentemente da plataforma da Globo, o público pode escolher o plano com anúncios ou não. E, segundo Isadora, isso faz toda a diferença.

A experiência que causa mais conforto é a que está dentro do contexto de um público mais estressado, que não tem paciência. Por isso, o modelo que não tem anúncios é sempre melhor do ponto de vista da experiência do consumidor. Tem um grande chance de uma pessoa que usa o plano básico migrar para o plano avançado, porque vai ter o controle daquela experiência. No caso do plano básico, o controle está na mão da empresa.

Ampliando mais o radar, o Spotify, que oferece conteúdo de áudio sob demanda, também usa os anúncios como parte de seu modelo de negócio. Lá, o público tem acesso gratuitamente a apenas uma parte do material oferecido, com restrições diárias e com transmissão também interrompidas por anúncios. 

A questão é que o objetivo da empresa é justamente ter o maior número de possível de pessoas dentro da plataforma, para depois tentar fidelizá-las como clientes. O Globoplay já os tem; a Netflix quer conquistar o público dos concorrentes.

Além disso, no caso do audiovisual, não dá para a gigante do streaming simplesmente não cobrar nada. Os direitos autorais das obras, normalmente creditados às produtoras parceiras, exigem que a distribuidora repasse parte dos lucros. 

Por que agora?

A divulgação do plano básico com anúncios veio pouco depois de o número de assinantes da Netflix sofrer a primeira queda em 11 anos --a perda foi de 1,2 milhão de assinantes só nos dois primeiros trimestres desse ano, embora o índice tenha se recuperado no terceiro trimestre, com 2,4 milhões de assinantes novos. 

Não foi o único resultado negativo neste ano. A plataforma de streaming foi a companhia que mais caiu em 2022 no S&P 500, índice do mercado financeiro composto pelas 505 maiores empresas listadas nas bolsas norte-americanas. A gigante só conseguiu acalmar os investidores ao prometer dar um jeito nas contas até 2024. E o pacote básico com anúncios tem sua importância nisso, bem como a cobrança de taxa para os usuários que compartilham senhas.

Para Isadora, contudo, a queima de dinheiro não foi o maior motivo para a emissora optar pelo plano com publicidade. A grande tacada da Netflix é conquistar uma audiência mais jovem, normalmente com menor poder aquisitivo, a exemplo do HBO Max.

Esse é o objetivo da maioria das plataformas de streaming, aliás. O Globoplay tem suas próprias ações nesse sentido, como estratégias específicas na cobertura da Copa do Mundo. A emissora transmitiu simultaneamente os jogos na TV aberta e no streaming, mas com narrações e formatos diferentes. Não foi coincidência o fato de Tiago Leifert, mais conectado com o público jovem, estar no streaming.

Com tudo isso em jogo, não dá para cravar se os anúncios serão ou não uma realidade em todas as outras companhias. O que as empresas devem levar em consideração é que o público precisa ter escolha se quer lidar com essas interrupções mas economizar, ou se prefere ter uma experiência mais confortável. 


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