APICHATPONG WEERASETHAKUL
FOTOS: REPRODUÇÃO/IMBD
Tilda Swinton em cena de Memória; filme de Apichatpong Weerasethakul concorre à Palma de Ouro
Apichatpong Weerasethakul pode soar como uma "sopa de letrinhas" para boa parte dos espectadores brasileiros, e o próprio diretor não se incomoda com o apelido de "Joe" que ganhou pelas suas constantes incursões ao Festival de Cannes. Ele volta à Riviera Francesa em 2021 para tentar ganhar a Palma de Ouro pela segunda vez com Memória --filme capaz de arrancar aplausos e bocejos, sem o menor problema.
O tailandês já tinha causado cizânia ao vencer o grande prêmio pela primeira vez com Tio Boome, que Pode Recordar suas Vidas Passadas (2010). O troféu foi suficiente para que ele deixasse o circuito paralelo das mostras universitárias para ganhar espaço em mais salas de cinema, ainda que tenha sido veementemente rechaçado nas redes sociais.
O longa-metragem não foi unanimidade nem para os críticos, que o resumiram como "nonsense", "tosco" ou "surto místico" para lidar com uma narrativa que vai de encontro à quase totalidade das regras e leis não só do cinema hollywoodiano, mas também da cena alternativa na Europa e nos Estados Unidos.
Afinal, Weerasethakul não dá a menor atenção à história, que parece mais um fiapo narrativo para quem cresceu acostumado com o ritmo e as reviravoltas das produções da Sessão da Tarde. Ou da Netflix, para quem nasceu quando a televisão de tubo já não era mais uma realidade palpável.
Não à toa, é quase impossível formular uma sinopse para o drama de Boome (Thanapat Saisaymar). À beira da morte, ele decide se juntar a alguns familiares em uma casa na floresta, onde recebe a ajuda do espírito da mulher e do filho, metamorfoseado em outra forma de existência, para fazer a passagem. E, a partir daí, o resto é história --com o perdão do trocadilho.
Tio Boome, que Pode Recordar Vidas Passadas
O filme não é necessariamente sobre o processo de morte desse tio, mas sobre todos os sentimentos e sensações que a despedida causa nele e no mundo à sua volta. Muitas delas não são inteligíveis por palavras ou sequer podem ser descritas, o que se traduz em imagens que podem parecer insólitas para quem não conhece a filmografia de Weerasethakul.
Tio Boome é até comedido perto de outras obras, como Mal dos Trópicos (2004) e Síndromes e Um Século (2007), que vão mais fundo ainda nessa estética que parte da crítica e da academia chama de "sensacionismo" ---em que as sensações, que incluem até mesmo o sono, tomam esse lugar privilegiado da narrativa.
Essa tendência é talvez mais forte dentro da Ásia, com nomes como o taiwanês Hou Hsiao-Hsien ou a japonesa Naomi Kawase, mas está bem longe de poder ser classificada (preconceituosamente) como mais um fenômeno "exótico" de um "oriente" idealizado.
Memória, aliás, tem um trunfo para sair do festival francês e conseguir vencer a resistência dos espectadores nas salas de "cinema de arte" no Brasil. Com Tilda Swinton como seu principal rosto, o filme pode furar essa bolha de "exotismo" em torno da figura de Weerasethakul e provar que boa parte das críticas anteriores talvez tenham um fundo de preconceito.
No fim das contas, é preciso se perguntar: se o diretor tailandês fosse um homem branco, será que ele não se tornaria tão avant-garde (para frente, em francês) quanto o dinarmaquês Lars Von Trier ou o americano Terrence Mallik? Uma resposta que Cannes, talvez, ainda não possa dar.
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