SABÁ DAS BRUXAS
REPRODUÇÃO/NETFLIX
Ana (Amaia Aberasturi) arma ritual satânico para enganar inquisidores em Silenciadas, a Netflix
Uma aposta arriscada da Netflix, Silenciadas (2020) se tornou um dos três filmes mais vistos pelos brasileiros no serviço de streaming no último fim de semana. Um feito e tanto para uma produção falada em euskera, língua que intriga os pesquisadores há séculos por não ter relação com qualquer outro idioma --e que soa ainda mais misteriosa ao ser entoada pelas bruxas da história.
Ambientada no século 16, a história acompanha o juiz Rostegui (Alex Brendemühl), designado pela Inquisição para investigar um clã de bruxas no País Basco, no extremo norte da Espanha. Ele prende e julga sumariamente seis jovens por participarem de uma seita satânica na região, em uma demonstração de poder da Coroa para conter as revoltas locais.
Ana (Amaia Aberasturi) convence as prisioneiras a fingirem que realmente são feiticeiras a fim de postergarem a execução na fogueira. Elas prometem mostrar ao inquisidor todos os passos para invocar Lúcifer, mas precisam esperar até a lua cheia --justamente quando os homens de sua aldeia voltam de uma temporada em alto-mar e, enfim, podem dar por falta das meninas.
A narrativa fica ainda mais intrincada por ser baseada em eventos reais romanceados no livro A Feiticeira, escrito por Jules Michelet (1798-1874). O diretor Pablo Agüero, no entanto, dá ainda mais veracidade ao colocar suas protagonistas para conversarem em euskera entre si.
A sonoridade única produz um estranhamento no telespectador, que se questiona se aquela língua realmente existe ou se é apenas uma invenção das jovens para enganar Rostegui. Aos poucos, a dúvida também se estende para o comportamento ambíguo das meninas: elas são bruxas realmente ou tudo não passa de uma alucinação coletiva?
O euskera serve para delimitar todas as dicotomias do filme, que vão muito além de bem e mal, cristianismo e paganismo, Deus e o diabo. Ele também tensiona a atração sexual entre o magistrado, que não entende uma só palavra e se comunica apenas em espanhol, e Ana --que abraça a imagem estereotipada da "selvagem" para seduzi-lo e escapar da morte horrenda.
Agüero, nas entrelinhas, também evoca o conflito dos bascos com o governo central de Madri em busca de independência, que se arrasta durante séculos e atingiu o seu ápice durante a o governo de Francisco Franco (1892-1975). O ditador proibiu o ensino da língua e baniu os seus falantes das ruas em uma, sem o perdão do trocadilho, "caça às bruxas".
A repressão levou à formação do grupo terrorista ETA (Pátria Basca e Liberdade), cujos atentados coincidentemente permeiam a minissérie Pátria (2020), da HBO. A produção também se passa em território basco, mas, ao contrário do conteúdo da Netflix, é inteiramente falada em espanhol --de olho em um mercado muito maior do que os "parcos" 700 mil falantes de euskera.
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