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'MEU REI' TÁ DIFERENTE

Carnaval da Netflix despreza tradições e peca em pesquisa sobre Salvador

DIVULGAÇÃO/NETFLIX

Elenco de Carnaval, da Netflix, reunido em tabuleiro de baiana de acarajé no Pelourinho, em Salvador

Elenco de Carnaval, da Netflix, reunido em tabuleiro de baiana de acarajé no Pelourinho, em Salvador

LUIZA LEÃO

luiza@noticiasdatv.com

Publicado em 13/7/2021 - 6h20

Mesmo sem colocar o clichê "meu rei" em Carnaval (2021), a Netflix pecou na pesquisa sobre o festejo de Salvador na produção do seu filme original. Desprezou tradições, ignorou critérios básicos de localização e usou a licença poética para abusar da boa vontade dos conhecedores da folia de Momo da capital baiana, uma das mais famosas do país. 

O filme conta a história de quatro amigas que ganham uma viagem para Salvador em pleno Carnaval, após a blogueira Nina (Giovana Cordeiro) levar um chifre do namorado e virar meme. A convite de Freddy (Micael Borges), um cantor de axé em ascensão, a influenciadora digital viaja com Michele (GKay), Vivi (Samya Pascotto) e Mayra (Bruna Inocencio) para conhecer a "energia" do baiano.

Apesar de evitar clichês, como o uso da expressão "meu rei" --que ninguém fala--, o filme gourmetiza a folia de rua e ignora princípios básicos de pesquisa. Um simples Google ajudaria no roteiro.

[Atenção: spoilers de Carnaval abaixo]

O primeiro --e mais absurdo-- erro do longa envolve a personagem Mayra (Bruna Inocencio). Companheira mais antiga da protagonista, a jovem tímida é levada para o meio da concentração dos trios, na Barra, em Salvador. Ela tem pavor a multidão e se perde antes de conseguir subir no palco itinerante de Durval Lelys com a melhor amiga. A turista, perdida e assustada, vai parar no Pelourinho. 

Acontece que os dois lugares não têm ligação alguma. O início do circuito Barra-Ondina fica a quase 6 quilômetros da Escadaria do Paço, conhecida por ter sido cenário de O Pagador de Promessas (1962). Por lá, a garota é fortalecida pela fé e consegue encontrar forças para superar o trauma e reencontrar a amiga. A pé, a caminhada dura mais de uma hora (veja o mapa abaixo).

Se perder na Barra e ir parar no Pelourinho, mais precisamente na região do Carmo, é tão absurdo quanto alguém tropeçar na rua 25 de Março, em São Paulo, e cair em frente ao Masp (Museu de Arte de São Paulo).

reprodução/google maps

Hospedagem tão, tão distante

A menos que se tenha um helicóptero, se hospedar em Praia do Forte, no município de Mata de São João, e ir passar o Carnaval em Salvador não faz sentido algum. O Tivoli Ecoresort, onde as protagonistas se hospedam, fica a 85 quilômetros do ponto onde é construída anualmente a estrutura do Camarote Skol, sede do longa.

O problema não é apenas o bate e volta. Sair do circuito do Carnaval é uma tarefa árdua para motoristas de táxi, ônibus e van. Todo mundo sabe, inclusive Bruna Marquezine e Carlinhos Brown, que o transporte mais eficiente para transitar em Salvador durante a folia é o mototáxi.

Ainda sobre o trânsito, não existe a possibilidade de trafegar na região do Dique do Tororó sem enfrentar um engarrafamento. Ver os orixás só de passagem como no filme? Só se for durante a semana e em um horário fora de pico. A tradição mesmo é passar horas preso no congestionamento.

Tradição ignorada

O afoxé Filhos de Gandhy, constituído exclusivamente por homens e inspirado nos princípios de não violência e paz do ativista indiano Mahatma Gandhi (1869-1948), tem o vestuário famoso. Mais famoso ainda do que os lençóis e toalhas brancos como fantasia são os colares em contas azuis e brancas. Eles foram ressignificados com o passar dos anos e viraram uma espécie de escambo carnavalesco: um colar por um beijo.

Ao fim da folia, é comum vermos soteropolitanos contabilizando o número de colares, ou de beijos, trocados. Mas a brincadeira passou despercebida até para a personagem de GKay, a mais beijoqueira entre as amigas viajantes. 

divulgação/netflix

Gkay vive a beijoqueira Michele em Carnaval

Carnaval 2, fica a dica!

Para Carnaval ter mais a cara da folia de Salvador, uma boa ideia para o roteiro seria ilustrar a anual gripe carnavalesca no filme. Após os festejos, uma virose toma conta da capital baiana e, carinhosamente, é batizada com o nome da música mais tocada no ano.

Lepo Lepo (de Psirico), Dalila (Ivete Sangalo) e Santinha (Léo Santana) já foram alguns nomes de batismo do vírus gripal. No caso de Carnaval, a sugestão seria Intimidade com o Chão, hit de Freddy.

Nada de drinques! O que não pode faltar no Carnaval raiz mesmo é a "piriguete". Quem gosta de "comer água" (beber muito) durante a folia sabe que é o melhor custo-benefício para curtir a farra alcoólica nos blocos de rua. Nas mãos dos camelôs, três latinhas de cerveja custam R$ 5. 

E um pega-turista original do Pelourinho é pintar o viajante para a Timbalada. A situação ficou bem conhecida no filme Ó Paí, Ó (2007), quando Rosa (Emanuelle Araújo) pede ajuda de Roque (Lázaro Ramos) para curtir o bloco. Ainda hoje, jovens ficam com tinta e pincel em mãos à espera de turistas empolgados a serem pintados --em troca de alguns trocados, claro.


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