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MERCADO EM CRISE

Crise? Entenda por que a Globo foi à Justiça contra a Fifa e pode ficar sem Copa

Reprodução/TV Globo

O locutor Galvão Bueno em participação ao vivo no Jornal Nacional durante a Copa do Mundo da Rússia, em 2018

Galvão Bueno no Jornal Nacional durante a Copa da Rússia; locutor pode ficar fora da Copa do Qatar em 2022

DANIEL CASTRO e LUCIANO GUARALDO

dcastro@noticiasdatv.com

Publicado em 29/6/2020 - 8h16
Atualizado em 29/6/2020 - 17h04

A inédita decisão da Globo de ir à Justiça do Brasil e da Suíça para rever um contrato de US$ 600 milhões com a Fifa acendeu um alerta vermelho no mercado. Para não ter que pagar uma parcela de US$ 90 milhões (cerca de R$ 460 milhões), que vence nesta terça (30), a Globo colocou em risco o direito de transmitir a Copa do Mundo de 2022, ameaçando uma tradição de 50 anos para os telespectadores brasileiros, desde a Copa de 1970. Para analistas, a emissora está sinalizando que poderá ter dificuldades para honrar pagamentos.

A Globo já sobreviveu a uma grave crise, no início dos anos 2000, que lhe custou investimentos bilionários na antiga Globo Cabo e o controle da Net (hoje Claro). O que preocupa fontes ouvidas pelo Notícias da TV é que a atual crise se apresenta mais complexa, pois mistura a recessão econômica causada pela Covid-19 e a incerteza quanto à duração da pandemia com fatores permanentes, como mudança tecnológica e o aumento da concorrência (principalmente com o streaming), além da queda acentuada nas receitas com assinaturas de seus canais pagos.

Segundo balanço contábil, a Globo fechou 2019 com um caixa de R$ 10,5 bilhões, o equivalente a 3,3 vezes o seu débito total à época, mas o gesto de não pagar uma conta de US$ 90 milhões junto à poderosa Fifa passa ao mercado a mensagem de que o grupo de mídia está inseguro quanto ao cumprimento de obrigações no futuro.

"Mesmo que os executivos da Globo equacionem o problema financeiro no curto prazo, a capacidade de adaptação no longo prazo está comprometida", afirma um experimentado conhecedor do grupo.

A Globo rejeita estar com dificuldades de caixa e insegura quanto ao futuro, mas não nega que a pandemia acelerou seu processo de transformação digital e de redução de custos, o que inclui a dispensa de talentos como Miguel Falabella e Vera Fischer. A emissora reconhece que está revendo "portfólio, propriedades e direitos". "A negociação com a Fifa se dá exatamente nesse contexto", informou ela em nota ao Notícias da TV (leia mais no final deste texto).

lucas figueiredo/cbf

Neymar e Willian no último amistoso da Seleção Brasileira antes da Copa do Mundo de 2018


Ex-executivo vê 'gesto de desespero' da Globo

Apesar de a Globo ter sinalizado no início do mês que iria rever acordos, a decisão de ir à Justiça com uma ação em que praticamente rescinde o contrato que inclui os direitos da Copa do Qatar surpreendeu quem trabalha com TV e publicidade no país.

Para um ex-executivo do Grupo Globo, que pede para não ser identificado, não pagar a parcela de US$ 90 milhões da Fifa significa que a emissora "abriu mão do amanhã para não morrer hoje". "Foi um gesto de desespero", sentencia.

Apesar do caixa cheio no fim de 2019, a Globo tem perdido receitas com publicidade desde 2015 --saiu de um patamar de quase R$ 12 bilhões anuais, em 2014, para R$ 9,7 bilhões em 2019. E neste ano o tombo vai ser muito maior. Segundo fontes da própria emissora, suas vendas caíram 40% no trimestre que se encerra amanhã. Se continuar assim, ela vai faturar uns R$ 4 bilhões a menos em 2020.

O problema é que a emissora custa bem mais do que os R$ 6 bilhões anuais que pode faturar em 2020. No ano passado, gastou R$ 10,258 bilhões e teve um prejuízo operacional de R$ 573 milhões. Só não fechou no vermelho pelo terceiro ano consecutivo por causa das receitas com aplicações financeiras e dos resultados da Globosat, que elevaram seu faturamento total para R$ 14,1 bilhões, gerando um lucro de R$ 752 milhões.

Mas a Globosat, agora incorporada à Globo no projeto Uma Só Globo, também está sofrendo com a crise. Vai ser a maior impactada pela queda de 20% a 25% no número de assinantes de TV paga neste ano. Sem eventos esportivos, seus canais Premiere já perderam mais de 400 mil assinantes desde o início da pandemia.

"A Globosat sem futebol é nada, e a Globo sem a Globosat quebra, como mostram os últimos balanços", sentencia o ex-diretor do grupo. Segundo ele, um agravante é a falta de perspectiva para a retomada plena da produção de novelas, que respondem por quase 70% de seu faturamento.

A emissora planeja voltar a gravar Amor de Mãe em 27 de julho e exibi-la a partir de setembro. Mas já cogita reprisar outra trama na faixa das 21h, após Amor de Mãe, porque não vai dar tempo de ter uma frente segura de capítulos de sua sucessora, Um Lugar ao Sol. Gravar novelas na pandemia tomará muito mais tempo, com o uso de efeitos visuais para simples beijos e abraços. Será muito mais caro também.

j0ão cotta/tv globo

Atores de Amor de Mãe em cena que será difícil de realizar enquanto durar a pandemia

Emissora teve nota de crédito rebaixada em abril

Embora fature três vezes mais do que Record e SBT juntas, a Globo pode sofrer mais com o novo coronavírus do que suas concorrentes por causa de sua estrutura vertical. Ela faz tudo o que necessita para realizar novelas, programas e telejornais. Da caixa de fósforo que é apenas um detalhe do cenário à edição final do capítulo.

Em abril, a agência de análise de investimentos Moody's já alertava para esse problema estrutural, quando rebaixou sua nota de crédito de Ba1 estável para Ba1 negativo. Para a Moody's, a Globo ficou "vulnerável às mudanças do mercado em condições de operação nunca antes vistas" e "permanece vulnerável à pandemia que continua se espalhando".

"A mudança na classificação para 'negativo' foi tomada devido à queda acentuada na receita e nas margens previstas para 2020 como resultado de uma demanda menor por publicidade combinada com os altos custos fixos da Globo. Além disso, a desvalorização do real vai piorar as medidas de crédito da empresa, dada que a maior parte de suas dívidas é em dólares, e boa parte de suas receitas em real", justificou a Moody's.

"A competição crescente de plataformas de streaming e propagandas em mídias digitais contra a TV aberta tradicional e a TV paga também foi considerada na classificação 'negativa'. Por outro lado, nós esperamos que a Globo vá gerenciar com prudência os seus gastos e a distribuição de dividendos para manter a liquidez necessária para cumprir com suas obrigações financeiras", escreveu a agência no relatório de abril.

A Moody's salienta, contudo, que a Globo tem "crédito e liquidez sólidos" e que seu "conteúdo de alta qualidade" também "é um ponto positivo". Lembra que a empresa "executou uma gestão de responsabilidades no início de 2020, emitindo [títulos de] US$ 500 milhões que vencem em 2030 e pagando US$ 300 milhões em notas promissórias que venceriam em 2022, o que resultou em um perfil mais forte de débito e liquidez".

Emissora diz que acordos ficaram 'desequilibrados'

A Globo nega que esteja prevendo dificuldades de caixa e diz que a renegociação do contrato com a Fifa se fez necessária porque "acordos previamente negociados ficaram desequilibrados" diante da nova realidade econômica. Confira a nota:

"O mundo está vivendo um dos seus momentos mais desafiadores, inclusive no campo econômico. Isso tem obrigado as empresas dos mais variados mercados e setores a reverem seus custos e acordos. Esta não é uma realidade exclusiva do Brasil, nem mesmo da Globo; ocorre também com outros players e em outros mercados, todos impelidos a buscar uma revisão de seus compromissos adequados a este novo momento. É nesse cenário que a Globo procurou a Fifa para renegociar esse contrato."

"Os impactos causados pela pandemia da Covid-19, que também afetou profundamente o calendário esportivo, com o adiamento e/ou cancelamento de alguns eventos, se somaram à crise econômica que o Brasil vem atravessando nos últimos anos, e alguns acordos previamente negociados ficaram desequilibrados à luz de todo esse quadro. Isso não significa qualquer falta de confiança da Globo em continuar investindo em seu processo de transformação e crescimento; ao contrário, é prova da coerência da empresa com a disciplina econômica e financeira que norteia suas operações."


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