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ANÁLISE

Globo foi hipócrita e usou demissão de Lívia Torres para dar exemplo

Rodrigo Ferreira/CBF

A jornalista Lívia Torres em evento da CBF que sorteou mando de campo das semifinais da Copa do Brasil; ela veste regata verde e está à frente de logomarcas

Lívia Torres em evento da CBF: repórter foi demitida por aparecer junto a marcas que apoiam a Copa do Brasil

DANIEL CASTRO

dcastro@noticiasdatv.com

Publicado em 19/7/2023 - 7h00
Atualizado em 20/7/2023 - 14h58

A demissão da repórter Lívia Torres, por ela ter apresentado um evento da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), foi um ato duro e hipócrita da Globo. Hipocrisia porque a emissora costuma tolerar que profissionais exerçam atividades externas até mais comprometedoras. Lívia foi usada como um exemplo para todos os repórteres de que ações proibidas nos Princípios Editoriais do Grupo Globo não serão mais punidas apenas com advertências, mas com demissão.

Repórter de notícias locais do Rio de Janeiro, Lívia atuou na segunda-feira (17) como apresentadora do sorteio dos mandos de campo das semifinais da Copa do Brasil. Ela viu no convite da CBF uma oportunidade de ganhar em algumas horas mais do que recebia durante todo um mês da Globo --repórteres como ela recebem no máximo R$ 10 mil.

Os direitos de transmissão da Copa do Brasil na TV aberta pertencem à Globo e a CBF, em tese, é parceira da emissora. O problema é que, além de participado do evento sem pedir autorização dos chefes, Lívia apareceu junto a marcas que patrocinam a CBF, como lhe foi dito no ato da demissão, e o sorteio foi transmitido no YouTube e pelo SporTV, da própria Globo.

A Globo trata iguais de maneira diferente. Jornalistas do departamento de Esportes podem participar de eventos como o da CBF, mas jornalistas do departamento de Jornalismo, não. Tanto que Bárbara Coelho e Carol Barcellos já apresentaram sorteios da mesma Copa do Brasil.

Dois pesos, duas medidas

A Globo também diferencia jornalistas apresentadores de jornalistas repórteres. Repórteres como Lívia Torres são proibidos, em contrato, de atuarem como apresentadores de eventos. Mas apresentadores de telejornais podem ganhar um extra como mestres de cerimônias e palestrantes. Podem até fazer presença VIP, desde que esses eventos sejam fechados, não tenham transmissão pela internet ou TV.

Os Princípios Editoriais do Grupo Globo, que norteiam a conduta dos jornalistas da casa, não falam especificamente de eventos como o da CBF. Mas vetam ações que possam comprometer a "isenção" do jornalismo da casa, como declarar preferência partidária ou de clube de futebol.

Jornalista do departamento de Jornalismo, de forma alguma, pode fazer publicidade. Recentemente, os jornalistas da área esportiva ganharam esse direito, mas precisam de autorização e aprovação da emissora antes de gravar um comercial.

Em uma atualização de 2018, os Princípios Editoriais impuseram normas de atuação em redes sociais. Os jornalistas da Globo não devem marcar estabelecimentos ou empresas no Instagram, por exemplo. E devem tomar cuidado com o que falam em grupos de WhatsApp, porque isso pode vazar e comprometer a "isenção" da emissora.

De acordo com as normas da Globo, Alex Escobar pode fazer propaganda de supermercado, mas William Bonner está proibido de sequer citar numa rede social o nome de um hotel em que adorou se hospedar (e pagou por isso).

Uma busca na internet mostra que muitos jornalistas da Globo atuam como apresentadores de eventos. A empresa Dialethos Eventos, por exemplo, oferece apresentações de Sandra Annenberg, Ana Paula Araújo e Heraldo Pereira. E de muitos outros. André Trigueiro faz talk show, segundo o site da Dialethos. Ana Luiza Guimarães e Leilane Neubarth são oferecidas até para "presença VIP", como se fossem atores ou ex-BBBs.

Reprodução

LinkedIn de Silvana Ramiro oferecia media training; ela alterou perfil

O LinkedIn entrega casos mais graves. Flávio Fachel, apresentador do Bom Dia Rio, participou recentemente de um media training, ou seja, ensinou a executivos de uma empresa como driblar jornalistas.

Colega de bancada de Fachel, Silvana Ramiro fazia até esta quarta-feira (19) propaganda na rede social corporativa de seus serviços de media training e gerenciamento de crises; isto é, ela ajudava empresários e empresas a reduzirem os danos de escândalos, principalmente diante de jornalistas.

Após a publicação deste texto no Notícias da TV, ela alterou sua página profissional. Retirou a imagem de capa (vide acima) em que oferecia seus serviços e agora se descreve apenas como "Apresentadora | Carioca | Madrugadora". Antes, se vendia como "Apresentadora de TV | Treinamentos em Comunicação | Media Training | Gerenciamento de Crise | Mentoria Executiva | Mestre de Cerimônias | Mediações e Palestras".

Isso, sim, é contraditório ao jornalista que atua em empresa de jornalismo e muito mais grave do que aparecer à frente de banner com logomarcas de patrocinadores da CBF.

Outro lado: O que diz a Globo

A Globo, por meio de sua área de Comunicação, disse que "não comenta casos específicos, mas enfatiza que as regras para participação de jornalistas nos eventos relacionados pelo Notícias da TV são de amplo conhecimento interno. Devem ser precedidas de autorização da chefia, devem ocorrer em eventos fechados e sem transmissão pública".

Após a publicação deste texto, a Globo também afirmou que a empresa Dialethos Eventos não tem autorização para vender apresentações de Sandra Annenberg, Ana Paula Araújo e Heraldo Pereira; talk show de André Trigueiro e presença VIP de Ana Luiza Guimarães e Leilane Neubarth.

"A Globo informa que os jornalistas listados na matéria associados à empresa agenciadora de palestras nunca autorizaram o uso de seus nomes no catálogo da empresa e nunca se beneficiaram disso."

Procurada, Lívia Torres preferiu não falar.


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