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EM NOME DE DEUS

Farsa de João de Deus inaugura núcleo de documentários de Pedro Bial na Globo

Reprodução/Globoplay

De branco, o médium João de Deus introduz metal no nariz de seguidor em imagem de cirurgia espiritual reproduzida pela série Em Nome de Deus;

João de Deus introduz metal no nariz de seguidor em imagem reproduzida pela série Em Nome de Deus

DANIEL CASTRO

dcastro@noticiasdatv.com

Publicado em 21/6/2020 - 6h17
Atualizado em 21/6/2020 - 7h34

A Globo estreia nesta terça-feira (23) a série Em Nome de Deus, primeira produção de um núcleo de documentários comandado pelo jornalista Pedro Bial, o Conversa.doc. Em seis episódios de aproximadamente 50 minutos, o projeto traça toda a trajetória do médium João Teixeira de Faria, 77 anos, o João de Deus, que em 7 de dezembro de 2018 deixou de ser quase um santo e passou a ser visto como um cruel abusador e estuprador de mulheres, graças ao programa Conversa com Bial, da Globo.

O primeiro episódio é dedicado aos tensos bastidores do furo de reportagem de uma roteirista curiosa e de um apresentador cético. Nos demais, Em Nome de Deus se propõe ir a fundo e revelar como João de Deus conseguiu passar impune fazendo centenas de vítimas (mais de 350 o denunciaram), durante mais de quatro décadas, e ainda assim construiu e manteve uma imagem poderosa, de homem que fazia milagres, era adorado por celebridades como Xuxa Meneghel e amigo de gente importante em Brasília.

Em um trabalho de 18 meses, a equipe de Bial busca desvendar como funcionava a rede de proteção a João de Deus. Reúne em estúdio seis mulheres vítimas do médium, entre elas a própria filha, abusada aos 10 anos.

Vai à Holanda, onde vive a mulher que teve a coragem de fazer a primeira denúncia, e à cidade de Sedona, no Arizona (Estados Unidos), onde a polícia investigou um caso de abuso em 2010. Mostra que, em 2014, João de Deus foi personagem central de uma edição do 60 Minutes da Austrália, que lhe perguntou se já havia assediado sexualmente alguma seguidora --e ele respondeu: "A sua mãe". (veja o vídeo aqui)

"O fato é que, revendo a trajetória de João de Deus, você vê que ele deixou pistas e rastros dos seus malfeitos, mas nada acontecia. Era como se as pessoas não vissem, ou não quisessem acreditar, ou estavam fingindo que não estavam vendo", diz Pedro Bial na introdução do documentário. 

Divulgação/globo

Pedro Bial durante entrevista para o documentário que estreia no Globoplay na terça (23)


O começo de tudo

No documentário, Pedro Bial cede o protagonismo a Camila Appel, uma jornalista com formação em Administração de Empresas pela FGV e mestrado em Antropologia pela London School of Economics and Political Science. É ela a maior responsável pelo grande furo da mídia nacional no final de 2018.

Desde antes da estreia do Conversa com Bial, em 2017, Bial tentava entrevistar João de Deus. Em outubro de 2018, as conversas avançaram, e o jornalista foi fazer a "lição de casa". Ao assistir um documentário, ironicamente chamado "O Silêncio É uma Prece", Bial mudou de ideia e cancelou uma viagem a Abadiânia (GO), onde o curandeiro atendia a centenas de seguidores desesperados todos os dias e "realizava cirurgias espirituais", introduzindo metais ou cortando as pessoas.

"O que me fez decidir não ir a Abadiânia foi que eu percebi que, aliás isso era verbalizado por ele [João de Deus]: 'Eu não peço nada a ninguém que venha aqui, nós não pedimos nada, apenas fé'. E isso eu não tinha, fé naquilo eu não tinha, não tenho e não teria pra dar", conta Bial.

"A minha visita seria a visita de, detesto essa palavra, uma celebridade. A minha presença soaria como aval, como ocorreu com Oprah Winfrey. Sou super-cético e achei no mínimo estranhas as histórias que ouvi", justificou Bial em uma entrevista coletiva virtual na última sexta (19).

Foi então que Camila entrou em ação. "Quando fiquei sabendo que o Pedro cancelou [a entrevista], eu tive a iniciativa de perguntar a algumas pessoas próximas a mim o que elas sabiam sobre ele [João de Deus]", diz a roteirista do Conversa com Bial.

"Foi uma amiga minha, que eu sabia que ia muito pra lá [no centro espiritual de Abadiânia], e eu me lembro de ter ficado impressionada quando ela me contou que segurava a bandeja que tinha os instrumentos das cirurgias espirituais. Se ela segurava essa bandeja, ela teve uma posição ali, naquela estrutura. Eu liguei para essa minha amiga e falei assim: 'Olha que interessante, a entrevista foi cancelada'. E ela falou pra mim: 'Então vem aqui que eu quero te contar uma coisa'".

Esse foi o pontapé de uma investigação jornalística que durou quase três meses. Camila identificou e entrevistou várias mulheres que revelaram ter sofrido um padrão de abuso, mas que tinham medo, inclusive de alguma "retaliação espiritual", e por isso não expunham João de Deus. Até que ela descobriu a coreógrafa holandesa Zahira Mous, que deu cara às denúncias e viabilizou a edição do Conversa com Bial que acabou com a reputação de João de Deus.

Em Nome de Deus mostra esses bastidores e o que aconteceu depois, até a concessão, em março deste ano, de prisão domiciliar ao líder espiritural, condenado a 40 anos de reclusão. Também investiga outros crimes do médium e por que curandeiros como ele fazem tanto sucesso no Brasil.

Um sobrinho-neto de João de Deus revela que os copos de vidro que ele mastigava quando tinha sua mediunidade sob suspeita eram feitos de cristais de açúcar. E Xuxa Meneghel, uma das celebridades mais próximas a ele, dá um depoimento contundente, compartilhando toda a sua decepção.

divulgação/globo

A roteirista Camila Appel (de vermelho, à direita) em roda de vítimas de João de Deus


Núcleo de documentários

O primeiro episódio de Em Nome de Deus vai ao ar na Globo nesta terça, depois de Aruanas. Em seguida, estreia na íntegra no Globoplay. Parceiro da plataforma de streaming no projeto, o Canal Brasil exibirá todos os episódios em dias seguidos, de quarta (24) a segunda (29), às 20h50.

A produção é a segunda série documental original do Globoplay (a primeira é Marielle, lançado em março) e a primeira do núcleo Conversa.doc. "A equipe do Conversa com Bial está trabalhando em novas ideias de documentários para oferecer ao Globoplay", revelou ao Notícias da TV José Mariano Boni, diretor de gênero da Globo, responsável por programas de Entretenimento com entrevistas, como Altas Horas, Mais Você, É de Casa e o próprio Conversa com Bial.

A ideia é produzir documentários de padrão internacional sem a limitação de duração de duas horas imposta pelo cinema ou pela TV convencional. Do núcleo fazem parte profissionais de múltiplas formações (como fotografia e roteiro) e dois documentaristas já experientes: Pedro Bial (Outras Estórias; Jorge Mautner, o Filho do Holocausto) e Ricardo Calil (Uma Noite em 67; Eu Sou Carlos Imperial).

Confira o trailer de Em Nome de Deus:


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