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FICOU NO QUASE

Moderninha, Totalmente Demais tenta ser feminista, mas tropeça em estereótipos

PEDRO CURI/TV GLOBO

A atriz Juliana Paes puxando o cabelo da atriz Marina Ruy Barbosa, brincando que estão brigando, nos bastidores da novela Totalmente Demais

Juliana Paes e Marina Ruy Barbosa brincam nos bastidores de Totalmente Demais; novela reforçou rivalidade feminina

PAMELA MARUL

pamela@noticiasdatv.com

Publicado em 10/10/2020 - 7h00

A reprise de Totalmente Demais, novela das sete da Globo, chegou ao fim nesta sexta (9) trazendo o empoderamento feminino como um ponto forte. Porém, mesmo com a tentativa de ser moderninha e desconstruída, escorregou ao reproduzir narrativas ultrapassadas e reforçar o senso comum do machismo estrutural.

A trama, de Rosane Svartman e Paulo Halm, com direção geral de Luiz Henrique Rios, foi exibida entre 2015 e 2016 e trouxe diversos personagens femininos com personalidades marcantes, como foi visto com a heroína Eliza (Marina Ruy Barbosa), além de Juliana Paes, no papel da durona Carolina.

A história, de fato, mostra mulheres poderosas e donas de si, em vez da manjada mocinha chorona de sempre, o que foi muito elogiado na época e transformou a novela em um sucesso de audiência.

Para Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia Brasileira e Latino-Americana pela USP (Universidade de São Paulo), Totalmente Demais merece elogios pelo conjunto da obra.

"É uma das novelas mais glamourosas de nossa teledramaturgia, contribuindo para isso o perfeito alinhamento entre texto, produção, direção e elenco. Em especial destaco uma fala inicial da protagonista Eliza: 'Empreendedora das ruas'. É a espinha dorsal desta Cinderela dos tempos atuais em texto que retrabalha o mito de Pigmalião", explica.

A novela foi inspirada na peça teatral escrita em 1913 pelo dramaturgo irlandês George Bernard Shaw (1856-1950), que conta a história da transformação da vendedora de flores Eliza em uma mulher da alta sociedade.

A psicóloga especialista em relacionamentos Renata de Azevedo aponta que a trama apresentou mulheres decididas e empoderadas, mas sem abrir mão do que o senso comum entende por feminilidade, o que também é uma quebra de paradigma na visão dela. "Isso rompe essa imagem de fragilidade, que normalmente está imbuída no estereótipo da mulher", ressalta.

Reprodução/tv globo

Dorinha arriscou a vida por padrões de beleza

Ditadura da beleza

Totalmente Demais trouxe ainda a válida reflexão a respeito da ditadura da beleza, com a personagem Dorinha (Samantha Schmütz), irmã de Carolina. A dona de casa não se sentia bem com seu corpo, comparada às modelos mostradas em revistas de moda, e optou por fazer um procedimento cirúrgico que quase tirou sua vida.

Renata detalha essa vontade que muitas mulheres têm de ter o corpo que elas acreditam ser o ideal. "Fisiologicamente, é impossível chegar nesse padrão. Quando não existe uma aceitação própria, tanto do seu interior, quanto do exterior, ela só será validada a partir da aparência e não pelo que ela é internamente. A mulher busca por essa aceitação em um padrão que não serve para todo mundo, e isso pode gerar problemas graves como depressão, ansiedade e transtornos alimentares", analisa a especialista.

reprodução/tv globo

Lili e Rafael: diferença de idade marcou casal

Tabu em relacionamento

A trama das 19h trouxe outro assunto que ainda é considerado tabu: o relacionamento entre uma mulher mais velha e um homem mais novo. Lili (Vivianne Pasmanter) e Rafael (Daniel Rocha) encararam o preconceito para viver o romance. Quando a situação é inversa --o homem é mais velho do que a mulher na relação-- o assunto é tratado com naturalidade.

Para Renata de Azevedo, é preciso fazer o possível para se blindar de julgamentos externos, principalmente os de caráter sexista e que escancaram o machismo estrutural. "Não é a sociedade que vai definir o que serve ou não serve. Só as pessoas do relacionamento têm que definir o que funciona pra elas", ressalta.

Nem tudo são flores

Apesar de levantar a bandeira do empoderamento feminino, a reprise de Totalmente Demais mostrou conflitos que não pegam mais tão bem hoje em dia, como a rivalidade feminina. Além da dupla de protagonistas, a narrativa foi reforçada no núcleo que teve Rosângela (Malu Galli) e Maristela (Aline Fanju) guerreando pelo amor de Florisval (Ailton Graça).

"Por certo encontramos a rivalidade feminina aos montes, mulheres obcecadas por um amor, e figuras como Maristela, de Aline Fanju, que resolvem mudar completamente o visual para arriscar uma nova vida", ressalta Mauro Alencar.

"Antigamente era muito comum essa rivalidade entre mulheres, de uma se sentir superior e outra, automaticamente, ter que se sentir inferior. E hoje se fala muito dessa sororidade das mulheres que se ajudam, se apoiam. Isso é um conceito mais interessante, que existe espaço pra todo mundo e não precisa ter essa competição", pondera a psicóloga.

A mudança de visual de Maristela, que era loira e virou morena quando adotou uma personalidade mais equilibrada, também reforça um estereótipo. "É como se ela não pudesse ser uma pessoa interessante a partir do jeito dela. A sociedade tende a ter uma dificuldade de aceitar o que está fora do padrão, o que é diferente", aponta Renata.

reprodução/tv globo

Carolina perdeu a cabeça várias vezes por Arthur

Obsessão

As atitudes controversas de Carolina, que pisou como pôde na cabeça de Eliza por causa de sua paixão por Arthur (Fabio Assunção), reforça a ideia não só da disputa feminina, mas de um certo desequilíbrio. No pensamento machista que domina o senso comum, a mulher é vista como passional, impulsiva e até "louca".

De acordo com a psicóloga, muitas dessas atitudes destemperadas são provocadas pela própria pressão da sociedade, que mina a autoestima e confiança, principalmente das mulheres. Elas muitas vezes só são respeitadas quando são "escolhidas" por um homem.

"É como se não pudesse sobreviver sem aquela pessoa. E essa dependência é gerada por uma falta de autoconfiança, baixa autoestima. 'Eu tenho que agarrar com unhas e dentes, senão eu vou ficar sozinha'", explica.

Todos esses personagens e temas abordados em Totalmente Demais ressurgiram na reprise para levantar a discussão de como o comportamento dos telespectadores mudou entre 2015 e 2020. "É nessa gangorra de prós e contras, da qual é feita a arte dramática, que acontece a magia da criação artística, ampliando a vida cotidiana, como bem podemos rever nesta brilhante edição especial de Totalmente Demais", conclui Mauro Alencar.


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