CARINA RISSI
REPRODUÇÃO/INSTAGRAM
A autora Carina Rissi em vídeo no qual anunciou a adaptação do livro Perdida para o cinema
Quando começou a escrever Perdida há mais de dez anos, Carina Rissi idealizou um romance com viagem no tempo e decidiu transportar a protagonista Sofia dos anos 2010 para 1830. A autora, no entanto, optou por não incluir pessoas escravizadas na narrativa e acabou recebendo críticas por supostamente ter "apagado" esse período e personagens negros no livro. Prestes a ver sua obra ser adaptada para o cinema pela Disney, a escritora defende que não retratar a escravidão não quer dizer não ter pessoas negras na história.
"Nas adaptações é exatamente como eu idealizei a série: pessoas brancas e negras todas convivendo ali na vila. É que, muitas vezes, eu não coloquei uma descrição. Automaticamente, o racismo estrutural leva as pessoas a pensar que é uma pessoa branca se você não a descreve de outra maneira", explica a escritora em entrevista ao Notícias da TV.
Em seus romances, Carina costuma detalhar como são os olhos, cabelos e até alguns atributos físicos das heroínas, heróis e coadjuvantes. Mas nem sempre ela deixa claro qual a cor da pele dos personagens. Apesar de o primeiro exemplar da franquia ter sido lançado em 2013, as críticas explodiram nas redes sociais em 2020, quando a nota da autora no final do livro viralizou.
"Talvez você tenha percebido que eu ocultei um fato importante desse período da história. Em 1830, ainda havia escravos no Brasil (a escravidão terminou oficialmente em 13 de maio de 1888). [...] Além de hediondo, é muito vergonhoso para nossa história. E, como no mundo do faz de conta tudo é possível, eu simplesmente decidi que a escravidão nunca aconteceu", escreveu ela no adendo.
"Outros autores fazem isso, mas não mencionam uma nota do autor e nunca foram criticados. Eu achei que devia uma explicação e acabei me enrolando toda", avalia a Carina. "Algumas pessoas que não leram [o livro] entenderam que, o fato de não haver incluído em uma história de viagem no tempo a escravidão, eu fiz o apagamento de pessoas negras. O que não é verdade. Quem leu o livro sabe. Racismo estrutural, na época em que eu escrevi Perdida, não era muito debatido."
É muito difícil você ler um livro de romance de época em que toque no tema sobre escravidão. Ele é realmente muito pesado. Eu acho que é completamente desrespeitoso colocar no meio de uma comédia um tema que é tão monstruoso.
A escritora ressalta que tentou criar um mundo para Perdida em que pessoas de todas etnias e raças estivessem morando no Brasil por livre e espontânea vontade e em busca de uma vida melhor. "Eu gosto de falar sobre amor, sobre respeito. Pensar que eu possa ter de alguma maneira magoado alguém, me magoa também. O que me deixa um pouco mais aliviada é que pessoas que leram meu livro defendem quando alguém levanta o tópico."
Carina afirma que já se preocupava com a diversidade antes mesmo das críticas e explica que seus livros evoluíram conforme a sociedade também começou a debater assuntos importantes como racismo, machismo e inclusão. "O desejo de todo o escritor, ou pelo menos o meu desejo, é fazer com que todo leitor consiga se enxergar, se sinta representado dentro das minhas histórias, se sinta acolhido, que ali dentro do livro ele encontra um refúgio", destaca ela.
Depois dos ataques a Perdida, uma das primeiras coisas que eu fiz foi pedir para a Verus, minha editora, para que os meus livros passassem por leituras sensíveis, tanto os que eu iria lançar quantos já os livros publicados. Essa tem sido uma norma, uma preocupação minha muito grande.
"Tudo que eu quero é que o leitor abra o livro, mergulhe na história e se veja na história sempre com respeito, com carinho... Assim como eu gosto de me perder nos livros dos meus autores favoritos. Essa sempre foi a minha intenção. Eu quero que todas as pessoas se encontrem ali dentro da história", completa ela.
"Eu já tenho um protagonista negro, o Samuel da série Perdida no último livro, ele é um rapaz negro. Então é tão desproporcional essas críticas disso. Eles [haters] não conhecem meu trabalho. Eu já tenho outros projetos. Eu sempre me preocupo muito com todo tipo de inclusão, né? O Marcos é um cadeirante em Mentira Perfeita", relembra a autora.
"Eu sempre faço questão de colocar personagens LGBTQIA+ nos meus livros em posições e de maneira real, não aquela coisa de antigamente que parecia que fazia chacota com personagens assim. Eles são como as pessoas que me cercam e amo. Gosto de colocar com respeito, gosto de colocar a importância dessas pessoas na vida da minha protagonista. Não pelo fato de ser LGBTQIA+, mas por ser uma pessoa que a minha heroína ama. Eu acho importante ter essa coisa da pessoa se olhar e se reconhecer."
"Eu sempre tento abordar temas que eu acho importante, sobre preconceitos de todos os tipos e de todas as formas. Muitos autores, muitos leitores entendem e outros deixam passar. Mas eu gosto de levantar o debate e ver para onde isso vai. Só pessoas que não leram vão criticar o livro. É difícil criticar uma coisa que você não conhece", pontua.
Além de Perdida, outros dois romances escritos por Carina Rissi estão sendo adaptados pela HBO Max: Procura-se um Marido e No Mundo da Luna. A autora destaca que as produções têm grande preocupação com a diversidade.
"Não só na frente, mas atrás das câmeras. Já me perguntaram isso numa entrevista: 'Por que não há tanta representatividade nos livros?'. É realmente muito necessário, mas a minha pergunta foi mais além. Por que não há tanto a representatividade entre autores ou na posição de editores? Onde é que a gente está errando, o que precisa ser feito para mudar para que haja essa igualdade?", reflete ela.
O elenco de Perdida conta com Giovanna Grigio, Bruno Montaleone, Bia Arantes, Mohana Uchôa, Nathália Falcão, Diego Montez, Emira Sophia, Luciana Paes e Lucinha Lins. A saga literária é composta ainda por mais cinco volumes: Encontrada (2014), Destinado (2015), Prometida (2016), Desencantada (2018) e Indomada (2021).
Veja o anúncio da adaptação:
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