FALTA DE ÉTICA
REPRODUÇÃO/TV GLOBO
O jornalista Dony De Nuccio durante o Jornal Hoje de ontem (31): demissão após burlar normas
O jornalista Dony De Nuccio pediu demissão da Globo após o Notícias da TV revelar o envolvimento do âncora do Jornal Hoje em negociações com clientes de uma empresa de comunicação que ele abriu em 2017. Nesta quinta-feira (1º), De Nuccio enviou e-mail a Ali Kamel, diretor-geral de Jornalismo, reconhecendo que contrariou o código de conduta dos jornalistas da emissora e, por isso, decidiu apresentar sua carta de demissão. O executivo aceitou a decisão "com pesar", segundo nota divulgada pela Globo (veja no final deste texto). Dony já não apresenta mais o JH.
A saída do âncora quase dois anos após assumir a bancada do Jornal Hoje (ele estreou em 7 de agosto de 2017) interrompe uma carreira meteórica. Ele já era apresentador substituto do Fantástico e do Jornal Nacional e visto como candidato à vaga de William Bonner na bancada do principal telejornal do país.
No e-mail a Ali Kamel, De Nuccio reconhece que se envolveu em "serviço pontual que pode ser interpretado como assessoria de imprensa", o que viola as normas de quase todos os veículos de comunicação. Ele reclamou de ter sido vítima de "campanha para me destruir e sangrar a qualquer custo" e de "criminosa invasão de computadores, arquivos e mensagens".
Depois de revelar que a empresa de Dony, a Prime Talk, faturou R$ 7 milhões escondido da Globo com a produção de vídeos para treinamento de funcionários do Bradesco, alguns com a participação do jornalista, o Notícias da TV apresentou à Globo um e-mail que mostrava que De Nuccio esteve envolvido ativamente na negociação de um contrato com o Banco Bradesco que geraria uma receita de R$ 60.436.800 em três anos. Antes, ele havia negado que participava diretamente das discussões de valores.
"Procurei vasculhar o histórico de dois anos de e-mails enviados por mim enquanto cumpria função na empresa. De fato, na esmagadora maioria das vezes, eu não tratava de valores com contratantes. Mas, em algumas circunstâncias pontuais, e das quais eu sinceramente não me recordava, há sim menção a cifras e projetos", discursa De Nuccio no e-mail enviado a Kamel (leia na íntegra ao fim do texto).
Na sexta-feira passada (26), Samy Dana, sócio de De Nuccio na Prime Talk, não teve seu contrato renovado pela Globo. Ele trabalhava para o grupo desde janeiro de 2013 e somava, além de suas entradas na TV, uma coluna nos jornais O Globo e Valor Econômico, no portal G1 e na Rádio Globo.
A Prime Talk Produções e Assessoria prestou ao Bradesco nos últimos dois anos serviços de "road show telepresencial", treinamento telepresencial, elaboração e produção de cartilhas, desenvolvimento de aplicativos e gravações de vídeos. Faturou R$ 7.239.692, a maior parte no início deste ano, conforme revelou o Notícias da TV ontem (31).
Mas queria mais. Em e-mail enviado em 8 de janeiro deste ano a Glaucimar Petivcov, diretora-executiva do Bradesco, Dony apresentou uma detalhada proposta para "reformular, desenvolver e implementar uma nova e completa estratégia de Comunicação Interna do Banco Bradesco". Os serviços seriam executados durante 36 meses, mediante o pagamento de 36 parcelas de R$ 1.678.800, mais de R$ 60 milhões no total.
Dony revela no e-mail uma certa intimidade com a mulher que comanda a área de Recursos Humanos de um banco com mais de 100 mil funcionários e 5 mil agências. A chama de "Glauci querida" e ostenta seu poder de influência ao relatar a maratona profissional que enfrentou na primeira semana deste ano.
"Fim/começo de ano corrido! Fantástico (RJ) + Posse (BSB) + Jornal Nacional (RJ) + Jornal Hoje (SP). Ufa! rs", diz na introdução, citando dois dos mais prestigiados programas da Globo.
A emissora possui código de ética que proíbe seus funcionários de usarem seus cargos para obterem vantagens pessoais e, no caso de apresentadores como De Nuccio, cederem sua imagem para vídeos sem prévia autorização.
Os chefes de Dony e Samy Dana não sabiam que eles eram donos de uma próspera empresa de comunicação até duas semanas atrás, quando o Notícias da TV revelou que o apresentador do Jornal Hoje havia gravado vídeos exibidos a funcionários e clientes da Bradesco Seguros, contrariando o Código de Conduta do Grupo Globo.
Apesar do evidente conflito de interesses em um apresentador de telejornal que mantém negócios milionários com um banco, a Globo deu um voto de confiança a ele. Informou que acredita que Dony não agiu de má-fé e que deixou a sociedade com Samy Dana assim que a história veio à tona, em meados de julho.
Em duas notas ao Notícias da TV, Dony enfatizou que não participava de negociações com clientes, para não usar o poder de influência que as bancadas da Globo lhe conferem. Na terça (30), afirmou que em "todo o período em que esteve ligado à empresa jamais atuou na captação de clientes e jamais negociou valores ou discutiu pagamentos".
Ontem (31), o jornalista reforçou: "Minhas atividades na referida empresa eram fruto do meu entendimento de que ao não me envolver em negociações comerciais nem fazer publicidade usando a minha imagem, não infringia norma."
O e-mail à diretora-executiva do Bradesco, no entanto, coloca essa versão totalmente abaixo. Ele não só se envolvia nas negociações como parecia ser um bom vendedor.
"Eu e Samy ficamos super empolgados [sic] e pensando em muitas possibilidades a partir da reunião que tivemos em dezembro. Tenho certeza que podemos fazer uma baita parceria! Produtiva, desafiadora, inovadora. E com resultados incríveis!", escreveu o animado De Nuccio a Glaucimar Peticov.
Na proposta anexada ao e-mail, Dony detalhava como sua empresa iria transformar a Comunicação Interna do Bradesco em três anos. O projeto seria implantado em cinco etapas, com duração de até seis meses consecutivos cada uma.
A proposta não cita o número de profissionais que seriam envolvidos, porque isso careceria de um estudo mais profundo. Mas adiantava que seriam empregados jornalistas, economistas, estatísticos, roteiristas, designers, animadores e cinegrafistas.
Questionado pela reportagem, o Bradesco não informou se a negociação com a Prime Talk evoluiu ou se já tinha sido encerrada. O banco disse que não "comenta contratos com fornecedores".
O jornalista de 35 anos entrou no Grupo Globo em 2011 e teve uma ascensão meteórica na rede. Após trabalhar em telejornais locais de São Paulo, assumiu o programa Conta Corrente, do canal pago GloboNews. No fim de 2015, virou apresentador do Jornal das Dez. Menos de dois anos depois, entrou na vaga deixada por Evaristo Costa e se tornou parceiro de Sandra Annenberg no Jornal Hoje.
De Nuccio foi confirmado para a bancada do Jornal Hoje em julho de 2017, e estreou na posição em 7 de agosto do mesmo ano. Durou menos de dois anos no posto.
"Caro Ali,
Como afirmei anteriormente, não tinha conhecimento de que os tipos de serviços prestados pela empresa à qual estava ligado contrariavam normas da Globo. Reitero que minha função não era negociar valores com clientes, mas sim trabalhar na concepção dos projetos e em seu conteúdo.
Frente à recente onda de ataques que venho sofrendo, e com indícios de criminosa invasão de computadores, arquivos e mensagens, procurei vasculhar o histórico de dois anos de emails enviados por mim enquanto cumpria função na empresa. De fato, na esmagadora maioria das vezes, eu não tratava de valores com contratantes. Mas, em algumas circunstâncias pontuais, e das quais eu sinceramente não me recordava, há sim menção a cifras e projetos. Nos poucos casos em que isso aconteceu, a proposta geralmente não prosperou e a contratação não foi efetivada. De qualquer forma, fui traído pela memória. E me penitencio por isso.
Quero acrescentar também que depois de nossa longa conversa e do relato mais pormenorizado que lhe fiz sobre as atividades já desempenhadas pela PrimeTalk, há um serviço pontual que incluiu o que pode ser interpretado como assessoria de imprensa. Entendo com os olhos de hoje que o escopo dos serviços prestados ultrapassa os limites do que a Globo espera de seus jornalistas. E lamento que, mesmo sem dolo, não tenha percebido isso antes. Não quero mais - por qualquer que seja o artigo ou vazamento na contínua tentativa de destruir minha reputação - constranger você, a Globo ou a minha família.
Desde muito cedo na vida sonhei em trabalhar com televisão, e procurei ao longo de toda minha trajetória me preparar para poder, algum dia, agregar muito valor aos quadros da Globo. Foi pensando nisso que procurei a formação acadêmica mais sólida possível, com jornalismo, economia, extensão internacional e mestrado em economia e finanças.
Em 2011 abri mão de uma promissora carreira no mercado financeiro, para me tornar repórter nos quadros da Globo. Parecia uma decisão difícil, mas não foi: representava o começo de uma nova caminhada, com a qual eu sonhava desde tempos remotos.
Dentro da emissora tive a possibilidade de trabalhar nos mais diversos telejornais e funções, e participar de algumas das coberturas mais marcantes da história do nosso país. Fui repórter do Jornal da Globo, do BDSP, SPTV1 e SPTV2. Fui editor de economia e comentarista do Jornal das 10 e do Hora 1. Ajudei a criar e depois apresentar programas como o Conta Corrente e GloboNews Internacional, além de ancorar o próprio J10, participando de análises políticas e econômicas com algumas das maiores referências do ramo no jornalismo brasileiro. Nos últimos dois anos, tive a imensa alegria e desafio de comandar o Jornal Hoje, dividindo bancada com a talentosa, inspiradora e hoje amiga pessoal, Sandra Annenberg. E ainda pude apresentar o Fantástico e o Jornal Nacional em diversas ocasiões.
Olho no retrovisor com alegria e satisfação por toda essa caminhada, e sou muito grato a você e à Globo pela oportunidade que me deram de bater asas, trabalhar duro e voar alto, ocupando alguns dos mais importantes postos do telejornalismo brasileiro. Fico orgulhoso e feliz com o que pudemos construir e criar juntos.
Mas, assim como é preciso persistência e suor para crescer, é preciso sabedoria para parar.
Nas últimas semanas me vi mergulhado em uma infindável onda de ataques, com a vida dentro e fora da Globo vasculhada e revirada, sigilos fiscais violados, endereços expostos, trabalhos de exclusiva veiculação interna publicados, e até e-mails privados hackeados.
Quanto mais perto estamos do topo da montanha, mais forte é o vento. E é esperado que seja assim. Mas essa contínua campanha para me destruir e sangrar a qualquer custo não pode prosperar. Não faz bem nem a mim, nem à minha família e nem à emissora. Não é justo com nenhum de nós.
Por esse motivo, embora com aperto no coração, solicito meu afastamento do telejornalismo.
E o faço com o espírito leve e a consciência tranquila, porque jamais ajo de má fé. Jamais tive o intuito de burlar regras ou obter benefício que julgasse incompatível com as funções que ocupava na emissora (isso sim, seria incompatível com a minha história pessoal). Trabalhei, duro e dobrado, para complementar a renda, fora do horário da Globo, e dentro dos limites que ao meu ver eram compatíveis e aceitáveis. Se errei, não foi com dolo, e humildemente peço desculpas.
Estou convicto de que em cada um dos dias em que aqui estive tratei com respeito e lealdade a todos com quem interagi, independentemente da função ou hierarquia. E sempre enxerguei a todos não como colegas de trabalho, mas como amigos.
Saio, neste momento, certo também de que em cada um dos dias e anos em que aqui trabalhei, sempre atuei com absoluta paixão e dedicação para levar ao público a notícia da forma mais atraente, correta, completa e interessante possível.
Mais uma vez, muito obrigado pela parceria, pelas oportunidades e pela confiança.
Construímos uma história incrível.
Dony de Nuccio."
"Caro Dony,
Agradeço sua carta honesta e transparente. Aceito o seu pedido de demissão com pesar mas, assim como você e pelas razões que você aponta, com a certeza de que é o melhor caminho a seguir. Entendo que é absolutamente sincero quando afirma que não agiu com dolo, e esta carta é uma prova eloquente disto. Nossa longa conversa de hoje cedo permitiu que eu entendesse as suas motivações e você entendesse as razões da Globo. Agradeço os anos em que trabalhou na Globo, que você descreveu tão bem. E o seu empenho e a sua dedicação. Um abraço e sorte na sua nova trajetória,
Ali Kamel."
Juntamente com os e-mails de Dony De Nuccio e Ali Kamel, a Globo divulgou nota informando que irá editar em breve um texto tornando mais claras as regras para participação de jornalistas em atividades fora da emissora. Confira:
"A direção de Jornalismo da Globo informa que foi procurada por alguns de seus jornalistas que relataram que foram contratados por terceiros para participação em eventos institucionais gravados em vídeo, mas sempre com proibição expressa de que as imagens fossem veiculadas ao público externo ou a clientes."
"Em alguns casos, a participação se deu com autorização da Globo por não ferir as políticas atuais da empresa. Em outros casos, a participação foi inadequada, mas sem má-fé. Todos informaram que não possuem empresas prestadoras de serviços de marketing, assessoria de imprensa ou de projetos de comunicação empresarial."
"A Globo, ciente agora de que persistem em algumas dúvidas sobre como agir diante de convites, informou que em breve um comunicado reiterará o que é proibido e o que não é, em detalhes, levando em conta a era digital em que vivemos."
O Notícias da TV esclarece que não há nenhum crime na divulgação de contratos, notas fiscais e e-mails de Dony De Nuccio. Pelo contrário, há apenas jornalismo e defesa da ética jornalística. O site obteve fotos de documentos de fontes cujo sigilo é protegido pela Constituição. O Notícias da TV não participou e não tem conhecimento de que os documentos tenham sido obtidos pelas fontes de forma criminosa, como insinua o ex-apresentador do Jornal Hoje.
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