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NOVO PROJETO

Roteiristas negros chutam 'estética da fome' e tiram preto da favela na TV

Divulgação/BET

Foto de divulgação da comédia Boomerang, do BET

Elenco da comédia Boomerang, do canal BET, que mostra jovens executivos negros de sucesso

LUCIANO GUARALDO

luciano@noticiasdatv.com

Publicado em 12/5/2021 - 15h00

Apesar de ocupar a maior parcela da população brasileira, os negros ainda ocupam pouco espaço na TV e no cinema nacional. Quando conseguem destaque, são em papéis de empregados ou em tramas que mostram a violência ou o tráfico de drogas. Para virar esse jogo, cinco roteiristas se uniram no projeto Narrativas Negras, que pretende chutar longe a "estética da fome" e colocar personagens pretos em novos espaços --como uma comédia romântica ou um filme de ficção científica, por que não?

O Narrativas Negras é uma sala de conteúdo elaborada pela VIS Américas, braço da ViacomCBS que desenvolve formatos e produtos para diversos países. A diretora sênior Tereza Gonzalez, ex-CEO do Porta dos Fundos, convocou o roteirista Marton Olympio (de Santo Forte e Prata da Casa) para liderar a mesa (virtual, em tempos de pandemia).

"Após o convite da Tereza --e a gente já estava tentando fazer alguma coisa nesse recorte há algum tempo--, eu fui buscar talentos, pessoas com potências diferentes. Tentei fazer o grupo mais diverso possível, com histórias distintas e que trabalhem em vários meios", conta ele ao Notícias da TV.

Assim, juntaram-se a Olympio a roteirista Renata Diniz (que fez documentários e textos publicitários), a autora Eliana Alves Cruz (que publica livros e escreve sobre escravidão para o site The Intercept), o escritor Estevão Ribeiro (com trajetória nas histórias em quadrinhos) e a atriz Lidiane Oliveira, que roteirizou peças de teatro com seu coletivo artístico, o Arame Barbado.

"As pessoas acreditam muito que, às vezes, a narrativa negra é sempre aquela, ou que todas as pessoas negras são da mesma maneira... E não é assim, existe diversidade dentro desse ambiente também. Eu quis juntar essa galera, essa 'turminha do barulho' (risos), para tentar trazer mais vozes, um pouco mais de luz para essas narrativas", continua Olympio.

divulgação/vis

Marton Olympio e Eliana Alves Cruz

Os cinco roteiristas têm a missão de desenvolver quatro projetos para a ViacomCBS. Em pouco tempo, porém, eles já sentiram que vão aumentar essa meta. "São tantas as ideias que a gente já quase alcançou esse número e ainda tem mais alguns meses pela frente", conta Renata.

"Muito dessa narrativa está represado. Não só nos autores. No público, há uma demanda represada muito grande, quando você oferece qualquer produto com essa narrativa, invariavelmente é sucesso. Não só nacionalmente. E tem essa demanda do lado de cá [dos roteiristas] também, até estruturalmente muitos escritores negros não têm acesso aos canais, às produtoras", explica o cabeça da empreitada.

A ideia principal é não se ater aos chamados "favela movies", como Cidade de Deus (2002) ou Tropa de Elite (2007) --mas, se sentirem o desejo de contarem uma história no morro, terem a liberdade para fazê-lo também. "A gente está falando de terror, comédia, filme para a família, série infantil... A gente quer e precisa falar de tudo", enumera Marton.

Questão de representatividade

Tudo, no fim das contas, é uma questão de representatividade. Não é à toa que um filme como Pantera Negra (2018) arrecadou mais de US$ 1,3 bilhão (R$ 6,8 bilhões) nas bilheterias mundiais, apesar de seguir uma fórmula de super-herói já bem conhecida. 

divulgação/vis

Renata Diniz, Estevão Ribeiro e Lidiane Oliveira

"A arte é para todo mundo e não se presta a amarras, né? Crescemos ouvindo apenas uma voz falar dos negros, chegou a hora de nós também contarmos essas histórias. E outras também. Podemos falar das pessoas brancas sob o nosso ponto de vista. Isso é diversidade", valoriza Eliana.

"Quando eu escrevo, meus romances, todo mundo lê, mas as pessoas negras leem mais profundamente. Atinge um lugar nelas que não dá para quem não passou por aquela experiência da negritude no Brasil entender. Estamos falando com 54% da população, se você pensar. E, por mais que as pessoas não admitam, por mais que tenha uma população negra que não se enxergue como tal, ela sente, ela vê e ela entende. Essa é a importância desse projeto", diz a escritora literária.

A torcida é para que, no futuro, um projeto como esse não seja mais necessário, e que as vozes negras tenham espaço para contar suas histórias pelo simples fato de que estão dispostas a contá-las.

"Eu, particularmente, espero que algum dia não seja mais Narrativas Negras. Que seja [chamado de] Narrativas Brasileiras ou apenas Narrativas. É entretenimento e ponto. Hoje, a gente precisa marcar essas coisas com um tipo de diferenciação. Torço para que o mercado e as pessoas amadureçam e que a gente não precise mais nichar", encerra Olympio.


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