JORNALISTA PUNIDO
Reprodução/TV Globo
Chico Pinheiro no Jornal Nacional de 7 de abril de 2018: tom de tristeza pela prisão de Lula não pegou bem
DANIEL CASTRO
Publicado em 10/1/2019 - 6h35
O veterano Chico Pinheiro, 65 anos, sofreu dois duros golpes em menos de duas semanas. Primeiro, foi excluído do rodízio de apresentadores dos plantões do Jornal Nacional, o que na Globo significa uma contundente demonstração de perda de prestígio. E, a partir do dia 21, o Bom Dia Brasil, do qual ele virou "a cara" nesta década, cederá sua primeira meia hora para os telejornais locais, que passarão a ter mais que o dobro de sua duração --outra clara evidência de decadência.
Para os fãs do jornalista, a boa notícia é que ele está confirmado na transmissão do Carnaval de São Paulo, da qual participa desde 2003, quase sempre como âncora (exceto entre 2010 e 2013).
A punição da Globo a Chico Pinheiro em plena troca de governo não foi uma mera coincidência. Ela tem motivações políticas e uma outra um tanto insólita: o amor do jornalista pelo samba.
Pinheiro começou a cair em desgraça com a cúpula da Globo (membros da família Marinho inclusos) na noite de 2 de dezembro de 2017, quando resolveu encerrar o sisudo Jornal Nacional com a marca folclórica que imprimiu ao Bom Dia Brasil: fez um discurso louvando o Dia Nacional do Samba, "o samba que é pai do prazer, que é filho da dor", encerrado com um inédito "saravá e boa noite pra você!".
O excesso de informalidade associado com uma saudação que remete à umbanda e ao candomblé causou um quiproquó nos bastidores da Globo. Profissionais de plantão tiveram que se justificar (o vídeo está disponível neste link no YouTube).
No Carnaval de 2018, Pinheiro recebeu outra reprimenda de seus chefes. Ele se aproveitou da festa momesca para fazer uma dura crítica à corrupção no governo federal, citando a frase "Tem que manter isso, viu?", do então presidente Michel Temer, flagrado na delação premiada do empresário Joesley Oliveira defendendo o pagamento de benesses para o deputado cassado Eduardo Cunha Lima.
Dois meses depois, Pinheiro causou outro terremoto nos corredores da Globo. Coube a ele apresentar a edição do Jornal Nacional que noticiou a histórica prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por quem nunca escondeu simpatia. Diferentemente do dia do samba, desta vez o âncora adotou um tom de funeral --teve gente que jura que viu seus olhos marejados.
No dia seguinte, começou a circular pelo WhatsApp um áudio em que Chico Pinheiro fazia uma apaixonada defesa de Lula e criticava sua prisão. Ele nunca assumiu a autoria publicamente, mas o fez a seus superiores e colegas de TV.
Por pouco Chico Pinheiro não foi demitido nessa época. Só se safou porque isso geraria ainda mais barulho/passaria recibo, porque ele tinha acabado de renovar contrato e porque é um apresentador popular, carismático. Sua falta foi considerada tão grave quanto a de William Waack, defenestrado quatro meses antes após o vazamento de um vídeo em que proferia uma piada racista.
No mesmo dia em que circulou o áudio da defesa de Lula, o diretor-geral de Jornalismo da Globo, Ali Kamel, distribuiu um comunicado determinando a todos os jornalistas da casa que "não se pode expressar essas preferências [políticas e partidárias] publicamente nas redes sociais, mesmo aquelas voltadas para grupos de supostos amigos", porque "contamina" o trabalho do profissional e compromete a suposta isenção do veículo.
Em junho, a emissora consolidou a ordem de Kamel em um documento escrito, a carta de Princípios Editoriais do Grupo Globo. Ficou decretado, naquilo que apelidaram jocosamente de "Lei Chico Pinheiro", que jornalista da Globo não pode curtir post de político em rede social nem fazer comentários em grupos fechados de aplicativos como o WhatsApp.
Chama a atenção na Globo o fato de o afastamento de Chico Pinheiro do Jornal Nacional ter ocorrido justamente na última semana de 2018, às vésperas de um novo governo, o do direitista Jair Bolsonaro. Para muitos, a Globo não só aplicou seus Princípios Editoriais. Também acenou ao novo mandatário do país que não incentiva o petismo explícito entre seus âncoras.
Nada melhor do que um sorriso para um governo que começa determinado a acabar com o BV (bonificação de volume), artifício que é apontado como responsável pela manutenção do poderio da Globo no mercado publicitário.
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