Isenção existe?
Reprodução/TV Globo
Chico Pinheiro no JN de sábado, em que anunciou a prisão de Lula (e alguns viram lágrimas em seus olhos)
DANIEL CASTRO
Publicado em 10/4/2018 - 12h00
Diretor-geral de Jornalismo da Globo, Ali Kamel enviou ontem (9) aos jornalistas da emissora um e-mail em que volta a alertar sobre o uso de redes sociais. O executivo adverte que os profissionais do departamento não devem expressar publicamente preferências políticas e partidárias, porque isso causa "dano" à emissora.
O e-mail foi disparado horas depois de vazar nas redes sociais um conjunto de áudios em que o jornalista Chico Pinheiro, apresentador do Bom Dia Brasil, faz uma apaixonada defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso no último sábado por corrupção passiva.
"Realizaram o fetiche. O fetiche deles era Lula na cadeia. Não foi feito do jeito que eles queriam, mas o Lula foi. E agora? O que vão fazer agora? Como é que fica? Qual é o próximo passo? Que o Lula tenha calma e sabedoria, inspiração divina para ficar quieto onde ele está", disse Pinheiro em um dos áudios, publicado em um grupo fechado no WhatsApp no domingo (8).
No grupo, do qual participam jornalistas, intelectuais e políticos de esquerda, Pinheiro afirma que as "acomodações" da Polícia Federal em que Lula está são melhores do que os lugares em que ele dormiu na infância e na juventude. E ataca, indiretamente, o juiz Sérgio Moro, que determinou a prisão de Lula: "A direita está louca. Os coxinhas estão perdidos".
Embora não cite Chico Pinheiro, o e-mail de Ali Kamel é uma clara resposta à repercussão das falas do âncora do BDBR. O diretor-geral de Jornalismo da Globo faz referência ao vazamento dos áudios.
"Não se pode expressar essas preferências [políticas e partidárias] publicamente nas redes sociais, mesmo aquelas voltadas para grupos de supostos amigos", ensina Kamel, porque, "uma vez que se tornem públicas pela ação de um desses amigos, é impossível que os espectadores acreditem que tais preferências não contaminam o próprio trabalho jornalístico, que deve ser correto e isento".
Kamel alerta que essa "contaminação" compromete o trabalho do jornalista numa eleição (como Chico Pinheiro irá entrevistar um candidato da direita agora?) e prejudica a Globo. "O dano está feito", escreve.
Kamel lembra no e-mail uma outra comunicação que ele enviou aos jornalistas da Globo sobre o uso de redes sociais. Em dezembro do ano passado, ele emitiu uma nota interna alertando para os profissionais da casa evitarem divulgar produtos em redes sociais. A advertência foi motivada pela excessiva exposição de marcas no casamento de César Tralli e Ticiane Pinheiro.
Procurada, a Globo não se manifestou até a conclusão deste texto.
A seguir, a íntegra do e-mail de Ali Kamel distribuído na segunda-feira (9):
"Em e-mail no ano passado, eu alertei para o uso de redes sociais. Na ocasião, lembrei que jornalistas, de forma não proposital, publicavam fotos em que marcas apareciam. Eu alertei então para aquilo que todos nós sabemos: jornalistas não fazem publicidade e que todo cuidado é pouco para evitar que nossos espectadores equivocadamente pensem que se descumpre esse preceito.
Hoje, volto a falar sobre o uso de redes sociais. O maior patrimônio do jornalista é a isenção. Na vida privada, como cidadão, pode-se acreditar em qualquer tese, pode-se ter preferências partidárias, pode-se aderir a qualquer ideologia. Mas tudo isso deve ser posto de lado no trabalho jornalístico. É como agimos.
Daí porque não se pode expressar essas preferências publicamente nas redes sociais, mesmo aquelas voltadas para grupos de supostos amigos. Pois, uma vez que se tornem públicas pela ação de um desses amigos, é impossível que os espectadores acreditem que tais preferências não contaminam o próprio trabalho jornalístico, que deve ser correto e isento.
Como entrevistar candidatos, se preferências são reveladas, às vezes de forma apaixonada? O mais grave é que, quando os vazamentos acontecem, as vítimas, com toda a minha solidariedade, dizem que foram mal interpretadas. Não importa, o dano está feito.
A Globo é apartidária, independente, isenta e correta. Cada vez que isso acontece, o dano não é apenas de quem se comportou de forma inapropriada nas redes sociais. O dano atinge a Globo. E minha missão é zelar para que isso não aconteça. Portanto, peço a todos que respeitem o que está em nossos Princípios Editoriais (e nos dos jornais sérios de todo o mundo):
'A participação de jornalistas do Grupo Globo em plataformas da internet como blogs pessoais, redes sociais e sites colaborativos deve levar em conta três pressupostos:
(…) 3- os jornalistas são em grande medida responsáveis pela imagem dos veículos para os quais trabalham e devem levar isso em conta em suas atividades públicas, evitando tudo aquilo que possa comprometer a percepção de que exercem a profissão com isenção e correção.'
É com isso em mente que envio esse e-mail.
Ali"
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