FUTURA MAIORIA
REPRODUÇÃO/TV GLOBO, RECORD E YOUTUBE
Sol em Vai na Fé, Salomão em Reis e Jesus em The Chosen: emissoras de olho em evangélicos
2023 vai ficar marcado como o ano em que a televisão aberta deu uma guinada rumo ao público que deve se tornar maioria até 2030, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Trata-se dos evangélicos. SBT e Globo se movimentaram em busca dessa audiência que já mantém um grande diálogo com a Record --e não necessariamente com bons resultados.
Vai na Fé (2023) foi uma encomenda da Globo à autora Rosane Svartman para falar justamente com um telespectador que costuma torcer o nariz para a emissora. A história de Sol (Sheron Menezzes) caiu no gosto do público e assegurou bons números de audiência --e até mesmo agradou aos críticos.
A produção obviamente não é uma unanimidade, até por alguns excessos como a cena em que a protagonista expulsa Theo (Emílio Dantas) de sua igreja com uma canção de Aline Barros. O saldo geral, porém, foi positivo.
Não à toa, Bruno Luperi até mexeu no texto do avô Benedito Ruy Barbosa para colocar um pastor evangélico no lugar de um padre católico no remake de Renascer, que estreia em janeiro.
O SBT, todavia, não conseguiu a repercussão que esperava com a série norte-americana The Chosen. A produção não repetiu por aqui o sucesso que fez nos Estados Unidos, em que arrecadou milhões de dólares em uma vaquinha para a produção de mais temporadas.
Um dos possíveis motivos para esse tropeço é que esse público evangélico não é uniforme. Muito pelo contrário, ele é mais diverso do que aparenta --reunindo figuras que vão desde o progressista pastor Henrique Vieira até vozes mais conservadoras, como o próprio Edir Macedo.
The Chosen fala justamente com uma parcela dessa audiência que já está cativada pela Record. A emissora pode até não repetir o sucesso de Os Dez Mandamentos (2015), mas mantém um telespectador cativo que lhe assegura de quatro a sete pontos no horário nobre.
Vai na Fé conseguiu não exatamente furar essa bolha, mas falar com outra parte desse grupo --especialmente aqueles que são mais parecidos com Jenifer (Bella Campos), uma jovem ao mesmo tempo progressista e profundamente religiosa.
A decisão das emissoras de dar mais atenção aos evangélicos é explicada pelos dados mais recentes do censo do IBGE. Os neopentecostais cresceram 61% nos últimos dez anos e já representam um quinto da população brasileira. Ou seja, uma fatia considerável do público que liga --ou não-- a televisão.
O maior desafio para os próximos anos é justamente compreender melhor uma característica dessa população que remonta à época do Direito Romano. O filósofo italiano Giorgio Agamben lembra que a palavra religião não vem necessariamente do termo latino religare (religar) --o que liga o homem e Deus.
O termo também se aproxima de relegere (separar), como aquilo que separa o que é de Deus e o que é dos homens. Daí surge o sacer (sagrado), um objeto ou pessoa que está no mundo dos homens, mas é intocado pelas suas características divinas.
Em geral, essa público evangélico costuma se apropriar desse conceito de sagrado para separar o que é de Deus e o que é dos homens –da música "do mundo" contra a música gospel, por exemplo.
Não é incomum ver cada vez mais estabelecimentos dirigidos diretamente a essa parcela da população, de bares a sexshops, que são uma versão "sacralizada" das mundanas.
Esse comportamento, por exemplo, é crucial para se entender porque apenas um aceno da Globo --como uma novela ou um documentário-- não é lido tão positivamente pelos conservadores. A emissora não é um espaço sacralizado, mas do mundo --o que impede uma ligação direta com essas pessoas.
A Record, nesse sentido, se beneficia mantendo um diálogo de anos com uma parcela mais conservadora dentro dos evangélicos. Não é um aceno, mas todo um projeto que passa não só pela TV, mas pelo campo espiritual na Igreja Universal do Reino de Deus e no político, com o Republicanos.
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