ANÁLISE
REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Bella Campos como Maria de Fátima em Vale Tudo, o terceiro remake na faixa das nove desde 2022
A Globo tem seus motivos para escolher Vale Tudo como sua grande aposta para 2025. Terceiro remake para a faixa das nove em três anos, a novela tem a missão de comemorar os 60 anos da emissora --mas também frear a concorrência do digital, um pesadelo cada vez mais real para a TV. Diante de um cenário em que o YouTube e as plataformas de streaming ganham tanta relevância, a empresa tomou o caminho mais conservador e deve continuar apostando em "fórmulas consagradas".
A reincidência dos remakes na faixa de maior audiência da grade é um exemplo claro disso. É o que explica Lucas Martins Neia, autor do livro Como a Ficção Televisiva Moldou um País: Uma História Cultural da Telenovela Brasileira, em entrevista ao Notícias da TV.
"Se a gente pegar os últimos anos, a diferença que a gente observa da história da televisão de modo geral e da própria TV Globo, com relação a essa aposta em remakes, é que a Globo vai estar trazendo essas releituras para o horário nobre", destaca ele.
"Antes, só teve ali a releitura de Selva de Pedra [1986], que revisitava o título de 1972. Agora você vai ter, de fato, em um período curto, três releituras. Nesse horário, não existia essa ideia de remakes tão constantes", complementa.
O sucesso de Pantanal (2022) abriu precedentes para a nova onda dos remakes, especialmente na faixa nobre. Mas Renascer (2024), a segunda revisita da lista, não teve o sucesso esperado. Ainda mais quando se leva em conta que a trama original era do mesmo autor, Benedito Ruy Barbosa, e as duas adaptações ficaram a cargo de Bruno Luperi.
Às seis, a nova versão de Elas por Elas (2023) também foi um fiasco de audiência. A emissora, então, decidiu enveredar por outro caminho que possibilita explorar fórmulas consolidadas: as continuações. Embora No Rancho Fundo (2024) não seja oficialmente uma segunda parte de Mar do Sertão (2022), o fato de 15 personagens da novela antiga terem migrado para a nova deixou essa impressão para o público.
"Voltar a essas tramas, a esses universos narrativos, que são conhecidos para o telespectador, segundo as empresas, é uma garantia de retorno em termos de audiência e em termos financeiros. Essa lógica da nostalgia faz sentido comercialmente na atualidade", afirma o pesquisador.
Isso já havia acontecido em 2021, com Nos Tempos do Imperador --que fazia parte do mesmo universo de Novo Mundo (2017). A emissora ficou tão empolgada com o sucesso da reexibição da trama durante o período de pandemia --quando parou de produzir novelas inéditas e teve de ocupar todas as suas faixas com reprises-- que deu carta branca para os autores Alessandro Marson e Thereza Falcão seguirem o projeto de fazer uma espécie de "trilogia" de novelas, contando a vida dos principais monarcas brasileiros.
A história de dom Pedro 1º (1798-1834) foi bem de audiência, mas a de dom Pedro 2º (1825-1891) naufragou feio. Os resultados foram tão ruins que a alta cúpula da Globo nunca permitiu que os autores produzissem um folhetim sobre a princesa Isabel (1846-1921).
No Rancho Fundo, por outro lado, conseguiu atingir o que era esperado dela. A trama não superou Mar do Sertão na audiência, mas conseguiu recuperar a média da faixa após o fracasso, justamente, do remake de Elas por Elas.
Em 2025, quem assumirá esse papel será Êta Mundo Melhor! --continuação de Êta Mundo Bom (2016), um dos maiores sucessos da faixa das seis na última década. As expectativas são altas, e Walcyr Carrasco deve seguir um enredo bem parecido com o da novela original.
reprodução/tv globo
Candinho em Êta Mundo Bom!, que terá continuação
"Pelo que já saiu até agora, o Walcyr vai manter muito a essência da novela. A ideia agora é o Candinho [Sergio Guizé] buscar por um filho, assim como, na primeira parte, ele buscava pela mãe. Então você tem essa questão de busca pelas origens, dos laços familiares muito forte. O plot meio que se manteve o mesmo. É muito engenhoso da parte do Walcyr", destaca Martins Néia.
Ao que tudo indica, tanto Êta Mundo Melhor! quanto Vale Tudo serão provas de fogo para a emissora decidir se vale continuar apostando em remakes e continuações. Mas a Globo deve permanecer mais conservadora mesmo que os dois produtos não tenham o sucesso esperado. Afinal, não há tempo --nem dinheiro sobrando-- para radicalizar.
"Esse novo contexto da Globo, que não concorre mais só com a Record e o SBT, mas tem também ali em seu encalço o YouTube, a Netflix, o Prime Video, a Max... Essa força do digital está puxando muito a publicidade que era da televisão. E a investida da televisão é apostar em tramas que garantiriam, na cabeça dos executivos, um retorno financeiro mais assertivo", explica.
A estratégia visa manter o público que tem assistido à Globo nesses 60 anos, evitando ideias mirabolantes que possam também levar essas pessoas para o digital. O problema, contudo, é que o público da TV está cada vez mais velho, e com menos poder aquisitivo --o estudo Inside Video 2022 destaca que a classe C é a que mais consome TV linear, com 51% do total, seguida pela classe B (28%) e pela classe DE (21%).
Ou seja: mesmo que esse espectador continue fiel à televisão, quem assistirá ao veículo depois dele? E quem vai adquirir os produtos das marcas que anunciam na TV, e, assim, continuar justificando os investimentos milionários delas em publicidade?
O desafio da Globo é encontrar uma fórmula que mantenha o público fiel, mas também atraia novos telespectadores --especialmente os mais jovens. Vai na Fé (2023) fez isso muito bem, mas precisou lidar com percalços devido a esse choque de gerações. Enquanto o público do X (antigo Twitter) torcia para que o casal Clara (Regiane Alves) e Helena (Priscila Sztejnman) assumissem um relacionamento, a emissora censurou boa parte das cenas românticas por medo de "assustar" o público mais conservador do sofá.
O sucesso de Vai na Fé também escancarou outro problema da Globo. Uma das únicas faixas livres de remake nos últimos anos, a novela das sete tem seguido um enredo cada vez mais parecido --as últimas tramas do horário são todas bastante semelhantes à de Rosane Svartman. A história de uma mulher guerreira, do subúrbio, que luta para vencer na vida sem se deixar corromper também é a base até de Volta por Cima, por exemplo.
O fato de Vale Tudo ter sido escolhida para um remake gera dúvidas pela trama em si. Uma das mais icônicas novelas da história da dramaturgia precisará passar por adaptações. É um novo momento, cercado de novas tecnologias que impactam muitas das tramas (como o celular e a internet, por exemplo). A ascensão e a queda de algumas profissões e do que é considerado importante também impactarão o destino dos personagens.
A autora Manuela Dias também vai dar sua própria assinatura à trama, originalmente escrita por Gilberto Braga (1945-2021), Aguinaldo Silva e Leonor Bassères (1926-2004). Algumas falas da autora, inclusive, pegaram mal nas redes sociais --e colocaram ainda mais a produção do remake em xeque.
"Vamos aguardar para ver o que vai ser desse remake em termos de audiência, em termos de repercussão, em termos estéticos e em termos de narrativa mesmo. E lembrando é que é uma telenovela, né? Por mais que a Globo tenha optado por ter uma frente maior de capítulos, ela ainda permanece uma obra aberta", arremata Lucas. Ou seja: a opinião do público contará muito, mesmo com todo o novo contexto de produção e circulação.
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