LOURIVAL SANT'ANNA
DIVULGAÇÃO/CNN BRASIL
Lourival Sant'Anna durante viagem ao Afeganistão; analista da CNN Brasil relatou bastidores da cobertura
Após o Talibã retomar o controle do Afeganistão, Lourival Sant'Anna voltou ao país asiático pela quarta vez na sua trajetória profissional. Nesta viagem, o analista internacional da CNN Brasil testemunhou a nova escalada de tensão institucional na região e observou de perto extremistas "violentos, raivosos e imprevisíveis".
"Encontrei a segunda geração de talibãs no poder, e eles são essencialmente iguais à anterior: norteiam todas as suas decisões com justificativa em uma religião que não conhecem, já que são em sua imensa maioria analfabetos e apenas decoraram versos do Alcorão em árabe, que não compreendem. São obcecados pelas aparências, como barbas e véus", relatou o jornalista em entrevista ao Notícias da TV.
Veterano em coberturas de conflitos internacionais, Sant'Anna teve que suplicar ajuda na porta da embaixada afegã em Islamabad, capital do Paquistão, para conseguir entrar no país vizinho. "Os funcionários ainda são os
do governo anterior e, portanto, inimigos do Talibã. O funcionário que me atendeu, da minoria hazara, perseguida pelos grupo, me perguntou se eu estava ciente dos riscos. Expliquei que minha especialidade é cobrir guerras e contei sobre minha carreira", relembrou.
Percorri então três horas de carro de Islamabad até Peshawar, perto da fronteira, onde passei a noite. Na manhã de sábado, 11 de setembro, quando cruzei a pé o posto de fronteira de Torkham, o funcionário da imigração paquistanesa também me perguntou o motivo pelo qual queria entrar no Afeganistão, quando todos queriam sair de lá, e me avisou: 'Não é seguro'. Fui a única pessoa a entrar naquela manhã.
"Do outro lado, fui conduzido por um talibã por um longo corredor coberto e cercado de alambrados, até encontrar um dos meus produtores afegãos, contratados previamente. Ele tinha nas mãos a autorização do Escritório do Combatente da Jihad, nova exigência para a entrada de jornalistas, que custou US$ 300 [R$ 1.650]. Fomos levados por outro talibã para uma sala ampla, com muitos buquês de rosas artificiais felicitando-os pela tomada do poder", detalhou Sant'Anna.
"Ele perguntou ao meu produtor que dia era aquele. Para nós, era 11 de setembro, uma data inesquecível, mas o Afeganistão tem um calendário próprio, além do muçulmano. Depois segui em outro carro, com o produtor, motorista e segurança pelas cinco horas de estrada entre Torkham e Cabul. Passamos por cinco postos de controle dos talibãs sem sermos parados. Só fomos parados na entrada de Cabul, e o guarda perguntou se queríamos tomar chá ou almoçar com eles. Não percebeu que era estrangeiro, nem jornalista."
"Eu estava sentado na frente, e concluí que tinha valido a pena deixar a barba crescer e vestir a bata, chamada de kamiz, usada pelos homens locais: estava me fazendo passar por um deles. Como medida de segurança e também como método de trabalho, procuro me misturar às pessoas locais em todas as minhas coberturas", explicou.
Em 2002, após a sua primeira viagem ao Afeganistão, Sant'Anna lançou o livro Viagem ao Mundo dos Taleban. "Disse nas entrevistas e palestras de lançamento que entrei no Afeganistão para saciar uma enorme curiosidade, porque nunca tinha havido um regime como aquele e nunca voltaria a existir. Eu estava errado", admitiu o jornalista.
"Cobri o final do governo do Talibã, em 2001, quando entrevistei líderes civis e militares na província de Kandahar, no sul do país, seis dias antes do início do bombardeio americano. Depois, voltei em 2004, na primeira eleição patrocinada pelos Estados Unidos. Viajei por todo o Afeganistão, e meus guias me mostraram que os talibãs haviam se reintegrado a suas comunidades. Fui novamente em 2009, na segunda eleição, quando os talibãs já tinham se reagrupado, em aliança com a Al-Qaeda. Estive sob ataque deles, em Kunar, no nordeste do país", pontuou.
Para a reportagem, Sant'Anna explicou os principais desafios enfrentados para apresentar ao público brasileiro os desdobramentos deste caso: "É preciso ser bastante didático, descrever como a sociedade funciona, explicar a cultura e contextualizar dentro da geografia e da história. Transportar a audiência para aquela realidade, fazê-la enxergar pelo olhar da população local, entender por que as pessoas pensam e se sentem daquela forma, desfazer preconceitos".
"É importante entender que grande parte da população afegã, principalmente na zona rural, onde vivem três de cada quatro afegãos, apoia o Talibã. Ele representa segurança e justiça eficaz --baseada na lei islâmica. Esses 20 anos de governo pró-americano foram marcados pela corrupção, pelo favoritismo de grupos, policiais e funcionários públicos que extorquiam a população, bombardeios que matavam muitos inocentes, programas impopulares de erradicação do lucrativo cultivo e produção de papoula, ópio e heroína, e imposições incompatíveis com a cultura e a sociedade afegãs."
O jornalista ressaltou que os habitantes do país que discordam do regime do Talibã, principalmente as mulheres, representam a minoria da população. "É uma sociedade conservadora, que reserva às mulheres um papel doméstico, com ou sem o Talibã. Então, o que muda é que deixa de haver a escolha, o que é muito importante, mas afeta uma minoria nas grandes cidades", afirmou.
"Acredito que a reportagem exige esse olhar sobre a realidade, não para julgar ou atender a expectativas, mas simplesmente para procurar entender como e por que as coisas acontecem", destacou o analista.
Confira as reportagens de Lourival Sant'Anna no Afeganistão:
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