ANIVERSÁRIO DE 15 ANOS
REPRODUÇÃO/THE CW
Chris Rock, de terno, com Tyler James Williams em cena da comédia Todo Mundo Odeia o Chris
O comediante Chris Rock levou ao pé da letra a expressão popular rir é o melhor remédio. Com a ponta da caneta, ele subverteu traumas da infância e criou uma atração que desafia o desgaste do tempo e faz sucesso 15 anos após o nascimento. Todo Mundo Odeia o Chris (2005-2009) é fonte de gargalhadas para o telespectador. Já para o humorista, foi uma tentativa de atenuar a desgraça.
A história contada na comédia, exibida pela Record e pelo canal Comedy Central e disponível completa no Globoplay, é baseada na adolescência de Rock, com mudanças leves. Acontecimentos perturbantes, como racismo sofrido na escola, a pobreza e a rigidez dentro de casa foram transformadas pelo humorista milionário em piadas. A série ganhou vida em 22 de setembro de 2005, mas ele não se curou por completo.
"Eu tive que deixar essas coisas para trás, cara, eu estava morrendo", disse o comediante em entrevista para a edição mais recente da revista The Hollywood Reporter. Ele comentou sobre como foi o processo de criação de Todo Mundo Odeia o Chris. Com um coração puro, Rock acreditava piamente que rir de suas desventuras iria trazer paz para a alma.
"Eu pensava que estava lidando com aquilo [numa boa], mas a verdade é que nunca resolvi direito tais questões [traumáticas da infância]", contou de peito aberto. "A realidade é que a dor e o medo que me trouxeram até esse presente momento eu vivenciei todos os dias de minha vida."
Todo Mundo Odeia o Chris encenou diversas situações angustiantes da infância de Rock, porém sempre pelo lado mais cômico, mesmo tendo um fundo de verdade. Ainda menino, ele tinha de entrar em um ônibus todo dia para ir a uma escola em outro bairro. Lá, era o único aluno negro.
Quando não apanhava, virava alvo de bexigas cheias de urina. Isso sem falar nos cartazes ofensivos que diziam "Vá para casa, negro [aqui, escreviam o xingamento do idioma inglês mais chulo contra pessoas de pele escura]".
divulgação/the cw
Tyler James Williams com Terry Crews em Todo Mundo Odeia o Chris
Uma versão mais dramática de Todo Mundo Odeia o Chris seria extremamente triste. O garoto chegava em casa chorando, e sua mãe pouco fazia. O conselho era "engolir os desaforos e se virar", lembrou o comediante. "Pois não importava o que eu estivesse enfrentando. Tudo aquilo não era nada em comparação ao que minha mãe e meu pai tiveram de passar."
O que a comédia narra, sobre os pais de Chris exigirem dele o melhor, é verídico. Mas a estrutura familiar era diferente. O menino era o mais velho de sete crianças, todas moradoras do pobre bairro do Brooklyn, na região de Bedford-Stuyvesant (ou Bed-Stuy, como é conhecida). A mãe de Chris era professora; o pai, entregador de jornais.
Além de adversidades dentro de casa e na escola, Rock sofria bullying nas ruas da quebrada. Esse acúmulo de dissabores provocou uma ferida muito dolorida no íntimo do humorista, que fez um paralelo com o mundo contemporâneo para tentar explicar o pesadelo daquela época.
"Não é que eu esteja subestimando a juventude de hoje, mas como eu queria ter recebido apenas uma mensagem de texto odiosa quando eu era criança", desabafou Rock. "Aqueles filhos da mãe estavam tentando me matar!"
Pela primeira vez, ele parou de zoar a própria infância. Veio do seu complicado divórcio o material para o especial de stand-up Tamborine (2018), que ele gravou para a Netflix e pelo qual recebeu US$ 20 milhões (R$ 108 milhões). O humorista foi lidar com seus problemas do passado na terapia.
E ele não está de brincadeira mesmo. São nada menos do que sete horas por semana no divã, o que está de fato o libertando dos traumas. Rock até descobriu que tem uma condição chamada de TANV (transtorno de aprendizagem não verbal), o que significa que ele tem dificuldade para entender uma outra pessoa quando ela dá ênfase aos gestos e não usa palavras com clareza.
Todo Mundo Odeia o Chris é um marco entre as comédias autorais. Rock criou a série em um período no qual já era um humorista premiado, em parte pelos especiais feitos para a HBO, e deixou seu lugar na história. Prova de sua genialidade é transformar um amontoado de experiências ruins em uma obra que provoca risos mais de uma década depois. Um trabalho atemporal.
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