Marketing indireto
Divulgação/Netflix
Millie Bobby Brown em Stranger Things; latinha de Coca-Cola amassada com o poder da mente e da grana
JOÃO DA PAZ
Publicado em 19/8/2018 - 7h15
Uma das vantagens de assinar canais premium como a HBO e serviços de streaming tipo Netflix é se livrar dos comerciais, que em média ocupam 18 minutos de episódios de uma hora na TV aberta. O fã de série, no entanto, é bombardeado por ações de merchandising. Muitas vezes, consome propaganda sem perceber.
Prática antiquíssima, a inserção de marcas em séries de TV está em alta. De acordo com a empresa de pesquisas PQ Media, o chamado product placement (marketing indireto ou merchandising) será um mercado de US$ 11,44 bilhões (R$ 44,78 bilhões) em 2019, um aumento de 58% em relação há seis anos.
O salto está relacionado ao crescimento das plataformas de streaming, grandes exibidoras de séries na atualidade. Como não podem veicular publicidade tradicional, empresas como Netflix e Amazon apelam ao merchanding para aumentar receitas e amortizar custos.
A HBO jura de pés juntos que não permite merchans em suas produções. Não é verdade. Desde Sopranos (1999-2007), a inserção de marcas é rotineira em seus produtos. A série sobre mafiosos ítalo-americanos atraía principalmente carros. Já a chique Sex and the City (1998-2004) era uma vitrine de grifes de luxo. Só a Prada foi citada 14 vezes.
"O que fazíamos [marketing indireto] era maquiado no orçamento da série", confirmou Tina Elmo, coordenadora de marketing da HBO entre 2001 e 2004, para a revista Ad Age. "A HBO nunca apoiou publicamente o uso de marketing indireto, era algo conversado na surdina. Mas foi uma coisa que fez parte integral de Sex and the City", entregou.
No último domingo (12), a HBO abusou. Ocupou nada menos do que um terço dos 32 minutos do episódio de Insecure com um merchandising do aplicativo de transporte Lyft (tipo Uber). A protagonista Issa Dee (Issa Rae) rodou por Los Angeles dirigindo para o Lyft. A marca foi citada em falas, apareceu no celular e também no vidro do carro, como no take abaixo.
Reprodução/hbo
Yvonne Orji e Issa Rae na estreia da terceira temporada de Insecure, um oferecimento de Lyft
Netflix cara de pau
A Netflix trata o assunto de forma mais clara. Até porque é difícil ver algo na plataforma algo que não tenha algum tipo de patrocínio. A coisa às vezes é tão escancarada que dá vergonha, como escreveu o jornalista André Barcinski, para a Folha de S.Paulo, ao analisar o recém-lançado filme Tal Pai, Tal Filha: "É um comercial que mal se disfarça de comédia."
Na maioria dos casos, é a própria Netflix que vai ao mercado em busca de interessados. Diretora-executiva da rede de restaurantes KFC, Andrea Zahumensky disse em reportagem do canal CNBC que a plataforma a procurou para fazer um merchan na segunda temporada do fenômeno Stranger Things. "Nós determinamos alguns limites, mas deixamos os roteiristas livres para contextualizar a marca como achassem melhor", relatou.
Na ocasião, os suculentos pedaços de frango no tradicional balde do KFC serviram para quebrar o gelo de um jantar embaraçoso. "Isso é de chupar a ponta dos dedos", disse o estudante Steve Harrington (Joe Keery), após saborear um petisco.
Stranger Things abusa dos merchans. Suas duas temporadas exibem produtos para todos os gostos, de Kodak a Oreo, passando por Dunkin' Donuts. Mas a propaganda mais emblemática é da Coca-Cola. Em uma cena icônica da série, a personagem Eleven (Millie Bobby Brown) amassa uma latinha do refrigerante usando apenas o poder da mente (e do dinheiro da marca).
reprodução/netflix
Corey Strol com Kevin Spacey, em cena de House of Cards que faz propaganda do PS Vita
Político gamer
Somente House of Cards ganha de Stranger Things quando o assunto é merchan. Nos 13 episódios da quinta temporada, 15 marcas apareceram no vídeo. O drama político entra na lista do marketing indireto mais cara de pau. Seu ex-protagonista, Frank Underwood (Kevin Spacey), era fissurado pelo video game PlayStation.
No quarto episódio da primeira temporada, Frank teve um encontro com o deputado Peter Russo (Corey Stoll). Antes, contudo, eles engajaram em uma conversa sobre o PS Vita, console portátil no qual é possível jogar os games do PlayStation. "Preciso de um desses para usar no carro", disse Frank para seu colega, descaradamente.
Em Orange Is the New Black, a Netflix viu oportunidade de vender merchandising até em uma rebelião de presas. Na quinta temporada, os salgadinhos Cheetos entraram em cena para acalmar as presidiárias rebeladas.
E Jessica Jones, série sobre uma heroína cachaceira, são inúmeros os destilados, cervejas e outras bebidas alcoólicas que aparecem o tempo todo (Jim Beam, Wild Turkey 101, Teachers, Marker’s Mak e por aí vai).
TV aberta na jogada
As cinco redes americanas estão mudando toda a estrutura do horário nobre para conter a fuga de telespectadores, já acostumados a assistir séries sem pausa. A NBC, por exemplo, anunciou que vai cortar o número de comerciais a partir de setembro. A ideia é reduzir em 20% o número de reclames. Isso aumentará a inserção de marcas nas tramas.
reprodução/fox
Protagonista de Empire, Jussie Smollett estrelou propaganda da Pepsi, desenvolvida no drama
Uma das ações mais ousadas ocorreu com Empire (Fox), grande fenômeno de 2015. Em novembro daquele ano, a Pepsi fechou um acordo com o drama, no qual apareceu em um arco de três episódios. A estratégia foi colocar o cantor Jamal Lyon (Jussie Smolett) para fazer um comercial para o refrigerante. A ação dentro da ficção pulou para vida real, e o comercial virou uma propaganda nos intervalos de todas as TVs.
Há casos ainda mais agressivos, como a Procter & Gamble (conglomerado dono da Gillette, Oral-B, Ariel), que comprou um episódio inteiro da comédia Blackish (ABC), cujo protagonista é um publicitário. Na quarta temporada, os personagens da série discutiram uma peça publicitária que virou assunto em todos os Estados Unidos, feita pela P&G, sobre diversidade racial e social.
Nessa mesma linha, mas com mais criatividade, a Apple apareceu em todas as partes de um episódio da sexta temporada de Modern Family. O capítulo foi gravado com MacBook Pro, iPhone 6 e iPad, pela perspectiva da matriarca Claire Dunphy (Julie Bowen), em busca da filha desaparecida, que usou todos os aplicativos de sua máquina para se comunicar com seus parentes.
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