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Divulgação/HBO
Jimmi Simpson e Evan Rachel Wood no mirabolante drama Westworld; quem é robô e humano na série?
JOÃO DA PAZ
Publicado em 4/2/2020 - 4h50
Na última sexta-feira (31), estreou na Netflix o episódio final da comédia The Good Place (2016-2020). A série indicada ao Globo de Ouro vai deixar saudade em quem curte dar boas risadas com histórias filosóficas que fazem pensar. Para sorte desse público, há boas atrações que suprem esse vazio, desde dramas anarquistas a atrações zumbis.
Na própria Netflix, o telespectador fã de séries cabeçudas e reflexivas encontra boas pedidas em Black Mirror, Russian Doll e Santa Clarita Diet (2017-2019). Na rival Amazon, Mr. Robot (2015-2019) é um drama classudo que levanta questões importantes sobre a vida em sociedade. E a HBO tem Westworld, sobre um mundo de faz de conta que debate humanidade.
Confira abaixo mais sobre essas cinco séries:
Com 22 episódios espalhados em cinco temporadas, Black Mirror tem doutorado quando o assunto é tecnologia e a influência dela no mundo contemporâneo. As abordagens são as mais diversas, vão de um videogame futurista (episódio sobre sexualidade fluida, em debate nos dias de hoje) a um aplicativo de carona (sobre frustração e arrependimento).
Mas sem dúvida, um dos episódios mais emblemáticos é o primeiro da terceira temporada, chamado de Nosedive. Nele, as pessoas são completamente dependentes de um aplicativo no celular, que determina o nível de popularidade de alguém e tem ingerência direta no cotidiano de todos, seja na compra de uma passagem aérea ou no trabalho.
Isso faz com que homens e mulheres sejam falsos uns com os outros, para evitar que sejam mal avaliados no aplicativo e tenham a reputação manchada. Essa vida de aparência é debatida por vários filósofos, principalmente os pré-socráticos. O conhecido Mito da Caverna, proposto por Platão (428-347 a.C.), é retratado de formas diferentes em Nosedive. Na trama, existe um mundo real e cruel fora do tal aplicativo, disponível àqueles que não se curvaram à tecnologia.
No ano passado, durante uma entrevista para o programa The Daily Show, do canal americano Comedy Central, a artista Natasha Lyonne, protagonista e cocriadora de Russian Doll (ou Boneca Russa), deixou claro que "sempre teve uma queda por filosofia" e que abordou algumas coisas dessa área do pensamento na comédia da Netflix, atração com 13 indicações ao Emmy (e vencedora de três estatuetas).
O barato de Russian Doll é a busca por um sentido na vida. Será que ele existe mesmo ou é papo furado? As soluções mirabolantes da comédia, com uma personagem que não consegue morrer, colocou na boca dos telespectadores aquela famosa frase: "Isso é muito Black Mirror". O público aprende junto com a protagonista a se acertar na vida (ou ao menos tentar).
divulgação/usa network
O ator Rami Malek na série Mr. Robot; o drama anarquista ataca o modo de vida moderno
O Prime Video, serviço de streaming da Amazon, disponibiliza aos seus assinantes as três primeiras temporadas de Mr. Robot --a quarta e última já foi exibida nos EUA. Vencedor de um Globo de Ouro, o drama protagonizado pelo premiado Rami Malek trata de temas como anarquismo, dupla personalidade, solidão e encontro com um deus (qualquer que seja ele).
A força motriz de Mr. Robot é a alienação, tão bem discursada por Ludwig Feuerbach (1804-1872), mestre de Karl Marx (1818-1883). A série apresenta diversas facetas da alienação, que vão da religião ao consumismo. A trama é excelente na parte técnica, como a direção, e narra com rara felicidade aspectos que estão presentes na vida de cada um de nós. A cada episódio, há uma lição sobre como se relacionar melhor com o próximo e encarar a vida com mais dignidade.
Para ir direto ao ponto: fazer alguma coisa ruim, por mais que o resultado final seja bom e positivo, é justificável? Um casal de corretores de imóveis se vê em uma enrascada. A mulher (interpretada por Drew Barrymore) vira zumbi. Imagine-se no lugar do marido (Timothy Olyphant): o que fazer?
Cabe aqui citar uma frase atribuída ao filósofo Nicolau Maquiavel (1469-1527), a famosa "os fins justificam os meios". O personagem de Olyphant, o simpático Joel, mata pessoas para fazer a mulher feliz; afinal, a faminta Sheila precisa se alimentar (de carne humana).
Para tentar diminuir a culpa pelos crimes, o casal só assassina e esquarteja pessoas que, segundo eles, merecem morrer, como pessoas idosas moribundas, nazistas e misóginos.
Série da HBO com o peso de substituir Game of Thrones (2011-2019) no quesito premiações, Westworld até conseguiu cumprir essa expectativa, ao menos nas indicações ao Emmy, um total de 43 pelas duas primeiras temporadas. Já na missão de apresentar uma trama de fácil compreensão, a série falhou. Nem os atores entendem direito a história.
Compreender Westworld não é fácil, o público tem de colocar os neurônios para funcionar. São linhas de tempo diferentes e personagens robôs que se misturam com humanos... Fica difícil o telespectador distinguir um do outro.
Esse emaranhado serve para levantar a questão do livre-arbítrio, explanada por nomes do nível de Santo Agostinho (354-430) e Jean-Paul Sartre (1905-1980).
Os robôs pensam que podem fazer o que quiserem, mas na verdade estão programados a agirem dentro de um roteiro e fazem as mesmas coisas todos os dias. Não seriam os humanos do mesmo jeito, já que mesmo com uma suposta liberdade não saem da chamada rotina? Afinal, repetem ações dia após dia, até com precisão no horário.
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