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ANÁLISE

Machista ao extremo, Pantanal esbanja beleza mas deixa a desejar em diversidade

REPRODUÇÃO/TV GLOBO

Jove (Jesuita Barbosa) em cena de Pantanal

Jove (Jesuita Barbosa) é alvo de comentários homofóbicos feitos pelos peões de seu pai

RAPHAEL SCIRE

raphascire@gmail.com

Publicado em 23/4/2022 - 6h20

Uma paisagem deslumbrante de um cenário pouco explorado pela dramaturgia nacional e a forte memória afetiva que Pantanal desperta no público fizeram com que a novela das nove da Globo logo bombasse na audiência e deixasse para trás o fantasma da antecessora, Um Lugar ao Sol. Mas nem isso exime a trama do forte ranço machista que ela carrega em suas entrelinhas.

Para analisar melhor Pantanal, é preciso voltar um pouco no tempo. Na ocasião do lançamento de Velho Chico (2015), Benedito Ruy Barbosa, autor da trama original exibida na Manchete, foi categórico ao afirmar que odiava "novela de bicha".

Embora a autoria do remake esteja a cargo de seu neto, Bruno Luperi, a história ainda carrega nas tintas do preconceito e, para completar, peca com a pouca diversidade no seu elenco --basta observar quantos personagens negros foram inseridos até agora e qual é a relevância deles na narrativa.  

Ainda que a versão de 1990 tenha sido muito pior quando o assunto era a homofobia, a abordagem atual passa longe de ser representativa. As chacotas que os peões da fazenda de José Leôncio (Marcos Palmeira) fazem de Jove (Jesuita Barbosa) e a vergonha que o pai tem do filho "frozô" só reforçam estereótipos e não contribuem em nada para uma discussão mais profunda do assunto. 

A personagem Guta (Julia Dalavia) é um contraponto às ideias retrógradas dos personagens e do próprio pai, Tenório (Murilo Benício), mas, desbalanceada em termos de força narrativa, seu discurso de que "o Brasil é o país que mais mata LGBTQIA+ no mundo" soa apenas artificial, além de quase professoral, na linha "a moça que veio da cidade para ensinar a todos o que é correto". 

Guta batalha quase sozinha contra a ignorância e sofre, também, com o machismo exacerbado de Alcides (Juliano Cazarré), que logo na apresentação da personagem soltou "O que falta de roupa sobra de abuso", em alusão ao figurino dela. 

É bem certo que o forte de Pantanal não são os diálogos, que não chegam a ser didáticos, mas passam longe de serem densos e darem profundidade aos personagens. Difícil, também, em 2022, ainda termos de acompanhar alguém falando sozinho em novela, um recurso usado à exaustão pelo autor e colocado na boca de quase todos em cena. 

Outra questão que pesa contra Pantanal é o ritmo pouco dinâmico. É comum ver no folhetim cenas de boiada passando e cantorias que pouco acrescentam à história e dão apenas uma sensação de sonolência.  

Ainda assim, há pontos que merecem ser elogiados na produção da Globo. O primeiro, sem dúvida, é a direção correta de Rogério Gomes, que enche a tela com imagens belíssimas da região pantaneira. Depois, a escalação de Jesuita Barbosa e Alanis Guillen (Juma) para os protagonistas da história. 

Por último, a interpretação de Dira Paes traz um toque de delicadeza a uma história essencialmente masculina. É Filó, e não Juma, a grande personagem feminina da novela. Ainda que seja um tanto submissa às vontades de José Leôncio, ela já mostrou que tem voz. Vale aqui um registro para a ótima participação de Letícia Salles na primeira fase da história.

O trunfo a favor de Pantanal é o fato de que, diferentemente de Um Lugar ao Sol, a novela voltou a ser produzida nos moldes pré-pandemia, permitindo alterações no curso de seu desenvolvimento. Mas, a julgar pelas abordagens apresentadas até agora, a impressão que fica é a de que o remake de Pantanal já nasceu datado.

É de se esperar que a entrada do mordomo Zaquieu (Silvero Pereira) traga um pouco mais de diversidade para a trama e que o personagem não fique restrito a um registro cômico, pouco relevante e que sirva só para cumprir uma “cota” na novela. A ver...


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