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ROQUE SANTEIRO

Autor da Globo peitou Censura e pagou caro com novela vetada: 'Militares são burros'

ACERVO/TV GLOBO

Dias Gomes está sério e usa camisa em foto preto e branco

Dias Gomes (1922-1999) teve novela vetada em 1975; Roque Santeiro só estreou dez anos depois

DÉBORA LIMA

debora@noticiasdatv.com

Publicado em 21/2/2023 - 6h20

Há 37 anos, o último capítulo de Roque Santeiro (1985) era exibido na faixa das oito da Globo. A novela havia sido idealizada por Dias Gomes (1922-1999) dez anos antes, mas acabou vetada durante a Ditadura Militar (1964-1985). O autor até tentou enganar os censores para que a sinopse fosse aprovada: "Esses militares são muito burros".

O episódio foi narrado por Artur Xexéo (1951-2021) no livro Janete Clair, a Usineira de Sonhos, lançado em 1996. "A sinopse estava em Brasília quando o autor recebeu um telefonema do amigo Nelson Werneck Sodré [1911-1999]. 'O que é que você está fazendo?', quis saber Werneck. 'Uma pequena sacanagem. Estou adaptando O Berço do Herói [peça teatral escrita pelo autor em 1963] para a TV'."

"'Mas a Censura vai deixar passar?'. 'Não tem mais o cabo. Assim passa. Esses militares são muito burros!'", disparou o novelista. No entanto, o telefone de Sodré estava grampeado. Com a conversa gravada, os militares se sentiram atingidos e não liberaram a exibição do folhetim.

A intenção da Globo era que Roque Santeiro fizesse parte das comemorações de dez anos anos da emissora em 1975. A novela prometia trazer uma inovação para a faixa das oito, já que Dias Gomes antes havia escrito só tramas para às 22h.

"Tínhamos planejado uma mexida no horário das oito da noite. Eu pensava que os melodramas de Janete Clair [1925-1983] deviam ser revistos. Achávamos que era preciso dar uma renovada naquilo. Era preciso levar para as oito o melhor autor das dez, Dias Gomes. Os melodramas de Janete Clair levavam a muitas fantasias, e a crítica político-social do Dias Gomes, mais seca e ferina, dava margem para que fizéssemos um belo trabalho", revelou o diretor Daniel Filho no livro Antes que me Esqueçam.

A sinopse da história, que fazia sátira à exploração política e comercial da fé popular, foi enviada para análise com 20 capítulos escritos. Cerca de 30 episódios já tinham sido gravados quando a Censura Federal notou que a trama era uma adaptação da peça O Berço do Herói, que já havia sido vetada anteriormente.

A previsão era de que Roque Santeiro estrearia em 25 de agosto de 1975, mas uma reviravolta causou correria na Globo: o departamento de Censura só tinha liberado a novela para a faixa das dez --e com vários cortes que mudariam os rumos da história.

Em 27 de agosto daquele ano, pouco minutos antes do momento em que o folhetim deveria entrar no ar, Cid Moreira leu um comunicado escrito por Armando Nogueira (1927-2010) noticiando que a trama de Dias Gomes não seria exibida por causa do veto dos censores. O governo afirmava que "a novela contém ofensa à moral, à ordem pública e aos bons costumes, bem como achincalhe à Igreja".

A emissora, então, exibiu uma versão compacta de Selva de Pedra (1972) como tapa-buraco na faixa das oito. Janete Clair foi convocada para escrever às pressas um novo folhetim usando a mesma equipe que estava escalada para Roque Santeiro, e Pecado Capital estreou em novembro de 1975.

DIVULGAÇÃO/TV GLOBO

Lima Duarte e Regina Duarte em foto de Roque Santeiro

Lima Duarte e Regina Duarte na versão de 1985

Dez anos depois...

Uma nova versão de Roque Santeiro foi produzida em 1985, mas com algumas mudanças em relação à sinopse anterior. A novela virou um dos maiores sucessos da dramaturgia nacional e marcou época por trazer uma cidade fictícia como um representação do Brasil.

"Quando veio a abertura gradual do Geisel [1907-1996], do Brasil, 'Agora podemos fazer a novela'. E com essa abertura, com essa lufada de vento saudável que perpassou o Brasil, veio a novela Roque Santeiro. E o povo percebeu: 'Agora podemos falar, respirar, pesquisar a nós mesmos, saber o que somos, como pensamos, de que jeito agimos, como vamos nos relacionar com a história, o que será desse país daqui pra frente'", declarou Lima Duarte em depoimento ao Memória Globo.

"Roque Santeiro foi um deslanchador dessa revolução, na televisão pelo menos, nesse universo recôndito e maravilhoso das telenovelas, da nossa liberdade, do nosso suspirar e respirar, do nosso encontro conosco mesmo. Esse foi o grande sucesso", completou o eterno intérprete de Sinhozinho Malta.

A trama era ambientada na fictícia Asa Branca. Os moradores viviam em função dos supostos milagres de Roque Santeiro, interpretado por José Wilker (1944-2014). Ele teria morrido como mártir ao defender a cidade do bandido Navalhada (Oswaldo Loureiro). Mas o falso santo causa rebuliço ao reaparecer vivinho da silva 17 anos depois, ameaçando o poder e a riqueza das autoridades locais.


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