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COLUNA DE MÍDIA

Todos odeiam o Facebook, mas ninguém vive sem ele (inclusive anunciantes)

REPRODUÇÃO/NETFLIX

Ator Skyler Gisondo caracterizado com Ben, do documentário O Dilema das Redes, da Netflix

No documentário O Dilema das Redes, da Netflix, Ben (Skyler Gisondo) não consegue se desconectar

GUILHERME RAVACHE

ravache@proton.me

Publicado em 24/12/2020 - 6h55

A Unilever avisou na semana passada que voltará a anunciar no Facebook. Uma dos maiores anunciantes do mundo, a empresa que possui marcas como Omo, Axe e Dove havia interrompido no meio do ano seus investimentos de publicidade em redes sociais. O motivo da interrupção foram acusações de que o Facebook pouco ou nada fazia para barrar o discurso de ódio e desinformação em suas propriedades.

Grupos de direitos civis pediram aos profissionais de marketing que cessassem os investimentos com publicidade no Facebook, em uma campanha chamada de Stop Hate for Profit. Entre as mudanças, exigiam a nomeação de um especialista em direitos civis na diretoria da empresa e o reembolso aos anunciantes cujos banners apareciam ao lado de conteúdo questionável.

Alguns anunciantes também queriam mais controle sobre onde seus anúncios apareciam no feed do Facebook. Mais de 1.100 empresas aderiram à campanha.

Entre elas havia nomes conhecidos, como Heineken, Pernod Ricard e Coca-Cola. Todos voltaram a anunciar nas plataformas do Facebook. Mas a Unilever é mais emblemática por seu tamanho e posição firme em relação à sua política de responsabilidade corporativa.

A Unilever justificou sua mudança dizendo que o Facebook avançou o suficiente para se sentir confortável em retomar a publicidade com a empresa.

rEPRODUÇÃO

Ícones de algumas das principais redes sociais

Sem alternativa

O quanto o Facebook e as redes sociais em geral melhoraram suas práticas é discutível e quase uma questão de opinião. Difícil abordar aqui. Provavelmente, a grande questão seja: se não for no Facebook, então onde os anunciantes vão gastar sua verba de publicidade? Voltar para a TV, o rádio, os jornais?

Se empresas como Unilever, Coca-Cola e Heineken não conseguem parar de anunciar na plataforma, quem poderia se dar ao luxo de ignorá-los? A gigante de telecomunicações Verizon ainda não retornou, é fato, mas vale lembrar que eles são concorrentes do Facebook na venda de mídia digital.

Segundo Packy McCormick, do Not Boring, "as razões para odiar o Facebook são tão numerosas e crescentes quanto seus usuários ativos diários. O Facebook é onde tantas fake news se tornam virais. A mídia social é viciante. O Facebook apenas copia os melhores recursos dos concorrentes. O Facebook sabe tudo sobre nós. A lista continua e continua. Mas aqui estamos nós, escrevendo sobre as razões para sermos otimistas no Facebook, pelo mesmo motivo que tantas empresas recorrem ao Facebook: não temos outra escolha se queremos crescer".

Simples assim, se você não está no Facebook suas chances de crescer são pequenas. E depois da pandemia isso ficou ainda mais evidente. O Facebook é um rolo compressor de publicidade a caminho de fazer mais de US$ 80 bilhões de receita em 2020.

E com mais de 80% de margem bruta. Já escrevi no passado sobre a irrelevância de grandes anunciantes no modelo de negócio do Facebook. Mais de 80% da base de anunciantes da empresa é formada por pequenas e médias empresas.

E da perspectiva do consumidor não é muito diferente. Cada vez mais ouço alguém dizer que, depois de assistir ao documentário O Dilema das Redes, na Netflix, "deixou" o Facebook e não gosta mais da empresa. Quando pergunto se a pessoa usa Instagram ou WhatsApp, respondem que sim. Então, lembro a pessoa que Instagram e WhatsApp também são empresas do Facebook.

O Facebook tinha 1,8 bilhão de usuários ativos diários (DAUs) e 2,7 bilhões de usuários ativos mensais no terceiro trimestre de 2020, enquanto a "família" de produtos viu 2,5 bilhões de pessoas ativas diárias (DAPs) e 3,2 bilhões de pessoas ativas mensais (MAPs).

Observando os números, fica evidente que o crescimento do Facebook segue avassalador, sem esquecer que a rede social não está presente na China, o país mais populoso do planeta. Então, a empresa de Zuckerberg tem quase metade da população do planeta usando seus produtos mensalmente. Mesmo descontando robôs e contas fakes, o número é impressionante.

E a empresa que já viu a morte de perto, quando as pessoas migraram do desktop para o celular e a plataforma teve de se reinventar para levar o feed do computador para os apps de celular, investe pesado no futuro. O Facebook também está construindo o que espera ser a próxima plataforma de computação por meio da Facebook Reality Labs, que abriga iniciativas como o Oculus, Portal, Spark AR e CTRL-labs.

Realidade aumentada e realidade virtual estão claramente nos planos. E mais, na reunião de final de ano, a empresa também expôs seus planos iniciais para o desenvolvimento de um sensor que leria nossos pensamentos e os transformaria em ações. O sensor neural permitiria às pessoas controlar seus telefones com pensamentos.

Outra avenida de crescimento para o Facebook é a integração de suas plataformas com e-commerce. Nos últimos meses, diversos botões de compra e integrações com plataformas de e-commerce têm aparecido nas redes da empresa. Imagine quase metade da população do planeta comprando em uma única empresa.

rEPRODUÇÃO/NETFLIX

Cena de O Dilema das Redes

O ataque do monopólio

Não é acaso que o Facebook está sendo investigado por Estados e agências reguladoras em diversos países. Google, Apple, Amazon e Twitter também são alvo de investigações semelhantes, mas em nenhum dos casos o consenso para atacar parece ser tão grande quanto no caso do Facebook.

As investigações contra empresas de tecnologia não chegam a surpreender, governos são monopólios (monopólio sobre uma nação) e, quando empresas como o Facebook começam a influenciar destinos de eleições e estudam criar suas própria moedas, os governos vão agir, sejam democracias ou regimes comunistas como o chinês.

"Jamais diremos que acreditamos que esta ou aquela empresa é muito grande", afirmou Thierry Barton, comissário europeu para o mercado interno. "Mas diremos que, quanto maiores são, mais obrigações têm de cumprir."

A China também está entrando em ação. Na semana passada, a Administração Estatal da China para Regulamentação de Mercado anunciou que multou os gigantes tecnológicos locais Alibaba e Tencent por violações relacionadas à fusão, após a revelação no mês passado de um projeto de regulamentação que visa coibir o comportamento monopolista entre empresas de comércio eletrônico e de pagamentos.

Em 3 de novembro, Pequim parou a oferta pública inicial de US$ 37 bilhões do Ant Group no último momento.

Veja bem, não estou defendendo qualquer big tech ou governo. É fato que as redes sociais e as big techs têm problemas. Assim como é fato que o mesmo governo que processa o Facebook aprovou a compra do Instagram e do WhatsApp pelo Facebook, assim como alguns políticos parecem se aproveitar da exposição pública que "bater" nas empresas de tecnologia proporciona. 

Na prática, pouco ou nada vai mudar para o Facebook a curto prazo. Processos como os que governos e agências reguladoras estão movendo contra o Facebook levam anos para serem concluídos. E há inclusive uma possibilidade positiva para o Facebook e seus pares: quanto mais regulado o mercado de redes sociais se tornar, menores as chances de novos concorrentes entrarem.

A indústria de cigarro, por exemplo, com o passar dos anos se tornou tão regulada que nenhum novo player surgiu, e os líderes do setor seguem faturando bilhões sem novos concorrentes. Se uma empresa não pode fazer publicidade de cigarros, como irá criar uma nova marca?

Uma das acusações do governo dos Estados Unidos e mais 40 Estados é que a empresa de Zuckerberg usa táticas anticompetitivas adquirindo ou destruindo concorrentes que possam ameaçá-la. Então, existe a chance de o Facebook reduzir o número de aquisições.

Outra possibilidade, a exemplo da Microsoft, que foi acusada pelo governo americano por monopólio em 1998, é a empresa perder o foco. Bill Gates, fundador da Microsoft, afirma que uma das razões para a sua empresa ter perdido a onda dos smartphones foi estar mais cautelosa em meio a uma batalha com o governo. 

Por sua vez, as empresas de tecnologia aceitam que as mudanças estão por vir, com a pressão bipartidária crescendo nos Estados Unidos quando se trata de reformular a Seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações, que protege as empresas de responsabilidade por conteúdo gerado pelo usuário. Durante duas décadas, as empresas de tecnologia disseram que a lei não deveria ser alterada, mas essa resistência mudou recentemente.

O chefe do Facebook admitiu que a lei deve ser atualizada, o chefe do Twitter sugeriu "expansões", o Google reconheceu "questões legítimas" e um grupo de empresas menores --incluindo Snap, Reddit e TripAdvisor-- afirmaram estarem abertas a discutir reformas.

reprodução/instagram

Mark Zuckerberg, fundador do Facebook

Um problema de comunicação

Mas se a questão não se limita ao Facebook, por que ele é o mais odiado? Certamente existem diversos motivos, incluindo os sucessivos problemas de privacidade e muitas vezes a falta de transparência (mas isso não se limita ao Facebook). Porém, a empresa se comunica mal (full disclosure, já trabalhei em uma agência que atendia o Facebook, mas nunca tive qualquer relação com o atendimento).

Também participei do Facebook Journalism Project, em uma experiência bastante positiva. Mas nada mais chato do que um bilionário arrogante que desde a adolescência humilha o mundo à sua volta --se você assistiu ao filme A Rede Social (2010), sabe do que estou falando. E, para o mundo, Mark Zuckerberg é o Facebook.

Ele historicamente joga na cara do mundo a superioridade do modelo de negócio que criou. Por exemplo, neste ano, em meio ao crescente boicote aos anúncios em sua plataforma, afirmou: "Meu palpite é que todos esses anunciantes estarão de volta à plataforma em breve". E aqui estamos nós, menos de seis meses depois, discutindo como os anunciantes voltaram.

Apple vs. Facebook

O Facebook iniciou uma campanha com anúncios em grandes jornais (sim, quando o assunto é sério, até o Facebook prefere o impresso) atacando a Apple. Com o título Apple vs. the free internet (Apple vs. internet livre ou grátis), os anúncios afirmam que a Apple vai piorar a internet, por essa razão o Facebook está entrando na briga contra a Apple em defesa dos pequenos negócios e da internet.

A Apple --assim como muitos defensores da privacidade-- quer que os desenvolvedores peçam permissão aos usuários antes de rastreá-los. A partir do início do próximo ano, o sistema operacional iOS14 da Apple exigirá que os desenvolvedores de aplicativos informem os usuários de iPhone e iPad sobre o rastreamento online e peçam que os usuários decidam se permitem ou não ser rastreados.

Por que isso importa?

A expectativa é que a grande maioria recuse o acesso. Se os usuários recusarem, a Apple não permitirá que os desenvolvedores acessem identificadores de dispositivos para publicidade --uma string alfanumérica usada para identificar usuários em diferentes aplicativos móveis. Isso seria um grande problema para o Facebook, à medida que reduz a eficácia de sua capacidade de segmentar as campanhas.

Bolha de pensamento

O risco é que o Facebook, ao declarar guerra a qualquer um neste momento, pode ajudar mais o inimigo do que a causa.


Este texto é argumentativo e não expressa necessariamente a opinião do Notícias da TV. A Coluna de Mídia é publicada toda quinta-feira.


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