COLUNA DE MÍDIA
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Spotify preferiu manter o podcaster Joe Rogan (à esq.) a disponibilizar catálogo de Neil Young
O Spotify confirmou que removeu o catálogo do astro Neil Young da plataforma. O músico havia dado um ultimato ao Spotify. "Eles podem ter [Joe] Rogan ou [Neil] Young. Não os dois", escreveu o artista em uma carta aberta nesta semana.
Young exigia que o podcast de Joe Rogan, notório propagador de desinformação e discurso de ódio, fosse retirado do Spotify. "Estou fazendo isso porque o Spotify está espalhando informações falsas sobre vacinas --potencialmente causando a morte daqueles que acreditam na desinformação espalhada por eles", escreveu Young em uma carta posteriormente excluída, segundo a Rolling Stone.
Na quarta-feira (26), o Spotify retirou todas as músicas de Young do ar a pedido do músico e de sua gravadora, a Warner. O podcast de Rogan, The Joe Rogan Experience, segue no ar.
Mas por trás da polêmica está um negócio em crise e, possivelmente, o futuro do Spotify. Afinal, não é todo dia que vemos uma empresa priorizar o lucro no lugar de sua reputação.
Joe Rogan não é um caso isolado. Podcasts polêmicos e extremistas cresceram rapidamente na plataforma à medida que as redes sociais melhoraram suas ferramentas de combate à desinformação.
"Queremos que todo o conteúdo de música e áudio do mundo esteja disponível para os usuários do Spotify. Com isso, vem uma grande responsabilidade em equilibrar a segurança dos ouvintes e a liberdade dos criadores", disse um porta-voz da empresa ao Wall Street Journal.
O Spotify afirmou ter políticas de conteúdo em vigor e que removeu mais de 20 mil episódios de podcast relacionados à Covid-19 desde o início da pandemia. Porém, Ashley Carman, no The Verge, questionou a afirmação da plataforma de que tem práticas claras e que combate a desinformação.
"A questão em aberto é o que o Spotify considera cruzar sua linha. Rogan não cruzou isso? O que esses outros podcasters disseram para serem retirados? Além disso, quem é essa equipe interna? Quem está sinalizando essas violações --software ou humanos?", perguntou Ashley.
O mercado de podcasts cresceu rapidamente no mundo nos últimos anos, mas começa a dar sinais de saturação. O Spotify, uma das plataformas líderes no segmento, é um exemplo de como a aposta que até pouco tempo parecia óbvia está se tornando cada vez mais desafiadora.
Há duas semanas, o Spotify anunciou que iria fechar um de seus quatro estúdios que produzem podcasts. O Studio 4, ou Spotify Studios, como era conhecido, tinha de 10 a 15 funcionários e produzia programas como Dissect e Chapo: Kingpin on Trial.
Dawn Ostroff, a diretora de conteúdo do Spotify, está insatisfeita porque sua empresa não tem produzido novos podcasts populares o suficiente. Ela tem pressionado seus estúdios internos por melhores resultados.
O Spotify aumentou consideravelmente seus esforços nos últimos anos, investindo R$ 2,85 bilhões na compra dos estúdios Parcast, Gimlet e The Ringer. O contrato de R$ 570 milhões com Rogan para levar o podcast com exclusividade para a plataforma é parte do projeto.
Desde o início do contrato, o Spotify tem recebido críticas. Rogan, na época, já era acusado de islamofobia, transfobia e racismo. No início deste mês, um grupo de 270 cientistas e profissionais de saúde assinou uma carta aberta ao Spotify acusando o podcast de "promover teorias da conspiração infundadas" e pedindo ao serviço que tome medidas contra eventos de desinformação em massa em sua plataforma.
Rogan ocupa o posto de podcast mais ouvido desde sua estreia no Spotify. Nunca houve tantos podcasts na plataforma quanto agora, mas, segundo o Business Insider, os próprios estúdios do Spotify têm sofrido para crescer dentro da empresa devido a "estratégias pouco claras" e "tensões internas".
O Gimlet teve os números mais baixos de todos os quatro estúdios em termos de horas de consumo, segundo métricas vazadas de setembro de 2020. E, segundo um relatório do The Verge, os programas exclusivos licenciados do Spotify, especificamente o programa de Joe Rogan, podem ter perdido uma parte significativa de seu público depois que se tornaram exclusivos da plataforma.
O problema é que está cada vez mais difícil para novos programas encontrarem audiência. Com o aumento da oferta, cada novo show tem menos ouvintes do que seus antecessores. O Spotify já hospeda mais de 3 milhões de podcasts.
Isso não é específico do Spotify. O problema acontece em outras plataformas. Enquanto o público geral que consome podcast se expande, o público para novos programas individuais está diminuindo. O podcast, a exemplo da TV e de outros meios de entretenimento, luta para atrair e reter a atenção do público diante de uma crescente oferta de atrações dos mais variados tipos.
Nenhum dos 10 podcasts mais populares nos EUA no ano passado estreou nos últimos dois anos, de acordo com a Edison Research. Eles têm, em média, mais de sete anos, e três dos cinco primeiros têm mais de uma década (The Joe Rogan Experience, This American Life e Stuff You Should Know). Apenas alguns podcasts no top 50 (SmartLess, The Michelle Obama Podcast e Frenemies) têm menos de dois anos. E nenhum deles está no top 25.
Quanto mais anos se passam e maior fica uma plataforma, mais difícil para quem chega por último se estabelecer e crescer. Pergunte a quem lançou um canal no YouTube há dez anos e tenta fazer o mesmo hoje.
Mas o grande problema dos podcasts é a resistência da Geração Z (pessoas nascidas entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2010) ao meio. Executivos do Spotify estão preocupados que a geração mais jovem de ouvintes não esteja usando seu produto o suficiente.
"Poderíamos estar melhor nesse grupo", disse o cofundador e CEO Daniel Ek, em novembro passado, em uma entrevista à Bloomberg. Ainda segundo a reportagem, executivos da empresa expressaram preocupação nos últimos meses com a Geração Z.
Em média, ela ouve menos podcasts do que os millennials, a Geração X ou os baby boomers. E isso pode ter relação direta com o TikTok, o aplicativo que é febre entre os jovens.
No começo, o TikTok foi uma ótima notícia para o Spotify. As pessoas ouviam músicas na rede social de vídeos e depois iam para o Spotify para ouvirem o som completo ou conhecerem mais do artista que cantava a música.
O problema é que o TikTok, além de reter seus usuários durante cada vez mais tempo (particularmente os mais jovens), recentemente lançou o próprio serviço de música. O Resso já funciona no Brasil, Indonésia e Índia, onde concorre com o Spotify --que não é o único a sofrer com a concorrência, mas parece ser quem tem mais a perder.
A aposta do Spotify em podcasts é parte da estratégia da empresa de aumentar a venda de publicidade na plataforma. O ouvinte de podcasts, diferentemente de quem ouve música, está mais aberto a ouvir campanhas publicitárias.
O Spotify tem outra vantagem: como possui os dados dos ouvintes e controla a plataforma, sabe exatamente quando e como as pessoas ouvem as atrações e a publicidade nela contida. A plataforma ainda tem a capacidade de segmentar a publicidade para públicos específicos.
Os dados dos usuários e a capacidade de segmentação aproximam o Spotify de empresas como o Google e a Meta (ex-Facebook), que valem bilhões por sua efetividade em veicular publicidade online.
Mas se o Spotify começar a ser visto como uma plataforma de desinformação, as chances de os anunciantes a adotarem são cada vez menores.
O que o Spotify talvez descubra depois de gastar bilhões em podcasts é que produzir conteúdo e criar grandes sucessos talvez seja um desafio bem maior (e mais caro) do que imaginou. E mais, priorizar os lucros tem um grande impacto na sua reputação.
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