REPRESENTATIVIDADE
Reginaldo Teixeira/TV Globo
A escritora Antonia Pellegrino e o cineasta José Padilha na última sexta (6): sócios em série sobre Marielle
Criticada por ser liderada por um homem branco tido como de direita, a série dramatúrgica que a Globo fará sobre a vida de Marielle Franco (1979-2018) contará com diretores e roteiristas negros em sua equipe. Sócios na produção, a Globo e a Antifa Filmes decidiram convidar homens e mulheres afro-descendentes para integrar o time criativo da produção, um dos maiores investimentos da plataforma de streaming Globoplay para 2021.
Anunciada na última sexta-feira (6), a série foi bombardeada nas redes sociais por não ter nenhum negro no comando. Além do diretor José Padilha, estão no projeto a escritora e roteirista Antonia Pellegrino e o autor de novelas e minisséries da Globo George Moura (Onde Nascem os Fortes, Amores Roubados).
Idealizadora da série, Antonia Pellegrino foi duramente cobrada pela escolha de Padilha, diretor dos dois filmes Tropa de Elite (2007 e 2010) e produtor-executivo das séries Narcos e O Mecanismo, da Netflix. A esquerda não admite que um diretor que louvou a Operação Lava Jato e que chegou a elogiar o então juiz Sérgio Moro produza uma série sobre uma mulher de esquerda, vereadora do PSOL, que nasceu e cresceu numa comunidade carente.
Já os negros reclamam da escolha de um homem branco "que deu e dá ferramentas simbólicas para a construção do fascismo e genocídio da juventude negra no país", conforme manifesto divulgado no sábado (7) pelo site Alma Preta, assinado por 68 profissionais do audiovisual.
"É uma violência extrema envolver numa série sobre Marielle o autor de filmes que retrataram de forma heroica a polícia mais violenta do país. Para se ter uma ideia, após Tropa de Elite, as inscrições no Bope aumentaram vertiginosamente. O retrato ali inspirou e inspira ações violentas em todo o país. Não à toa, a música-tema da tropa no filme apareceu em dezenas de vídeos de apoio ao presidente em exercício. É o filme que mais exaltou o tema 'bandido bom é bandido morto', simplificando a discussão da violência urbana a uma questão de polícia", afirma o texto.
Na apresentação do projeto de série à imprensa, na última sexta, Antonia Pelegrino justificou a escolha do parceiro de produção. "Para filmar a vida e morte de Marielle Franco, era preciso alguém que, há um tempo, conhecesse o submundo do Rio, e fosse experiente e capaz de levar esta história ainda mais longe: José Padilha, um dos maiores diretores brasileiros de todos os tempos", afirmou, lendo texto previamente escrito e republicado no Facebook (veja no final deste texto), onde recebeu mais de 150 comentários negativos.
Uma outra justificativa de Antonia jogou ainda mais lenha na fogueira. Ela disse ao jornalista Maurício Stycer, do UOL, que pensou em ter um diretor negro no projeto e deixou nas entrelinhas que não achou nenhum brasileiro com o "peso" necessário. "Se tivesse um Spike Lee, uma Ava DuVernay...", comentou, citando o diretor de Malcolm X (1992) e produtor da série Ela Quer Tudo (Netflix, 2017) e a criadora de Selma (2014) e de Olhos que Condenam (Netflix, 2019).
"O que chama a atenção nessa fala de Antonia Pellegrino é o nível de exigência que ela coloca para um diretor negro trabalhar na série, só serve se a pessoa for premiada assim como Spike Lee e Ava DuVernay. Será que ela está comparando José Padilha com Spike Lee?", escreveu ontem, também no Alma Preta, o historiador e militante do movimento negro Henrique Oliveira.
Fontes envolvidas com a série acreditam que essa reação inicial vai deixar de ter sentido com o tempo e, principalmente, com o resultado. Antonia Pellegrino, que já criticou Padilha publicamente, é sócia do cineasta na Antifa Filmes, empresa criada especificamente para a empreitada. Inicialmente, como revelou o Notícias da TV, a ideia era vender a série para a Amazon, mas a Globo atravessou a negociação.
O contrato da Antifa com a Globo só foi assinado na sexta-feira, quando se deu o pontapé inicial na produção. Por enquanto, a equipe só tem Padilha, Antonia e George Moura, mas vai crescer com novos roteiristas e diretores --afinal, serão duas temporadas de oito episódios cada. Esse time será formado nas próximas semanas. Quando estiver completo, seus componentes serão revelados.
Espera-se que pelo menos um cineasta negro, como Jeferson De (Brother, 2011), dirija alguns episódios. A liderança do projeto, contudo, será do contestado (também pela direita) José Padilha. Ele não é funcionário, é sócio do projeto.
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